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Perfume: uma breve história

No documento Taisa Vieira Sena.pdf (páginas 56-65)

O olfato desempenhou um papel primordial na interpretação do mundo que nos rodeia. Ele é o sentido que de forma mais rápida põe nosso cérebro em atividade, transporta-nos para um mundo de emoções associadas às

memórias de fragrâncias que nos ligam a emoções e sentimentos distintos e mais profundos do que o que nos é oferecido pela visão de uma imagem, ou pela percepção de um objeto através do tato. Conforme Girard-Lagorge (2006,) desde a antiguidade, os cheiros e os perfumes eram associados com sensações, com sentimentos e tinham papel importante nas relações sociais.

A etimologia da palavra “perfume” está no Latim: per (pelo, através) e fumum (fumo, fumaça); através da fumaça, nos dando assim uma pista sobre seu primeiro uso. É, pois, quase certo que o perfume nasceu em estreita ligação com a religião, sendo utilizado como purificante das almas e como oferenda aos deuses. De acordo com Ashkar (2001), os povos antigos tinham a crença que os incensos aromáticos produziam densas nuvens de fumaça que eram capazes de levar suas orações e pedidos de forma mais rápida até os deuses, bem como evocariam as almas de seus entes queridos já falecidos. Tornando os incensos um elemento importante na ligação dos humanos às divindades, encaminhando suas preces e agradecimentos aos deuses, além de atraírem bons fluídos.

A etimologia da palavra “perfume” está no Latim: per (pelo, através) e fumum (fumo, fumaça), através da fumaça, nos dando assim, uma pista sobre seu primeiro uso. É, pois, quase certo que o perfume nasceu em estreita ligação com a religião, sendo utilizado como purificante das almas e como oferenda aos deuses. De acordo com Ashkar (2001), os povos antigos tinham a crença que os incensos aromáticos produziam densas nuvens de fumaça que eram capazes de levar suas orações e pedidos de forma mais rápida até os deuses, bem como, evocariam as almas de seus entes queridos já falecidos. Tornando os incensos um elemento importante na ligação dos humanos às divindades, encaminhando suas preces e agradecimentos aos deuses, além de atraírem bons fluídos.

É fato que o perfume assume, em vários povos, a função de um canal de comunicação com os céus, um verdadeiro aliado do homem na busca pelo divino. Mais do que isso, é o próprio sinal da presença divina no mundo e Ashkar (2001) defende que inalar um perfume corresponde a nutrir-se espiritualmente com a força do cosmo.

João Braga (2006) afirma ser possível dividir as história do perfume em quatro momentos, relativos a sua conceituação e prática. Destacando primeiro, a sua ligação com o sagrado, num segundo momento, a sua dessacralização atingindo o universo da secularização, o terceiro relativo a sua popularização devido aos avanços da indústria química e, o quarto e último momento, com sua reconquista do prestígio em razão do vínculo com as grandes casas de alta-costura.

As primeiras referências ao perfume remontam às antigas civilizações do Oriente, especialmente ao Egito. Segundo Ashkar (2001) arqueólogos encontraram vasos de perfume de alabastro (figura 6) que remontam a 3.000 a.C, representações sobre o uso dos perfumes também são encontradas nos afrescos com cenas da vida quotidiana que mostram rituais com diferentes essências. O perfume parece estar ligado desde a Antiguidade até nossa cultura com a aparente dicotomia entre o sagrado e o profano. “Os egípcios, por exemplo, usavam-no em ricos rituais para seus deuses e besuntavam estátuas sagradas com óleos perfumados” (ASHKAR, 2001, p. 21). No que se refere ao profano, temos sua ligação como universo da sedução. Cleópatra era uma assídua usuária de perfumes, sendo considerada uma das primeiras mulheres a utilizar o perfume como “arte de sedução” para atrair olhares e marcar sua presença Em sua célebre visita a Roma, a rainha do Egito impregnou as velas de seu barco com o odor de rosas deixando o aroma por onde passou - e o perfume da flor entrou na moda. Na Índia o uso do perfume é citado tanto na descrição dos rituais de limpeza e purificação, quanto no livro do Kama-Sutra, famoso escrito sobre sedução datado do século VI, no qual os aromas têm papel especial.

