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Evidenciar a trajetória de uma instituição escolar num “tempo continuum”, em “perpétua mudança” (BLOCK, 2001, p.55), não é tarefa fácil e requer uma minuciosa investigação para que não cometamos injustiças e falhas em nossa análise e narrativa histórica. Essa foi nossa maior preocupação, quando decidimos fazer uma retrospectiva histórica do Colégio Agrícola de Lavras da Mangabeira.

Para tamanha investidura, iniciamos traçando um cronograma de atividades, que nos levou a uma considerável carga de leitura a respeito das questões teórico-metodológicas referentes ao tema em estudo. Esse desafio esteve ancorado e relacionado, de algum modo, com um fazer historiográfico representado pelo movimento dos “annales”13.

Para Justino Pereira de Magalhães,

No âmbito da Nova História (um movimento renovador da historiografia européia que marcou as décadas de 70 e 80 do século XX), a história da educação aberta à interdisciplinaridade, associada à sociologia, tendeu a evoluir de uma história

13Para um compreensão do que foi o movimento dos “annales” sugerimos ler BURKE, PETER. A revolução Francesa da Historiografia: a Escola dos Annales (1929 – 1989). São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991.

institucional (centrada na educação como sistema, como instituição) para uma história problema aberta às relações da educação e das instituições educativas, na sua diversidade sociocultural e pedagógica, com a sociedade, pelo o que a historiografia apresenta uma panóplia de conceitos e temas inovadores. (MAGALHÃES, 2004, p.91).

No sentido acima aludido, esta investigação privilegia aspectos socioculturais das instituições escolares com foco na interdisciplinaridade, gerando, desta forma, uma nova concepção de história institucional. Entendemos, então, que fazer uma retrospectiva histórica de uma instituição escolar significa pensá-la dentro de um contexto mais amplo da educação, ou seja, devemos considerá-la como parte que integra uma espacialidade e suas zonas de influência. É pensá-la nas múltiplas interações que a constitui14.

Tomar a escola em sua perspectiva sociocultural é tratá-la como portadora de sentidos múltiplos e não de forma absoluta. Portanto, fazer essa retrospectiva do colégio agrícola significa, não (re)construir “a história da instituição”, mas produzir uma narrativa histórica onde,

[...] o pesquisador expressa pela forma de síntese narrativa construída com base na análise de representações de acontecimentos, relações e experiências passadas (documentos, imagens, prédios, objetos) e apropriações subjetivas (em parte capturadas por meio de depoimentos, memórias, registros escritos, sonoros, pictográficos) de coletivos ou indivíduos, bem como da própria instituição sobre si mesma, suas relações externas, internas e no contexto social ao longo tempo. (WERLE, 2004, p. 32).

Portanto, a metodologia utilizada buscou viabilizar a investigação, tendo em vista que, por se tratar de uma instituição escolar, era preciso:

[...] compreender e explicar os processos e os “compromissos” sociais como condição instituinte, de regulação e de manutenção normativa, analisando os comportamentos, representações e projetos de sujeitos na relação com a realidade material e sociocultural de contexto. (MAGALHÃES, 1998, p.58, apud, Décio Gatti Júnior, 2006).

A partir da especificidade do objeto em causa e das perguntas de partida da pesquisa, optamos por definir estratégias que melhor respondessem à nossa necessidade como investigador. Diante de tal constatação, relatamos aqui os passos percorridos.

A pesquisa se deu em cinco momentos distintos, mas que se complementaram na abordagem, formulação e construção final dos resultados do trabalho. De um modo geral, a proposta da pesquisa é da modalidade ‘estudo de caso’, a partir da abordagem qualitativa,

14Id,

assumindo caráter bibliográfico, documental, elementos mesclados ou complementados com fontes orais.

