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Perfume e sua química

No documento Taisa Vieira Sena.pdf (páginas 50-56)

No processo de criação de um perfume, o perfumista, também chamado de nariz devido ao seu excepcional olfato, leva de 6 a 18 meses e parte de uma ideia inicial, em busca de diferentes referências, como tendência de moda, análise comportamental e aspirações do consumidor. Grasse (2007) afirma que atualmente, estima-se que existam cerca de 300 profissionais especializados no mundo, habilitados para trabalhar na alta perfumaria, com a capacidade de reconhecer 2 mil aromas diferentes (uma pessoa comum reconhece apenas uma dúzia) esses profissionais combinam 300 ingredientes ou mais para compor um perfume. Para isso, têm à sua disposição, para escolha de aromas, aproximadamente trezentas essências naturais e quase duas mil sintéticas, sendo que cada uma dessas essências tem seu próprio teor de evaporação e reação. A essa mistura de diversos odores dá-se o nome de bouquet.

De acordo com Castro (2013) Carolina Herrera parte de uma ideia, uma recordação, algo que a agradou, que leu, que viu ou ouviu e depois passa um pré-release (uma espécie de mapa com as orientações de construção da fragrância) para sua equipe de criação que transporá estas ideias em aromas. Carolina sabe também, que uma nova fragrância tem que ser bem aceita pelo público, por isso procura criar perfumes que estejam em perfeita sintonia com as desejos de seu consumidores.

O perfume é uma composição de diversas matérias-primas naturais e sintéticas (cheiros da natureza recriados artificialmente em laboratório). Algumas notas se dissipam em poucos minutos e outras podem permanecer por algumas horas ou ainda por um dia inteiro, isto devido aos seus pontos de evaporação específicos. O perfumista desenvolve suas criações a partir de modelos matemáticos preditivos, combinando as muitas fragrâncias que irão compor um perfume. Depois segue para o reator químico, onde mistura os compostos escolhidos (cada perfume contém de 30 a 80 diferentes compostos, às vezes mais) até obter a fórmula desejada.

Para compor a fragrância o perfumista usa basicamente óleos essenciais, um solvente, geralmente álcool, e água. Os óleos essenciais são a base da formulação do perfume, e para obtê-los são usados diferentes métodos, desde o mais tradicional, o enfleurage, até os mais modernos como headspace. No enfleurage ou “enfloragem”, as substâncias aromáticas (geralmente flores) são expostas por um certo período de tempo a uma gordura em temperatura ambiente. Em seguida, substituem-se as flores por novas até saturar a gordura, que é depois tratada com etanol. Seguidos todos estes passos teremos o óleo aromático em alta concentração e baixa quantidade. O método mais comum é o da destilação, no qual o vapor de água evaporado sobre as flores carrega-se de essências aromáticas, sendo necessários 10.000 kg de pétalas de rosas para produzir 1 kg de essência de rosa. O método mais barato é o da extração por solventes, com eles se obtêm 1 kg de essência com apenas 3,5 kg de rosas, no entanto, a concentração das essências é menor. Há ainda a maceração, que é um processo utilizado para as substâncias animais e para certas plantas e flores, que são mergulhadas em óleo quente para extração do óleo essencial. O método mais moderno é o headspace, usado para flores cuja essência é difícil de captar; a flor é coberta por uma redoma de vidro e um gás neutro captura o perfume, essas moléculas odoríferas com as quais o gás se carrega são, então, reproduzidas no laboratório.

De posse das essências, como um músico, o perfumista, combina notas em diferentes acordes para criar harmonias aromáticas. Um perfume, bem como uma música, é mais do que a soma total das suas partes ou acordes. A personalidade de uma fragrância é determinada pelo seu acorde básico. O acorde, para a perfumaria, é uma combinação de duas ou mais notas diferentes que criam um novo efeito de cheiro diferente que o dos materiais experimentados individualmente. Já as notas, são provenientes de óleos essenciais de diferentes matérias-primas, como por exemplo, rosa, jasmim, sândalo4.

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São exemplos de matérias-primas para perfumaria: Flores (rosa, jasmim, gardênia, gerânio, violeta, lírio, ylang ylang, etc.); Ervas aromáticas (tomilho, alecrim, menta, basílico, coriandro, etc.); Frutas cítricas (cascas de limão, laranja, bergamota, tangerina, etc.); Madeiras (cascas de árvores, raízes ou ramos, cedro, sândalo, canela, bétula, etc.); Folhas (patchouli, vetiver, etc.);

De acordo com Barry (2012) ao aplicar um perfume sobre a pele, este passa por três fases de evaporação de acordo com as notas com que foi criado. Sua composição aromática está distribuída em um modelo conhecido como pirâmide olfativa (figura 5), dividida horizontalmente em três partes e caracterizada pelo termo nota, a exemplo dos acordes musicais.

Figura 5: Pirâmide Olfativa

Fonte: Rezende (2011, p.30).