Figura 6: Vasos de alabastro

Fonte: Grasse (2007, p.54).

Em “Da imperfeição”, Greimas (2002) ressalta esta ligação com o sagrado e o profano, quando o olfato é empregado articulando uma ligação do mundo real com o sensível. O perfume configura a comunicação com o sagrado “o odor de santidade”, mas também o fedor que revela a presença do diabo passa antes de tudo pelo canal olfativo.

Conforme Girard-Lagorge (2006) a perfumaria também se encontra, desde a Antiguidade, ligada à ciência médica. Na Grécia Antiga, Hipócrates, conhecido como o “pai da medicina”, utilizava pequenos concentrados de perfume para combater certas enfermidades. Os gregos também usavam óleos perfumados no corpo e colocavam perfumes até mesmo na comida: pétalas de rosas moídas eram ingredientes de receitas sofisticadas e o vinho era aromatizado com mirra, essências de flores e mel perfumado. Durante a conquista do Império Romano os negócios da perfumaria se expandiram, pois os romanos consumiam aromas de maneira intensa. O comércio de matérias- primas perfumadas foi estimulado pela criação de rotas comerciais para a Arábia, Índia e China. A prática dos banhos romanos se tornou um luxuoso ritual que incluía poções e óleos aromáticos dos mais variados.

No período da Idade Média havia apenas vestígios de usos do perfume na medicina e na farmacologia praticadas com ervas aromáticas nos mosteiros, além dos ritos religiosos, os perfumes serviam para espantar pragas e maus odores que não faziam bem a saúde. Com a ausência de cuidados de higiene, as mulheres perfumavam-se com fortes e persistentes aromas, como âmbar. Nos castelos aromatizavam-se alguns compartimentos, nascendo, assim, o primeiro ambientador da história. O uso do perfume, para criar uma nova

aparência a partir do olfativo, constrói um novo parecer para os sujeitos. O antropólogo Georges Vigarello disserta sobre essa ação simuladora do perfume e sua relação com o parecer:

O perfume desempenha [...] todas as funções. Está diretamente associado a um objecto de higiene. Seduz o olfato. Mas é ao mesmo tempo, purificador. O inverso imediato do sujo.. O perfume limpa. Elimina e apaga. A ilusão tornou-se realidade.” (VIGARELLO, 1996, p.74).

A pesquisadora de fragrâncias norte-americana Mandy Aftel (2006) afirma que em 1202 Veneza conquistou Constantinopla e, como consequência, apoderou-se das rotas no Mar Mediterrâneo para o Oriente. Assim, iniciou-se a ascensão e a riqueza de Veneza, com o florescimento da indústria do perfume na Itália, proporcionado pela transferência de conhecimento do Oriente para o Ocidente. O primeiro perfume como fórmula própria, de que se tem conhecimento, surgiu em 1370, criado para Rainha Elisabeth da Hungria. Era uma concentração de óleos e essências, conhecido como l’eau de la reine de Hongrie.

A autora afirma ainda que em meio à prosperidade das cidades italianas durante o renascimento, surge em Florença a Officina Profumo di Santa Maria Novella. Fundada oficialmente em 1612, a oficina surge em 1221, quando os frades dominicanos iniciaram as atividades da farmácia que produziam essências, pomadas, bálsamos e outras preparações medicinais. Muitas das fórmulas, produzidas até os dias de hoje em Santa Maria Novella5 foram

estudadas pela corte de Catarina de Médicis, que quando se mudou para a França em 1533 para se casar com o Rei Henrique II, levou junto seu perfumista pessoal, René Bianco. Este deu à França as primeiras lições na arte da perfumaria, e fundou a primeira boutique de perfumes em Paris, dando um impulso decisivo para a produção e comercialização de produtos aromáticos.

Mandy Aftel (2006) explica que indústria da perfumaria começou a tomar forma e ganhar força ao se unir a outras áreas da toillete, primeiro com a expansão das indústrias de luvas perfumadas na França do século XVI; além de perfumadas, as luvas deixavam a pele macia. René Bianco, o primeiro

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A perfumaria de Santa Maria Novella funciona junto à igreja e possui um museu aberto a visitação.

perfumista a abrir uma loja em Paris, era quem fazia as luvas perfumadas de Catarina de Medicis, tanto para seu uso, quanto para presentes. A autora destaca que quando Catarina queria se desfazer de algum inimigo recorria também aos conhecimentos alquímicos de René. Acredita-se que Jeanne d`Albret, mãe de seu genro Henrique IV, da França, foi envenenada após usar um par de luvas perfumadas com substância venenosa, presenteadas por Catarina.

