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The One Dolce & Gabbana

No documento Taisa Vieira Sena.pdf (páginas 114-121)

4.2 A estrutura triangular da publicidade de perfume

4.2.1 Objeto Que Emociona

4.2.1.2 The One Dolce & Gabbana

O anúncio do perfume The One (figura 12), lançado no ano de 2006 pela marca italiana de prêt-à-porter Dolce & Gabbana, está organizado em página simples e de número ímpar, estando assim, disposto à direita no corpo da revista, posição valorada positivamente por causar maior impacto visual na manipulação do periódico. A publicidade foi publicada na edição de dezembro de 2010 e, em maio de 2011, foi apresentado em outro anúncio a versão rose do mesmo perfume “The One”.

Figura 12: Anúncio de The One Dolce & Gabbana

Fonte: Revista Vogue, dezembro de 2010.

Na topologia do anúncio o plano de fundo do está fora de foco, dando destaque à figura feminina. A mulher se encontra apoiada sobre um aparador de vidro fumê espelhado, que reflete a posição de seus braços e parte do corpete champanhe que ela veste. A cabeça levemente inclinada, a ondulação do cabelo, a posição dos braços e da mão dão destaque ao pescoço, ao colo e ao pulso, as zonas erógenas de uso do perfume. A modelo veste uma corset em cetim de seda champanhe com acabamento de fita de gorgorão à taça (parte que reveste o busto). Apresenta costuras diagonais que se cruzam conferindo movimento e textura ao tecido e convidando ao toque. A materialidade da seda agrega o elemento de preciosidade ao traje. Grafados sobre o corpo da figura feminina, na mesma linha do busto, estão a marca e o nome da fragrância e logo abaixo, em primeiro plano, está o frasco do perfume. O frasco e o nome do perfume, colocados em primeiro plano, enquadram o olhar, instauram uma presença, organizam o discurso e assumem a autoria da competencialização desta mulher. Sua postura e olhar figurativizam, portanto, um “corpo desejante e desejável” como explica Landowiski (2002).

A figura feminina ocupa a maior parte da composição, traçando com seu corpo uma linha vertical que também pode ser vista na parede ao fundo e em parte do braço direito. As linhas horizontais estão presentes principalmente no plano verbal, na parte do braço apoiado sobre o vidro e no frasco do perfume. As linhas curvas fazem-se presentes no cabelo, no decote, no gestual da modelo, e intensificam o efeito de feminilidade. Na oposição das linhas retas do frasco com as linhas curvas do corpo e do cabelo da modelo, temos a colocação do feminino e do masculino (figura 13). O perfume, no modo de presença do frasco e em sua nomeação, coloca-se como o masculino que a faz sentir e reviver um momento único.

Figura 13: Linhas e formas do anúncio – The One

Fonte: Traçado desenvolvido pela autora, 2015.

A cor assume um papel muito importante na construção da imagem. O dourado, em sua variação de tons, é a cor dominante em um cenário composto também por uma mistura de marrom, champanhe, branco, preto e o vermelho. O marrom é uma cor neutra que, ligado à madeira, aquece os ambientes, valorizando-os positivamente. O champanhe, em uma variação mais iluminada em dourado, não evidencia contraste com a pele, com o traje e com a cor do perfume, unificando assim a ação do perfume sobre a modelo. O branco e o preto estão presentes no plano verbal e dão a ver o nome do perfume e identificam a figura feminina. O vermelho, presente nos lábios da personagem, é o foco de contraste da imagem, é a cor do fogo e do sangue, e das paixões. O dourado parece ordenar a composição. Está presente no cabelo de tamanho médio e que cai levemente em ondas sobre o ombro e o colo, na pele e no líquido, e presentifica a ação da fragrância, o fazer do perfume que é tornar esta mulher incrivelmente sedutora e única. A predominância do dourado intensifica a

ação do perfume; pelo cromático ele se faz ainda mais presente, nos fazendo sentir seu aroma como uma segunda pele e também a própria comoção da modelo, como explica Landowski: “Em outros termos, na impossibilidade de tornar presente o próprio objeto, a imagem encarregada de promovê-lo visa nos fazer sentir, como por empatia ou contágio, aquilo que o sujeito figurado no enunciado supostamente sente graças ao seu contato”. (2002, p. 145).

O dourado está no cabelo, na pele, na roupa e no perfume, cobre o seu corpo e a veste. O cabelo curto, bem como o decote do vestido, deixam o colo e o pescoço desnudos, indicando onde o perfume deve ser usado. A posição do corpo da modelo, a projeção do pescoço e da cabeça inclinada, o ombro para frente, o destaque da mão e do braço que emoldura o colo e a incidência da luz sobre o mesmo, fazendo-o brilhar, geram o efeito de sentido de sedução e nos fazem sentir o perfume. A encenação faz com que a luz que brilha sobre o corpo deixe evaporar dele as notas do perfume, nos inundando com um aroma doce, feminino e intenso.

