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A Primeira República foi marcada por lutas políticas perpetradas por grandes proprietários de terra, tanto do Sul como do Nordeste, que culminaram com a criação de importantes agências patronais, como a Sociedade Paulista de Agricultura – SPA, Sociedade Rural Brasileira – SRB e a Sociedade Nacional de Agricultura – SNA, ambas levadas por interesses privados, chegando a exercer forte pressão sobre o governo, exigindo a criação de

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Ver a tese apresentada ao programa de pós- graduação em história das ciências e da saúde da casa de Oswaldo Cruz/fiocruz como requisito parcial para tenção do grau de doutor. Área de concentração: história das ciências de Wanda Latmann Weltman intitulada: A educação do jeca: ciência, divulgação científica e agropecuária na revista chácaras e quintais (1909-1948). Publicada em 2008. No capitulo dois a autora aborda as questões referentes ao estado, ciência e agropecuária no Brasil (1909-1948): contexto nacional a experiência de São Paulo. A tese encontra-se disponível no site. http://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/3979.

39Pensar o “Estado gramscianamente é pensá-lo sob dupla perspectiva: 1) a das reformas mediante as quais as forças de classe se consolidam e organizam para além da produção, no seio da Sociedade Civil e 2) a das formas através das quis as agências ou orgãos públicos contemplam projetos e/ou atores emanados dos aparelhos privados de hegemonia dos quais a Sociedade Civil é portadora.

um órgão que se ocupasse especificamente dos assuntos ligados à agricultura, até então secundarizada no período imperial.

Essa demanda por políticas públicas, que viessem a resguardar os interesses destes produtores rurais, se acentuou quando se estabeleceu no Brasil o fim do trabalho escravo e a consequente transição para o trabalho livre. A elite agropecuarista, agora organizada em entidades patronais, elevou seu poder de intervenção no Estado brasileiro, e com isso, passou a exigir que fosse tomado providencias pelo Estado que garantissem a base de produção econômica do Brasil e as tradicionais culturas para exportação40.

Aqui não iremos nos deter em pormenorizar esta questão afeta aos efeitos da abolição, pois trataremos de mostrar como a Sociedade Civil, ou seja, os proprietários de terra e produtores rurais. Estes exerceram pressão junto ao Estado brasileiro, resultando numa indissociável e contraditória relação que marcou um importante momento do processo de construção das relações de produção capitalistas no campo,41 mediante a redefinição de formas de trabalho compulsório.

Outra modificação que se observa da Abolição, verificada no ano anterior, alterando relações de trabalho, provocando certa instabilidade na mão de obra nos campos, em substituição da antiga fixidez, determinada pela escravatura, criando lugar a permanentes atritos, o que deu origem a uma legislação sobre o assunto, que se estende até aos dias de hoje. (LIMA, 1976, p. 299)

Segundo Heitor Ferreira Lima, em sua História Político-Econômica e Industrial do Brasil (1976), a instalação da República “não trouxe mudança na estrutura econômica do país, porque continuamos com o nosso sistema agrário de produção baseado no latifúndio e uma economia monocultora do café voltada para a exportação, como no tempo da Monarquia.” (Idem, p. 298)

No subtópico seguinte, enfatizaremos particularidades da criação do SNA e suas implicações no poder político – Estado restrito – como estratégia para o desenvolvimento de políticas assistencialistas voltadas a atender os produtores relegados ao segundo plano na conjuntura do ruralismo brasileiro.

40Cf.

A economia brasileira no Império, 1822-1889 – texto para discussão - Versão preliminar do capítulo 1 de

nova edição de “A Ordem do Progresso”. Neste capítulo são utilizados textos de trabalhos anteriores dos

autores, principalmente Lago (1978), e, para temas monetários e financeiros, Abreu e Lago (2001). Disponível no endereço eletrônico: http://www.econ.puc-rio.br/pdf/td584.pdf.

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Essa precoce interferência estatal junto à agricultura demarca o inicio do processo de construção do chamado capitalismo autoritário que, segundo VELHO, 1979, teríamos como característica a reatualização das formas de trabalho compulsório no imediato pós-abolição, assegurada por uma indissolúvel, ainda que contraditória aliança entre proprietários agrários e Estados, sobredeterminada pelo âmbito da política.

2.2.1 A Sociedade Nacional da Agricultura - SNA e a criação do Ministério da Agricultura Indústria e Comércio – MAIC: a politização da economia brasileira

A literatura consultada afirma que a Abolição e a República foram o coroamento de um processo de transformações estruturais por que passou a sociedade brasileira no final do século XIX, marcado pela transição do trabalho escravo para o trabalho livre.

Contudo, o Brasil teve como consequência uma primitiva acumulação capitalista, em função da excessiva centralização monárquica, responsável pela insatisfação entre os produtores rurais, causando, de forma direta, um aprofundamento na mencionada “vocação agrícola do país”; vindo a colocar o Brasil numa condição de subordinado, no seio da divisão internacional do trabalho (OLIVEIRA, 1975).

Passamos a ter no Brasil, novas e diversificadas relações de trabalho no campo, o que ratificava a dependência externa da acumulação brasileira atada ao capital estrangeiro, quer pela dinâmica própria da diversidade dos complexos agroexportadores regionais que a integravam (CANO, 1977), quer pela imposição hegemônica a todos eles da lógica de funcionamento ditada pelo complexo cafeeiro paulista.

