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1.2. A sociologia ambiental: um ponto de partida

1.2.3. A perspectiva construtivista

A perspectiva construtivista na sociologia ambiental tem como preocupação entender o modo como os problemas ambientais são definidos, articulados e acionados pelos atores sociais. Conforme expõe Hannigan (1995), enquanto a maior parte das abordagens sobre meio ambiente apresentam as crises ambientais como produto de fatores tais como o crescimento populacional descontrolado, super-produção, perigos das novas tecnologias, etc, a sociologia ambiental construtivista propõe um enfoque centrado sobre os processos sociais, políticos e culturais, nos quais as condições ambientais são definidas como sendo de riscos inaceitáveis e portanto passíveis de conflito. Ou seja, na perspectiva social construtivista o meio ambiente não resulta de condições objetivamente dadas, nas quais os problemas poderiam ser evidenciados apenas a partir das estimativas dos peritos, mas é construído através de negociações sociais.

Além disto, considera-se que o próprio debate sobre questões ambientais, mesmo sob o ponto de vista técnico, revela haver mais incertezas e contradições, inclusive com convicções científicas irreconciliáveis, do que certezas, tanto nas suas

estimativas, como nas soluções propostas. Contudo, isto não significa que numa abordagem construtivista haja uma negação da realidade objetiva dos problemas e riscos ambientais, nem da independência dos fatores causais da natureza sobre eles. Mas a sua legitimidade, relevância e ordem de importância são construídos pelos atores, em diferentes arenas (espaços sociais construídos pelos atores), da mesma forma que os problemas sociais. Isto é importante para se compreender como são estabelecidas as agendas dos debates e das políticas ambientais. Numa abordagem social construtivista, ao invés de se focalizar a análise das agendas e políticas ambientais exclusivamente sobre o discurso público, estes são compreendidos como sendo produtos finais de um processo social dinâmico de definições, negociações elegitimações (Hannigan, 1995:31).

O construtivismo social não constitui apenas uma interpretação teórica, mas é também um instrumento de análise bastante útil para se abordar concretamente os problemas ambientais. Há uma similaridade entre problemas sociais e problemas ambientais. Conforme sugere Best (1989, apud Hannigan, 1995:34), os problemas sociais podem ser enfocados a partir de três aspectos: qual a natureza das reivindicações, quem são os produtores de reivindicações e como é o processo de produção das reivindicações. Este último envolve três sub-processos interligados: a animação do problema, a sua legitimação e a sua demonstração, a qual deve se dar através da constituição de uma arena pública em torno do problema social. A arena pública é o ponto de partida para a avaliação do problema.

Contudo, os problemas ambientais têm algumas diferenças com os problemas sociais, como por exemplo o fato dos problemas ambientais sofrerem uma maior imposição das bases físicas do que os problemas sociais, os quais estão mais

enraizados em problemas pessoais que se converteram em questões públicas. Mesmo assim, algumas questões ambientais estão mais relacionadas com a construção social de conhecimento ambiental do que uma reflexão fiel da realidade biofísica, tal como a questão da mudança global, depleção da camada de ozônio, aquecimento global, dentre outros. Isto ocorre porque não há uma comprovação científica socialmente aceita sobre a natureza física de tais problemas, nem entre os próprios cientistas.

Hannigan (1995: 40-51) expõe um interessante esquema para a análise do processo de construção social de um problema ambiental. Este processo envolve três tarefas chaves. A primeira é a montagem de uma reivindicação ambiental. Parte da descoberta inicial e a elaboração ainda incipiente de um problema. Nesta fase é necessário: nomear o problema, distinguir de outros similares, determinar as bases científicas, técnicas, morais e legais da reivindicação, e atribuir quem é responsável por tomar ações para solucioná-lo. Na pesquisa sobre as origens da reivindicação é importante para o pesquisador saber de onde vem a reivindicação, quem a detém ou a administra, quais os interesses econômicos e políticos que os produtores da reivindicação representam, e que tipo de recursos eles trazem para o processo de produção da reivindicação. Embora os problemas ambientais freqüentemente se originem no campo científico, deve-se considerar a importância dos pesquisadores práticos, observadores e conhecedores locais, para se conhecer como as reivindicações são construídas.