A primeira é composta por notas chamadas de “saída”, “topo” ou “cabeça”, que causam a primeira impressão olfativa, o primeiro aroma que sentimos ao borrifar o perfume. Esta fase representa os primeiros quinze minutos de evaporação, e é constituída normalmente por aromas mais frescos, como os cítricos, que por natureza são mais voláteis. Ou seja, boa parcela das moléculas encontra-se na fase gasosa, em que são rapidamente capturadas por nossos sensores olfativos e desprendem-se primeiro, no conjunto de um aroma. Com características leves e refrescantes, representando 20% da fórmula, estes aromas têm como matérias-primas mais usadas os óleos essenciais cítricos (como bergamota, tangerina), verdes e aldeídos.

A segunda fase provém das notas de “corpo” ou “coração”, são os aromas que sentimos nas três a quatro horas seguintes de evaporação. Essa percepção tardia é consequência da menor volatilidade dessas substâncias comparadas às notas de saída. Costuma-se dizer que as notas de corpo

Resinas (gálbano, benjoin, opoponax, mirra, incenso); Além dessas principais, existem muitas outras. Temos também, como já foi dito, as matérias primas sintéticas, que são criadas em laboratório.

compõem o “coração” da fragrância, determinam a personalidade, o caráter do perfume, e representam 40% da formulação. As notas de coração denotam a personalidade do perfume, entre elas se encontram as principais essências. Constituem o corpo da fragrância, trazem seu aroma dominante conferindo a elegância e o equilíbrio. Está é considerada a fase mais importante de um perfume, pois quando nos aproximados de alguém que está usando perfume, é este o cheiro sentimos. Para esta etapa da criação o perfumista dispõe de uma gama mais ampla de elementos estruturais, como os florais, os frutais e as especiarias.

Por fim, a terceira fase, chamada de “fundo”, é constituída por elementos de maior aderência. Proporciona a fixação do perfume e representa 40% da formulação. As notas de fundo são compostas por elementos fixadores, que conferem peso, calor e indicam o tempo de duração na pele, sendo as mais duradouras e atribuindo estrutura e profundidade ao perfume. As notas de fundo são fragrâncias percebidas a partir da quarta ou quinta hora de evaporação do perfume, devido à baixíssima volatilidade dessas substâncias. Possuem uma segunda característica importante, pois muitas destas notas formam os fixadores do perfume. Normalmente os componentes são os óleos resinosos, óleos de pouca volatilidade das madeiras, bálsamos e substâncias animais como o almíscar, que possuem esta característica, e que podem ser sentidos neste estágio da evaporação. A questão da permanência de um perfume tem aspectos variados. Um dos fatores de grande importância é o grau de oleosidade da pele: quanto maior, melhor a fixação do perfume.

Os perfumes são agrupados em famílias olfativas, esta classificação varia de acordo com a subjetividade do perfumista. De acordo com Edwards (1998) em 1983, a Comissão Técnica da Sociedade Francesa dos Perfumistas (Société Françoise des Parfumeurs), chamada na época de STPF – Sociedade Técnica dos Perfumistas da França, (Société Technique des Parfumeurs de France) estabeleceu uma primeira classificação dos perfumes,e a partir disso, atualmente considera-se sete famílias e 46 sub-famílias. Cada família é caracterizada por uma nota olfativa dominante e evoca diferentes sensações. As sete famílias são, utilizando a nomenclatura original francesa, Hespéridée, Florale, Fougère, Chypre, Boisée, Ambrée e Cuir.

A família Hespéridée ou Cítrico tem como principal caraterística o frescor. São composições leves, pouco perfumantes em longo prazo, frescas e podendo ser usadas por homens, mulheres, crianças e bebês. A família das hespéridées usa óleos essenciais de bergamota, laranja, limão, mandarina, entre outras.

Fougère significa samambaia em francês, é um nome de fantasia que não tem nenhuma relação com o cheiro da planta. Esta família tem em sua base uma combinação de aromáticos, musgo e madeiras, com notas de lavanda e de cumarina, e nuances doces de fava tonka. Um dos primeiros perfumes desta família foi Fougère Royale, de Houbigant, criado em 1882, e inspirado no English Lavander (1770). Os perfumes desta família são, principalmente, masculinos.

A família floral surgiu no fim do século XIX com perfumes chamados de soliflor, ou seja, de uma flor somente. Logo no início do século XX os perfumes dessa família passaram a ter formulações complexas, juntando-se a várias flores e essas novas criações passaram a ser chamadas de “buquês florais”. Atualmente, a família floral representa cerca de 60 a 65% dos perfumes vendidos. Trata-se de uma família quase que exclusivamente feminina, pois remete a feminilidade e romantismo, o que não impede que muitos perfumes masculinos possuam notas florais. As matérias-primas naturais mais utilizadas nesta família são os absolutos (essência com alta concentração) de jasmim, de jasmim sambac, de tuberosa, de rosa turca (rosa damascena), de flor de laranjeira, as essências de gerânio, de ylang-ylang e a manteiga de íris.