Deste modo, no primeiro momento, o trabalho adotou uma perspectiva bibliográfica e documental. Recorremos a livros, artigos, teses, dissertações, resenhas e outros meios de divulgação editorial que tratavam da História da Educação no Brasil, do ensino e das instituições escolares ligadas às questões agrícolas no Brasil e no Ceará. Foram consultadas obras encontradas, nas seguintes instituições: Biblioteca Pública Governador Meneses Pimentel, Biblioteca Pública de Lavras da Mangabeira, Biblioteca do Centro de humanidades da UFC, Biblioteca da UECE/Campus do Itaperi, Biblioteca do Conselho de Educação do Ceará, Biblioteca da Secretária de Educação Básica - SEDUC, Biblioteca do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, Biblioteca César Calls de Oliveira da Assembleia Legislativa do Ceará, Biblioteca da Pós-Graduação do curso de Agronomia – Universidade Federal do Ceará - UFC, Biblioteca da Secretaria de Agricultura do Estado do Ceará, Biblioteca da EMPRABA do Ceará/UFC, Biblioteca do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS, Biblioteca da Fundação Getúlio Vargas – Rio de Janeiro, Biblioteca da Universidade Federal Fluminense – UFF, Biblioteca da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Biblioteca Nacional – RJ, Banco de Teses e Dissertação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, Bibliotecas virtuais do Instituto Nacional e Estudos e pesquisas - INEP, do Congresso Nacional, da Biblioteca Nacional de Agricultura - BINAGRI, onde se encontra a documentação referente ao Ministério da Agricultura para o período posterior a 1966 e Biblioteca virtual do Itamaraty, onde constam os acordos firmados entre o Brasil e os Estados Unidos da América e sites na internet com publicações referentes à História da Educação e do Ensino Agrícola no Brasil, que estão referendados no corpo deste trabalho.

Em nossa abordagem, buscamos identificar os pontos de ancoragem das relações estabelecidas entre os governos brasileiro e americano na definição de políticas educacionais voltadas para o ensino agrícola no Brasil, frente à necessidade de manutenção de uma hegemonia econômica, mas que foi apresentada, em escopo ideologizado, como ação voltada para a superação do estado de subdesenvolvimento no qual se encontrava a economia.

No segundo momento, continuamos com a abordagem bibliográfica. Desta vez buscamos identificar os autores que lidam com a área de Educação Agrícola no Brasil, no século XIX e XX. Foram consultados alguns estudos realizados em diferentes épocas, que tratam de aspectos relevantes da História da Educação do Ceará; nesse conjunto, destacamos, José Ricardo Pires de Almeida, Tristão de Alencar Araripe, Plácido Aderaldo Castelo, Valnir

Chagas, Simone Sousa, Lourenço Filho, André Haguette, Lauro de Oliveira Lima, Maria Juraci Cavalcante, Graça Loiola, Maria Goretti Lopes Ferreira e Silva, Sofia Lerche e outros. Buscou-se nesse momento da pesquisa dialogar com diversos historiadores, na tentativa de captar os argumentos apontados por estes com relação a possíveis lacunas presentes no campo da História da Educação no Ceará.

Veio um terceiro momento, em que o trabalho assumiu um caráter mais documental. Para tanto, em nosso percurso do trabalho de campo, visitamos os seguintes acervos públicos: Arquivo Público do Estado do Ceará, Arquivo Geral da Secretária de Educação do Ceará – SEDUC, Biblioteca Pública de Lavras da Mangabeira, Arquivo do Conselho de Educação do Ceará, Biblioteca da EMBRAPA do Ceará/UFC, Biblioteca do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS, Biblioteca da Fundação Getúlio Vagas (FGV) – Rio de Janeiro, Biblioteca da Universidade Federal Fluminense – UFF, Biblioteca da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Biblioteca Nacional – RJ, Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil - CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, a Biblioteca da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em Seropédica, onde funcionou, desde fins da década de 1940, o Centro Nacional de Ensino e Pesquisa Agronômica (CNEPA) do Ministério da Agricultura; a Biblioteca do Museu Nacional do Rio de Janeiro, que guarda documentação tão variada, quanto significativa sobre a temática em seus múltiplos aspectos, culminando com buscas no Instituto Geográfico, Histórico e Antropológico do Ceará, Banco de dados do Jornal Diário do Nordeste, Tribuna do Ceará e acervo de revistas e jornais da Biblioteca Pública Menezes Pimentel do Ceará.