A perfumaria na França inicia seu desenvolvimento com o comercio de luvas. Segundo Grasse (2007) no séc. XIII foram criadas as primeiras escolas que formaram os aprendizes e oficiais da profissão de mestre luveiro e em 1357, por decreto do rei João II, eles passam a ter seus privilégios garantidos. Na cidade de Grasse, que era um centro da indústria de couro, se desenvolve a arte perfumar o couro, especialmente o das delicadas luvas das senhoras. Tarefa designada aos maîtres gantier parfumeurs (mestres perfumistas de luvas). A autora afirma ainda que, a partir de então, os perfumes começaram a se espalhar por toda Europa. Na corte de Luis XIV havia uma profusão de odores. Por ser muito sensível, este rei tinha um perfume para cada dia da semana. A corte do rei Luis XV ficou conhecida como a “corte perfumada”. A amante preferida do rei, Mme. de Pompadour, usou seu poder para influenciar a corte de Versailles, e estimulou a popularização do banho. Ela gastava horas no toalete, banhava-se com sabonetes de lavanda, outras flores e ervas, além de usar pomadas perfumadas em seu penteado.

Napoleão Bonaparte era um grande apreciador de perfumes. Segundo Grasse (2007) o imperador não dispensava o seu uso diário, chegando a usar sessenta frascos por mês de sua fragrância preferida. Todas as manhãs, Napoleão despejava sobre a cabeça um frasco de Aqua Mirabilis, sua fragrância favorita. O perfumista Jean Marie Farina desenvolveu para Napoleão “Rouleau de L’Empereur” (figura 7), uma embalagem especial para que ele pudesse levar a fragrância em suas botas mesmo em campo de batalha.

Figura 7: Rouleau de L’Empereur

Fonte: Grasse (2007, p. 147).

Após a Revolução Francesa se conheceram os desenvolvimentos mais significantes da perfumaria até então. A cidade de Grasse passou da fase artesanal para a de indústria da perfumaria. Com a descoberta de novas técnicas de extração de matérias-primas perfumadas, muitas fábricas se desenvolveram nessa região. Nesta época o perfume começou a ser associado abertamente à arte da sedução e mesmo ao erotismo. Segundo Miller (2007) a França solidifica então a sua posição como líder na perfumaria mundial pelas essências e matérias-primas produzidas em Grasse, o que motivou a formação de empresas produtoras de fragrâncias sólidas e tradicionais. O mercado foi crescendo e levou ao surgimento das primeiras grandes marcas da perfumaria francesa: Guerlain, Pinaud, e Roger Gallet.

No século XIX, a tecnologia permitiu um grande salto qualitativo na produção de perfumes, proporcionando que o lançamento destes acompanhasse as tendências da moda. No final do século XIX Charles Worth funda a alta-costura e a Imperatriz Eugênia, esposa de Napoleão III, passa a divulgar este modo de se vestir tornando-o seu costureiro oficial. O mesmo impulso que a imperatriz deu à moda foi estendido à perfumaria, com a casa Guerlain que criouEau Impériale, uma fragrância apresentada em embalagem de vidro decorado com o brasão dos Bonaparte: abelhas pintadas à mão em

ouro. A casa Guerlain6 desenvolveu mais de 250 perfumes desde sua fundação

em 1828, criados por vários membros da família. É responsável por duas obras-primas da perfumaria francesa: Mitsouko, de 1919, e Shalimar, de 1925, cuja composição relembra os aromas do Oriente. Ambos os perfumes ainda são vendidos pela marca.

O perfume começa então a agregar significados através dos seus aromas. Ashkar (2001) afirma que o perfume e a roupa juntos configuram as noções de elegância ao longo do tempo e constituem a expressão dos gostos de cada época, iniciando uma relação promissora e lucrativa, em que a história do perfume é intrínseca à história da moda.