O cromático em sua gradação dos tons mais claros e superficiais como o champanhe, ao mais escuro e profundo como marrom, passando pelo dourado que é o formante central da composição, presentifica as notas e o processar durativo na pele. As notas de saída, mais leves, frescas e iluminadas de bergamota, lichia e pêssego estão presentes no tom cintilante do cetim champanhe do corset. As notas de coração de ameixa, jasmim e lírio-do-vale que compõem o ponto central da formulação do perfume, são figurativizadas no dourado. Por fim, as notas de fundo, mais quentes e profundas, de âmbar, almíscar, baunilha e vetiver, fazem-se presentes no formante cromático marrom. Esta composição faz de “the one” uma fragrância única que deixa ver a intensidade de sua ação pelo dourado, fazendo ver e fazendo sentir uma mulher de aparência elegantemente sedutora.

O plano verbal ganha destaque na mesma linha do decote e sobre o corpo da figura feminina pela colocação da marca Dolce & Gabbana, escrita em branco, em caixa alta e negrito, alinhada à direita. Logo abaixo da marca está o nome do perfume “the one”, escrito também em branco, porém em caixa baixa e sem negrito. Ao lado está o frasco do perfume que apresenta a mesma colocação da marca no nome do frasco, mas impresso na cor preta. No plano

verbal o sentido de singularidade é instaurado pelo nome do perfume “the one” que figura aqui como a imagem do substituto de uma presença real, daquele que é o único capaz de comovê-la. O efeito de singularidade também se estende na performance do perfume, em transformar esta em uma mulher única, ou de levá- la a vivenciar momentos únicos.

O plano verbal se completa ao identificar, no canto superior direito, escrito em branco e em caixa alta, sem negrito e em fonte pequena, a figura feminina do anúncio como a atriz Scarlett Johansson. Ao nomear a figura feminina o enunciador ressalta a identificação da figura feminina do enunciado, esclarecendo quem ela é no mundo. Ao identificar a atriz, a marca se coloca na posição de um enunciador que quer deixar claro o simulacro de mulher que se constrói na especificidade de the one. Uma “musa do cinema”, uma mulher, sofisticada, sexy e segura de si, sempre em evidência e em conformidade com os valores axiologizados pela marca e que despertam o desejo de identificação. Johansson também é considerada um dos símbolos sexuais femininos modernos de Hollywood, e aparece com frequência nas listas publicadas das mulheres mais sexy do mundo, principalmente quando foi nomeada a “mulher mais sexy viva” pela revista Esquire em 2006 e 2013 (a única mulher a ser escolhida para o título duas vezes), e o “sexiest celebrity”, de Playboy, em 2007. O destinador busca assim reforçar a ancoragem para conduzir o destinatário à aceitação dos valores de exclusividade, sensualidade, beleza, luxo e esteticidade contidos no universo da marca.

Analisando a mulher, observa-se seu cabelo dourado, cuidadosamente arrumado em ondas direcionadas para fora e para o alto que reiteram o movimento do corpo e do perfume sobre ele. Os cabelos arrumados desta forma, soltos e ondulados, geram o efeito de sentido de sedução, confirmando a explicação de Anne Hollander (2003) que coloca que desde muito tempo há uma relação entre o cabelo solto e a disponibilidade sexual. Segundo a autora, o cabelo feminino solto era sempre uma referência especificamente sexual, sinal de descontração emocional, suscetibilidade em relação ao sexo e convite sexual padrão. A relação do cabelo com a sedução se dá ainda pela cor loura, usada por mulheres ocidentais consideradas sex symbol em diferentes épocas,

a exemplo de Marilyn Monroe no filme “Os homens preferem as loiras”, de 1953, dirigido por Howard Hawks.