Em relação a Lavras da Mangabeira, nossa busca por documentos oficiais e particulares, mantidos em acervos públicos e privados, foi fundamental para a construção da escrita da tese sobre a história do Colégio Agrícola de Lavras da Mangabeira. Parte dos documentos estava depositada no Arquivo Geral da SEDUC-CE, onde tivemos acesso ao “livro de ponto” de professores, relatórios anuais de gestão, livros de matrículas e pastas individuais de alunos, pastas com correspondências oficiais contendo leis, pareceres, decretos, regulamentos, atas de reunião, deliberações do MA e do MEC, jornais, folhetins, fotos, livros de ocorrências, registros do currículo da escola, planejamentos de aulas e atividades da escola, atas das festas de conclusão de curso, boletins de alunos, diplomas e correspondência de pais de alunos endereçados ao diretor da escola. Foram diversos os achados, embora esse acervo esteja bastante fragmentado e desgastado pelo tempo, o que revela falta de cuidado quanto à conservação e restauro dessa documentação. Ver fotos abaixo (12/03/2015, feitas pelo autor).

Figura 2 - Fotos da documentação do período de 1948 -2003 da ex-escola – Colégio Agrícola de Lavras da Mangabeira, depositada no Arquivo Geral da SEDUC – CE.

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Fonte: Arquivo Geral da SEDUC – CE. Pastas de alunos.

Quanto aos sujeitos da pesquisa, optamos por aqueles que estiveram mais tempo presentes na escola. Nesse sentido, contamos com a participação de dois ex-diretores da escola em épocas distintas, cinco ex-professores, seis ex-alunos e quatro ex-funcionários. Como critério para escolha dos entrevistados, optou-se por diretores, alunos e funcionários que estiverem e vivenciaram a vida da escola em épocas diferentes para assim captarmos relatos sobre momentos distintos ao longo da existência da escola. Usamos como recurso, entrevistas semiestruturadas, com gravações em áudio, realizadas, ora nas residências, ora em seus locais de trabalho. A realização das entrevistas despertou em nós a atenção para algumas questões que nos levaram a entender os desafios contidos na metodologia da História Oral15.

15

A história oral é uma metodologia de pesquisa que consiste em realizar entrevistas gravadas com pessoas que podem testemunhar sobre acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida ou outros aspectos da história contemporânea. Começou a ser utilizada nos anos 1950, após a invenção do gravador, nos Estados Unidos, na Europa e no México, e desde então difundiu-se bastante. Ganhou também cada vez mais adeptos, ampliando-se o intercâmbio entre os que a praticam: historiadores, antropólogos, cientistas políticos, sociólogos, pedagogos, teóricos da literatura, psicólogos e outros. No Brasil, a metodologia foi introduzida na década de 1970, quando foi criado o Programa de História Oral do CPDOC. A partir dos anos 1990, o movimento em torno da história oral cresceu muito. Em 1994, foi criada a Associação Brasileira de História Oral, que congrega membros de todas as regiões do país, reúne-se periodicamente em encontros regionais e nacionais, e edita uma revista e um boletim. Dois anos depois, em 1996, foi criada a Associação Internacional de História Oral, que realiza congressos bianuais e também edita uma revista e um boletim. No mundo inteiro é intensa a publicação de livros, revistas especializadas e artigos sobre história oral. Há inúmeros programas e pesquisas que utilizam os relatos pessoais sobre o passado para o estudo dos mais variados temas. As entrevistas de história oral são tomadas como fontes para a compreensão do passado, ao lado de documentos escritos, imagens e outros tipos de registro. Caracterizam-se por serem produzidas a partir de um estímulo, pois o pesquisador procura o entrevistado e lhe faz perguntas, geralmente depois de consumado o fato ou a conjuntura que se quer investigar. Além disso, fazem parte de todo um conjunto de