Nessa contradição, o Brasil passou a operar com níveis de diferenciação de interesses de classes dentro do processo e, ao mesmo tempo, tentou pôr em ação uma política em busca de meios que pudessem estabelecer uma condição de governabilidade, operando, na economia e na política brasileiras, ao longo da Primeira República, atividades setoriais em áreas geográficas cada vez mais definidas e segmentadas.

Laços de interatividade foram criados entre estes segmentos que serviram para determinar como se organizou e reproduziu no Brasil o sistema de dominação vigente na República Velha. Tivemos uma proliferação de associações de classes que representavam as facções agrárias. Essas agremiações desempenharam papel importante na configuração do que Sônia Mendonça (1997) chamou de O Ruralismo Brasileiro42.

Uma destas agremiações foi a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), criada em 1897 e até hoje operando no Estado Brasileiro. Não caberá aqui relatar a história da SNA, mas evidenciar como esta entidade, que representava segmentos agrários distintos, sobretudo, do eixo Nordeste-Sul, os quais, desde fins do século XIX, enfrentavam obstáculos para a colocação de seus produtos no mercado internacional, criou e organizou inúmeras entidades

42 Cf.

Sobre O Ruralismo brasileiro, ver Sônia Regina de Mendonça: O RURALISMO BRASILEIRO (1889- 1930), Editora Hucitec – São Paulo, 1997.

patronais agrárias voltadas para a formulação de alternativas à crise43 pela qual passava a agricultura brasileira, dentre elas citamos a (re)criação do Ministério da Agricultura em 1909. Os proprietários articulados pela SNA estavam com olhos na diversificação da agricultura e na necessária recriação do Ministério da Agricultura44. Isso gerou uma acirrada competição política intraclasse dominante agrária no período, a qual se perpetuaria no tempo. Além da SNA, havia também a SPA e a SRB.

Continuava, pois, sendo importante o fortalecimento da agricultura na economia nacional, na primeira década do século XX, muito embora surgissem disputas internas do setor e outras vozes começassem a defender a indústria.

No Congresso da Expansão Econômica, realizado em 1905, Vieira Souto, industrial e

professor da Escola Politécnica, defendendo a chamada “indústria artificial” ( que não

usava matéria-prima nacional), assim se manifestava: “Quem diz país novo diz indústria nascente; portanto, a indústria que é criada em um país novo traz consigo a fraqueza d

tudo o que nasce ou começa.” E logo adiante: “Se a condenação das denominadas

indústrias artificiais pudesse prevalecer, nenhuma indústria poderia ser explorada no Brasil; ficaríamos reduzidos à grande indústria da torrefação de café, com lenha ou

carvão nacional”. Parecer da Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados consignava: “A tese que o Brasil antes de tudo é um país destinado à agricultura, não

pode ser afirmada seriamente porque, por fim de contas isso importa em dizer que o Brasil não é destinado a atingir jamais um alto grau de civilização. (LIMA, 1976, p. 315)

A SNA como veículo de propostas consideradas modernizantes, elaboradas por frações da classe dominante agrária secundarizada no bloco do poder, influiu diretamente nas decisões da pasta da agricultura. Esta, em seus quadros, não abrigava porta-vozes da grande burguesia paulista. Isso foi motivo para que somente as políticas agrícolas favoráveis às demandas formuladas pela SNA fossem viabilizadas pelo ministério da agricultura. Nessa nova conjuntura, o papel desempenhado pela Sociedade Civil, via SNA, influiu nas tomadas de decisão do (re)criado Ministério da Agricultura.

Um dos aspectos mais importantes da atuação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (MAIC) na Primeira República, foi elaborar e pôr em prática uma política de Ensino Agrícola tida como veículo promotor da transformação do homem do campo em trabalhador nacional. Aquela se assentava num conjunto de práticas de

43Cf.Ver o capítulo 1 “A REAÇÃO RURALISTA” do livro - O Ruralismo brasileiro - de Sonia Regina de Mendonça (1889-1930), Editora Hucitec – São Paulo, 1997. p. 19 – 36.

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Por pressão da SNA, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio – transformado em Ministério da Agricultura em 1931 - foi implantado em 1909, tendo como titulares os próprios dirigentes da Sociedade. Apenas um dos ministros não presidiu a Sociedade. A esse respeito ver MENDONÇA, 1997.

arregimentação de mão-de-obra45 para atender as demandas do mercado de trabalho, porém justificadas em nome da necessidade de fomento à educação. Ao mesmo tempo, buscava-se eliminar o temor da desorganização da produção, mediante a construção de uma representação genérica de crise da agricultura46.

Essa nova realidade propiciou debates, discussões e estratégias de planejamento que culminaram na elaboração de inúmeras políticas voltadas para a agricultura. Participaram da elaboração dessas políticas voltadas para o “Ensino Agrícola” setores de grandes proprietários e representantes de complexos agrários de menor dinâmica47, como era o caso dos produtores vinculados a complexos agrários no Norte e no Nordeste.

O homem do campo, sendo considerado atrasado, tornou-se alvo da crítica, quando se atribuía a ele a responsabilidade pela “crise da agricultura brasileira” e, ao mesmo tempo, passou a ser considerado como “solução” para esta, quando se pensava em incluí-lo mediante políticas de instrução, como o ensino agrícola, que visava atendê-lo em suas necessidades de formação e qualificação para o trato com a terra. Desta forma, mantinha-se a estrutura fundiária, legitimando modalidades de intervenção “pedagógica”, o que evitaria sua fuga do mercado48.