Assim como nos outros anúncios, o slogan e/ou o nome do perfume, tornam-se o ponto de partida e norteiam as análises dos anúncios em textos sincréticos, sobretudo na narratividade que dele pode ser depreendida. O nome do perfume “the one” pode criar ainda outro sentido de unicidade e exclusividade. No linguajar coloquial norte-americano, “the one” é uma expressão que pode ser traduzida como ele é “o cara”, o único capaz de comovê-la. Nesta leitura o perfume seria o único sujeito capaz de deixar esta Scarlett Johansson, a mulher mais sexy do mundo, em estado absorto; o perfume teria então o poder avassalador de fazer com que o sujeito entrasse em um estado narcísico de esquecimento da presença do outro (do enunciatário) em momentos de devaneio, lembrança e êxtase, tão comovida de si, experenciando a si e ao perfume que rompe por alguns momentos a comunicação com o enunciatário. Mas, segundo Landowski (2002), gestos como esse, de abandono de si, apenas simulam uma suspensão da comunicação, pois se trata de uma tática discursiva para levar o leitor a observar este simulacro de intimidade em uma espécie de voyeurismo, oferecendo aos espectadores “(...) oportunidades de se surpreenderem em flagrante delito de indiscrição ou de voyeurismo - por mais ilusoriamente que seja, e sabendo disso, já que nenhuma relarão intersubjetiva além da imaginaria esta envolvida nessa interminável parodia do flerte.” (LANDOWSKI, 2002, p. 151)

Nesse arranjo discursivo, o sujeito do enunciado aparece em estado absorto em suas lembranças, não mantendo um contato de olhar direto com enunciatário. A cabeça está levemente inclinada para a direita, a mão toca o rosto na altura dos lábios, a outra toca o braço posicionado em direção a face, criando uma moldura para o decote e o colo em uma linha que ascende até o rosto de olhar distante. Criando uma gestualidade que figurativiza um momento de encontro com sua memória e consequentemente com consigo mesma. O modo de encenação da figura feminina aponta para o proceder do reviver um momento único, repetido no verbal pelo nome do perfume “the one” reiterando o perfume como provocador do modo de “sentir” anunciado. A disposição da modelo, colocada como especial e única, apreendida nesse modo de presença

indica a existência de um sujeito que parece interromper temporariamente a comunicação com o outro.

A opção pelo enquadramento de plano médio mostra parte de um ambiente com decoração elegante, porém difusa, destacando assim, a mulher, o frasco e o nome do perfume. A ausência de foco do fundo, com o seu insinuar de um lugar luxuoso organiza esse ambiente como um espaço para a glamourosa mulher que usa “the one”, um recurso figurativo utilizado para o convencimento da mulher enunciatária da marca. O foco na parte superior do corpo da personagem, cria o efeito de sentido de aproximação, tornando mais fácil para o enunciador sentir o mesmo a afeto do sujeito do enunciado. A mão colocada sobre o rosto e a maquiagem em tons de dourado chamam atenção para os lábios, levemente brilhantes, molhados e carnudos e pintados em um vermelho intenso, colocando-se em uma constituição que os deixam entreabertos, prontos para beijar e serem beijados novamente, parecendo atuar como impulsionador do estado de alma propalado. Landowski (2002) aponta que assumindo a postura de um sujeito comovido, envolta em suas lembranças, a modelo mediatiza nossa própria apreensão do poder de sedução do perfume (o objeto encenado). Assim, o enunciatário, observa esta relação cumplicidade, retirando delaalgum prazer visual, experimentando o êxtase da jovem, em resposta a sua presença sensível. A ausência de uma figura masculina humana deixa ver o perfume como sujeito, pois o perfume envolve e modelo e a faz sentir um simulacro de sujeito presente. Ela simula o próprio estado comovido do enunciatário, prometendo a este a conjunção com seu imaginário de romance e sedução, através da homologação de seu estado comovido.

O olhar difuso, absorto nos pensamentos da actante, contempla o amor ainda ausente. Nesse flagrante momentâneo pode ser recuperada a categoria de “identidade”, que, como se viu, é corroborada pelos traços de expressão acima descritos. Enquanto os dois primeiros planos dão visibilidade ao tempo presente e demarcam nitidamente as formas e cores do perfume e da mulher, cujas linhas sinuosas traçam seu estado passional decorrente da espera (contemplativa difusa), o terceiro plano, do ambiente e o do tempo passado, se mostra desfocado.

O fazer transformador é centrado na fragrância, o ato de sentir-se única depende do fazer do perfume, ele é responsável pela transformação desta mulher em única, capaz de levá-la a vivenciar momentos que podem ser revividos, ainda que no plano da memória. O tempo da lembrança recria a intensidade do já vivido, prolongando-o no presente, no “agora”. Assim, a figura feminina transforma-se num “eu” que fala para um “tu” sobre a experiência de ser única e de tudo que ela proporciona. A espacialização é do “aqui” e aspectualização do durativo, do momento de sentir e reviver. O simulacro de sujeito perfumado instaurado é de uma mulher comovida e que se perfuma de forma subjetal, ela se perfuma para se ser e principalmente para se sentir única.

No documento Taisa Vieira Sena.pdf (páginas 114-121)