O recurso a entrevistas semiestruturadas e gravadas, possibilitou captar, através de relatos dos entrevistados, pontos que mostraram a relação entre suas histórias de vida e a dinâmica educacional inscrita no percurso da Escola Agrícola de Lavras. Esse momento de intercruzamento de fontes e escuta de discursos, baseados no fluxo de memórias e subjetividades, tornou-se algo fundamental para a produção das evidências buscadas e posterior análise dos discursos dos entrevistados. Ao lado disso, outros procedimentos adotados por nós, tiveram a fotografia e o diário de campo como formas de registro.

Quanto aos sujeitos da pesquisa mencionados, objetivamos captar suas vivências no período em que a escola passou por transformações, em diferentes momentos políticos do Ceará e do Brasil. Uma das exigências feitas era entrevistarmos pessoas que passaram pela instituição, nas décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990; sempre levando em consideração que, assim procedendo, estaríamos procedendo a uma tomada da realidade da escola, reveladora de aspectos cruciais, ao longo destes 55 anos de sua existência institucional.

Os alunos (nas) entrevistados (as) eram de ambos os sexos, com predominância para os do sexo masculino, em função da escola ter sido, em toda a sua existência, voltada quase totalmente para o público masculino, vindo aceitar em seus quadros a presença feminina somente a partir da década de 1970, de forma muito acanhada, com a entrada de cinco alunas, no ano de 1972. Por essa razão, durante sua existência, tivemos um predomínio da matrícula de alunos do sexo masculino, em especial, no regime de internato, onde somente aos homens era concedido participar como aluno interno.

Quanto aos funcionários, os que desenvolveram atividades no interior da secretaria da escola, na inspetoria, na vigilância, os motoristas e os auxiliares de serviço, como cozinha, dormitórios e limpeza em geral.

Os documentos produzidos pelo Ministério de Educação – MEC para o período enfocado foram por nós cotejados, a exemplo da Lei Orgânica do Ensino Agrícola, decreto- lei-9613-46; as Leis de Diretrizes Bases da Educação de 1961 e de 1971, assim como a Lei de 9394/96, ainda em vigor. Vimos ainda os acordos, convênios e contratos firmados entre o governo brasileiro e os organismos internacionais financiadores da educação brasileira.

documentos de tipo biográfico, ao lado de memórias e autobiografias, que permitem compreender como indivíduos experimentaram e interpretam acontecimentos, situações e modos de vida de um grupo ou da sociedade em geral. Isso torna o estudo da história mais concreto e próximo, facilitando a apreensão do passado pelas gerações futuras e a compreensão das experiências vividas por outros. O trabalho com a metodologia de história oral compreende todo um conjunto de atividades anteriores e posteriores à gravação dos depoimentos. Exige, antes, a pesquisa e o levantamento de dados para a preparação dos roteiros das entrevistas. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral. Acessado em 23 de junho de 2014.

No quarto buscamos, nos registros oficiais e particulares, elementos que mostrassem como foi possível a construção das políticas públicas para o ensino agrícola.

No quinto e último momento, a construção de nosso trabalho assume seu caráter mais analítico, por meio de uma abordagem de natureza histórica, numa perspectiva comparada. Utilizamos o método comparado em razão da estratégia de estudos escolhida e em função da especificidade do nosso objeto de estudo, haja vista que estávamos buscando uma resposta para as nossas perguntas de pesquisa, que envolviam relações e dinâmicas locais, nacionais e internacionais.