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PERSEGUINDO AS MARCAS DE UM PERCURSO TRADUTÓRIO: LINGUÍSTICO E ESTILÍSTICO

6 A GÊNESE DE UM PROCESSO TRADUTÓRIO

6.2 PERSEGUINDO AS MARCAS DE UM PERCURSO TRADUTÓRIO: LINGUÍSTICO E ESTILÍSTICO

Um outro percurso que pode auxiliar essa reconstituição do paradigma tradutório usado por Virgillito em seu trabalho é o das anotações deixadas nos textos de Dickinson, a respeito das questões lingüísticas e estilísticas. Pode-se observar que Virgillito marcava frases e trechos de seus textos, como se viu anteriormente, com um símbolo recorrente, ao longo de todo o seu prototexto, o que parece destacar elementos significativos para ela. O símbolo é formado por um ponto dentro de um círculo, e a sua recorrência, como ver-se-á mais adiante, parece destacar uma certa proximidade, percebida pela tradutora, entre, por um lado, a poética e a vida da poeta americana e, por outro lado, a sua própria vida e obra. De modo que acompanhar o aparecimento desse símbolo, no prototexto, pode contribuir para reconstituir a idéia que Virgillito havia feito de Dickinson e do percurso intelectual da autora, fatores que teriam levado a italiana a privilegiar alguns elementos sobre outros, ao traduzir os seus poemas.

As anotações feitas por Virgillito, nas introduções dos livros de poemas de Dickinson encontrados em sua biblioteca pessoal, dizem respeito, sobretudo, ao aspecto lingüisticamente peculiar dos poemas da americana. Mostram, então, como a preocupação da tradutora, ao se aproximar do texto dickinsoniano, teria sido, sobretudo, de natureza lingüística, conforme ficou evidenciado na análise feita na dissertação de mestrado (cf. ROMANELLI, 2003), ao comparar as suas versões com as de outros tradutores.

No caso da introdução crítica do livro de Nadia Campana, Virgillito teria sublinhado e marcado, na página 11, nota n. nove, as peculiaridades do estilo transgressivo da americana, o que, certamente, a aproximava da poética da autora italiana:

Outros fatores de ‘transgressão’ foram: a subtração de nexos lógicos fundamentais, a troca das funções sintáticas, o extenso uso do subjuntivo, a prevalência de palavras monossilábicas ou propositadamente truncadas, [...] a criação ex-novo de cerca de cinqüenta vocábulos, a mistura de lexemas do uso cotidiano ou dialetal com outros decididamente mais técnicos e cultos (Tradução nossa) (CAMPANA, 1984, p. 11).115

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Altri fattori di ‘trasgressione’ furono: la sottrazione di nessi logici fondamentali, lo scambio delle funzioni sintattiche, l’estensione dell’uso del congiuntivo, il prevalere delle parole monosillabiche o volutamente troncate, [...] la creazione ex-novo di oltre centocinquanta vocaboli, la mescolanza di lessemi dell’uso quotidiano o dialettale con altri di sapore decisamente tecnico o dotto.

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E, ainda, na mesma introdução, Virgillito sublinha os trechos em que Campana destaca a importância: da elipse; do ritmo baseado na divisão silábica; do uso moderno da métrica tradicional; e da construção das imagens do texto, através de flashes descritivos. Também na introdução da coletânea dos poemas de Dickinson, organizada por Guidacci e publicada em 1995, Virgillito continua destacando trechos em que comenta o estilo e a linguagem poética da autora americana. Especificamente, lhe interessa ressaltar o uso absolutamente novo de vários tipos de ritmo e rima:

Emily fora uma grande inovadora [...] Emily Dickinson sem renegar a tradição [...] consegue dar ao instrumental poético a máxima variedade e ductilidade [...] Ela obtém esses resultados mediante a combinação, em uma mesma poesia, de vários ritmos [...] Fizera a mesma coisa no âmbito da rima [...] mantivera a rima, mas não se conformara com as opções que o cânone literário e estilístico contemporâneo lhe oferecia, por isso recuperara e inventara numerosas outras aplicações [...]. (Tradução nossa) (GUIDACCI, 1995, p. XXXV-VI).116

Esses dados parecem importantes para se voltar a enfatizar a inovação do estilo de Emily Dickinson, destacando a preocupação de Virgillito, sobretudo, com questões meramente lingüísticas, como se pôde observar, ao analisar o material extraído dos cinco cadernos manuscritos do seu prototexto.

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Emily fu un’innovatrice di prim’ordine [...] Emily Dickinson [...] senza rinnegare la tradizione [...] riesce a dare allo strumento poetico la massima varietà e duttilità [...] Essa ottiene questi risultati mediante la combinazione in una stessa poesia di vari ritmi [...] Lo stesso fece nel campo della rima [...] ella mantenne la rima ma non si contentò delle applicazioni [...] che le offriva la consuetudine dei suoi contemporanei, e resuscitò o inventò numerose altre applicazioni [...].

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6.3 BUSCANDO UM MÉTODO OU UMA POÉTICA DA TRADUÇÃO

Pôde-se ver, então, qual o percurso que levara Virgillito a encontrar os poemas de Dickinson, bem como, se pôde constatar qual a idéia que a tradutora italiana tinha da poeta americana e da própria arte de traduzir. O próximo passo será observar, de perto, o que revelam os manuscritos das traduções autógrafas dos poemas de Dickinson, buscando desvendar o método de trabalho ou a poética da tradução de Virgillito.

Pelo que se observou, Rina Sara Virgillito costumava sempre levar consigo livrinhos, agendas coloridas, lápis e canetas, quando passeava pelas ruas da cidade alta de Bergamo, onde morava, ou quando sentava nos pequenos cafés de outros lugares que escolhia, como Florença e Roma. Lia, traduzia e desenhava, sem se importar com o que estava acontecendo ao seu redor, ou pelo menos, não detendo o olhar indagador e sensível apenas nas aparências, mas concentrando- se, para conseguir penetrar além do véu da mera realidade.

Por ocasião de sua morte, no verão de 1996, na sua casa - na qual ninguém podia entrar -, e por isso chama-se de Casa Sacrário, podiam-se ver dois livros em cima da mesa do seu escritório: um de cartas e outro de poesias, ambos de Emily Dickinson. Numa gaveta, encontrava- se um grupo de cinco pequenas agendas (agora guardadas junto ao Arquivo Histórico de Florença). Nelas, escritas em uma grafia muito peculiar (ver foto), havia 114 poesias de Emily Dickinson, traduzidas por Virgillito.

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