O estilista Paul Poiret, consagrado no mundo da moda, inovou em 1911 ao criar a própria indústria de perfumes, a Parfums Rosine, em Paris (figura 8). Nessa época a perfumaria de luxo era dominada por empresas exclusivas do setor como Guerlain, Coty e Caron. A maison Poiret inovou ao vender perfumes ao lado de roupas e o conceito de estilo seria ampliado para as sensações olfativas.

Figura 8: Perfume Rosine lançado em 1911

Fonte: Miller (2007, p. 52).

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A Casa de Guerlain foi detida e gerida por membros da família Guerlain de 1828 a 1994. Foi adquirida em 1994 pelo grupo LVMH, uma empresa multinacional de investimento especializado em marcas de luxo.

Girard-Lagorge (2006) afirma que o costureiro é quem melhor poderá saber do que precisam as mulheres, o que lhes convém. Em suas mãos, o perfume torna-se um complemento da toillete, um atrativo necessário, o mais indispensável dos supérfluos. Assim, a partir do séc. XIX, a história deste produto começou a caminhar de mãos dadas com a moda. Em 1911, Paul Poiret lançou o Rosine, ligando o perfume à alta-costura, mas foi Chanel em 1921, com o lançamento do Chanel Nº 5, que mudou para sempre a relação da mítica do ser perfumado com a aura de uma grande marca. Assim a França passou reconhecida como o berço da perfumaria e Paris como o centro da indústria do perfume.

No decorrer do século XX cada década foi marcada por um grande perfume, geralmente de uma casa de alta-costura ou prêt-à-porter. Na década de 1920 o destaque foi o lançamento de Chanel No 5, o primeiro perfume sintético de uma casa de alta-costura. Nos anos de 1930 o destaque foi o perfume Joy, do estilista Jean Patou. Lançado em um frasco de cristal Baccarat, Joy é até hoje considerado o perfume de criação mais cara da indústria francesa, pelas proporções que usa de jasmim-de-Grasse e de rosas- da-Bulgária, e sua composição apresenta ainda muguet e ylang-ylang. A década seguinte foi marcada pelo lançamento em 1947 do perfume Miss Dior, pela casa de alta-costura Christian Dior. Nos anos 1950 os perfumes norte- americanos começam a se destacar, com o lançamentos Youth-Dew de Estée Lauder em 1953. A década de 60 traz os aromas de patchuli e almíscar, como os do perfume Fidgi de Guy Larroche, lançado em 1966. Na década de 1970 o destaque fica para o perfume Opium, de Yves Saint Laurent. As fragrâncias dos anos 80 refletem a problemática e o psiquismo de uma geração agressiva, ousada e sexy nos perfumes Poison de Dior e Paris de Saint Laurent. Na década de 1990 as fragrâncias fortes como Dune (1991) de Christian Dior e Angel (1992) de Thierry Mulger dividem espaço com uma proposta mais suave e fresca como L’eau D’Iseey, lançado em 1992 pelo estilista japonês Issey Miyake.

No século XXI há uma profusão de perfumes, de marcas tradicionais de perfumaria, de casas de alta costura e prét-à-porter e até os perfumes de celebridades, assinados por personalidades de destaque midiático. Podemos

destacar como algo diferenciado a linha Relaxing Fragrance da Shiseido, uma mistura oriental de ervas como ginseng, flores como rosa-chá e especiarias como cardamomo, que promete aplanar os efeitos do stress diário. E a linha de tratamento para o corpo e o espírito lançada pela marca de prét-à-porter Kenzo, que inclui o Thé de Beauté, um chá relaxante e revitalizante, perfume, gel de banho e hidratante.

Inserido no sistema de moda, o perfume passa a ser diretamente ligado ao vestuário. Inicialmente desenvolvido por renomados perfumistas para os criadores de alta-costura como produtos exclusivos para uma clientela selecionada, sendo posteriormente vendido em massa, visando sucesso de vendas e lucro, e se tornando um elemento de acesso a toda a mítica e glamour ligado a estas marcas. Segundo Lipovetsky e Roux (2005) o casamento da alta-costura com a indústria moderna traduz-se igualmente por seus vínculos com o perfume.

No documento Taisa Vieira Sena.pdf (páginas 56-65)