Uma segunda tarefa no processo de construção de um problema ambiental é a apresentação da reivindicação. Uma reivindicação ambiental precisa tanto chamar a atenção como também legitimá-la. Há diversos modos de chamar a atenção,

como o uso de gráficos, imagens verbais e visuais, exemplos fortes como acidentes. Também é possível provocar uma questão ambiental através de um evento. Um evento é capaz de provocar uma questão ambiental quando preenche alguns requisitos: 1) provoca a atenção da mídia; 2) envolve algum setor do governo; 3) demanda decisão govemamental; 4) a sua ocorrência não é descrita para o público como sendo uma extravagância; 5) diz respeito ao interesse pessoal de um número significativo de cidadãos. O seu sucesso depende também da exploração do evento pelos promotores. Mas chamar a atenção não é suficiente para se obter uma nova questão ambiental na agenda dos debates públicos. Para isso os um problema ambiental emergente deve ser legitimado em múltiplas arenas: a mídia, o governo, a ciência, o público.

Mesmo quando um problema ambiental é legitimado, isto não significa que uma ação positiva será tomada. Diversos fatores podem contribuir para que uma questão ambiental seja esquecida no momento da tomada de decisão ou ação, principalmente quando exige a relocação de recursos, e as suas metas estão distantes dos interesses do grande capital e da burocracia estatal. A implementação de uma proposição ambiental requer então uma terceira tarefa que é a disputa

política, não somente para aprová-la legislativamente, mas também para torná-la

efetiva. Kingdon (1984, apud Hannigan, 1995:50), sugere que para uma proposta política sobreviver ela deve satisfazer alguns critérios: os legisladores devem ser convencidos que a proposta é tecnicamente viável, e deve ser compatível com os valores dos fonmuladores das orientações políticas. Para uma reivindicação ambiental ter sucesso na arena política é preciso um compósito de fatores que envolve conhecimento, oportunidade e acaso, o que muitas vezes é contingente e

não depende necessariamente do seu mérito, como é o caso quando ocorre uma catástrofe ou acidente. No quadro 3 é apresentado de forma esquemática as tarefas necessárias para o processo de construção de um problema ambiental.

QUADRO 3. Tarefas chaves na construção dos problemas ambientais. Tarefas

Montagem Apresentação Disputa

Atividades Primárias - descoberta do problema - nomear o problema - detemninar bases da reivindicação - estabelecer parâmetros • chamar a atenção ’ legitimar a reivindicação • invocar a ação mobilizar apoio ■ defender a posse

Fórum Central Ciência Mídia I

Política Evidência predominante Científica Moral Legal Papel científico

Predominante

-direcionar tendências - análise teórica

Comunicador Analista de política aplicada Armadilhas potenciais - fatta de dareza - ambiguidade - evidência de conflito científico - baxa visibilidade - declínio da novidade - cooptação - esgotamento da questão - reivindicações contraba- lançadoras Estratégias para o sucesso - criação de um foco experimentai - simplificação do conheci­ mento da reivindicação -divisão do trabalho científico

- tranar acessível para a população as causas e q u^tões

- utflizar imagens verbais e visuais dramáticas - táticas e estratégias retóiricas - trabalho em rede - desenvolvimento de perícia técnica - abrir janelas políticas

Fonte: Hannigan (1995:42).

Hanningan (1995:54) apresenta ainda os fatores necessários para que a construção de um problema ambiental tenha sucesso. São eles: 1 ) deve haver uma autoridade científica para validar as reivindicações do problema ambiental; 2) é importante a existência de popularizadores que transformam os conhecimentos técnicos e científicos em reivindicações ambientais num sentido pró-ativo; 3) a mídia deve projetá-lo como algo novo e importante; 4) deve ser dramatizado em termos simbólicos e visuais; 5) os incentivos econômicos devem ser visíveis para se tomar

ações positivas; 6) deve haver um patrocinador institucional responsável por assegurar a sua legitimidade e continuidade.

Como se pode notar, a perspectiva construtivista na sociologia ambiental abre um leque de possibilidades para se estudar as relações sociedade/meio ambiente, principalmente no que se refere à emergência de problemas ambientais. Ao reconhecer a natureza heterogênea de que é feito um problema ambientai, evita que se caia num reducionismo, ou sociológico, ou de natureza biofísica, para explicá-los. Ao mesmo tempo que parte do pressuposto que os problemas e questões ambientais são construídos e negociados socialmente, não deixa de reconhecer a importância da sua natureza biofísica e das avaliações técnicas para as análises da sua causalidade e significância.

1.3. A abordagem construtivista e sociologia da ciência: uma referência para