A família Chypre ou Chipre, é a base de perfumes sofisticados. O nome vem de um perfume que a empresa de François Coty lançou em 1917 com o nome de Chypre. O sucesso deste perfume o colocou como líder desta grande família, que agrupa produtos baseados principalmente em acordos com bergamota, rosa musgo de carvalho, patchuli, castóreo e resina de labdanum (Cistus labdanum). A maioria dos perfumes desta família é para uso feminino.

Boisée ou Amadeirada é a família na qual se encontram notas de caráter quente e opulento. Essa família incorpora três quartos perfumes masculinos e pode ser considerada o equivalente masculino da família dos florais. Seus aromas são considerados masculinos e ao mesmo tempo quentes, secos e

elegantes, são geralmente acompanhados por um toque de frescor cítrico ou de notas aromáticas. Existem vários tipos de madeira: as chamadas de quentes como o sândalo, as qualificadas como secas, que incluem a madeira de cedro e o vetiver. Além das do tipo verde, mais úmido como o patchuli e a essência de pinho.

A família Oriental ou Ambrée é descrita como sofisticada, quente e sensual, trazendo perfumes com intensa fixação e longa duração. Sob esta classificação foram agrupados perfumes com notas aveludadas, como baunilha, labdanum e notas animais bem assinaladas. O nome Ambrée vem do âmbar substância sólida, parda ou preta, de cheiro almiscarado, proveniente do intestino da baleia cachalote. Os perfumes desta família também apresentam um lado mais ou menos aveludado (fava Tonka, benjoim). A classificação Oriental se estende além da característica ambreada, porque inclui notas e ingredientes que “esquentam” a sensação olfativa, como as especiarias cravo, canela, pimenta e cardamomo. São perfumes opulentes e suaves que evocam os cheiros orientais. Os perfumes desta família costumam fixar-se melhor na pele, apresentando assim mais longa duração.

Por último, a família Cuir ou Couro, é uma com formulação bastante diferente, com notas secas, que tentam reproduzir o odor característico do couro (fumaça, madeira queimada, tabaco e bétula). Essas notas específicas são principalmente encontradas em perfumes masculinos. As matérias-primas que dão esse efeito são, principalmente, as essências de bétula, láudano e benjoim, além de um componente sintético importante, a isobutilquinoleina ou IBQ.

Embora não esteja na, classificação oficial tem-se ainda os perfumes com notas aquáticas, ozônicas e os gourmand. As notas aquáticas representam a sensação que temos com a presença da água, seja na proximidade de fontes e cachoeiras, orvalho ou brisa do mar (no caso, notas marinhas, com algas na composição). As fragrâncias ozônicas são geladas, metálicas, incisivas e representam a limpidez cristalina no ar. Os aromas gourmant caracterizam-se pela simulação sintética de sobremesas e sabores açucarados, recriadas pelos perfumistas que fazem um perfume literalmente dar água na boca. Os gourmant são diferentes dos perfumes de baunilha por

remeterem especificamente às doçuras e sobremesas, e não as variações que a fava da baunilha pode proporcionar.

A combinação de todas as notas que define a fragrância do perfume pode ser predominantemente cítrica, floral, amadeirada, frutal, doce, verde ou refrescante, mencionando as mais comuns. Para obter um resultado final perfeito é necessário que o perfumista integre as três etapas de forma harmônica e balanceada. A combinação dos elementos em um perfume considerado bom deve caracterizar-se por uma sensação de unidade, e a evolução da evaporação dos aromas das notas de cabeça, de coração e de fundo, deve proporcionar uma experiência linear e agradável.

Em paralelo ao desenvolvimento do perfume, tem-se a criação de seu frasco, que deve igualmente mobilizar os sentidos. De acordo com Grasse (2007) o perfumista francês François Coty, no início do século XX cunhou a máxima: “O perfume é a sua embalagem”. Criados como uma espécie de preciosos "porta-joias" os frascos presentificam no visual a aparência olfativa da fragrância. No decorrer da história da perfumaria podemos ver uma infinidade variedades de frascos, desde os mais rebuscados até os mais simples, graças à maleabilidade do vidro e às diversas técnicas de fabricação. Dentre os criadores de frascos importantes da perfumaria, destaca-se o francês René Lalique. O exímio fabricante de joias, mostrava grande fascinação pelo vidro, moldava-o e esculpi-o dando forma à vasos, taças e objetos de mesa e em 1907, a foi convidado pelo proprietário da famosa marca de cosméticos e perfumes Coty para projetar o frasco perfeito que conquistasse as mulheres. Essa parceria resultou em diversas obras-de-arte, como L'Effleurt, Ambre Antique e Cyclamen. A partir daí, a maison Lalique criou frascos de perfume para griffes como Worth (Dans la Nuit, de 1920) e Nina Ricci (L'Air du Temps, de 1947; Capricci, de 1961; Farouche, de 1974).

No documento Taisa Vieira Sena.pdf (páginas 50-56)