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Identificar o ator-mundo da piscicultura orgânica não é apenas identificar o seu tradutor porta-voz, é também compreender como ela foi organizada como uma rede sócio-técnica: de que materiais e de que ligações ela foi feita. Vimos no capítulo 1 que o ator-mundo é quem fala pelos outros, atribui papéis e mobiliza as entidades de uma rede, define-se também ao definir os outros, e procura produzir materiais que permaneçam duráveis. A constituição de um ator-mundo é o resultado de um processo de diversas traduções e tentativas de traduções, e da configuração de um contexto sócio-técnico.

No contexto estudado, a EPAGRI aparece como o "tradutor porta-voz" da piscicultura. Constituiu-se como o ator-mundo da piscicultura orgânica porque ela conseguiu agregar, associar e definir as identidade e os papéis dos outros atores. No entanto, para falarmos da EPAGRI como o ator-mundo da piscicultura, precisamos também caracterizá-la como um ator-rede, através de uma simplificação e de uma pontualização na rede da piscicultura, por dois motivos: Primeiro porque no início do processo de formação da piscicultura a EPAGRI não existia institucionalmente tal como no período analisado. Havia um conjunto de técnicos da antiga ACARPESC, depois a eles somaram-se os técnicos da antiga ACARESC e alguns pesquisadores da antiga EMPASC, que ao final desta história foram institucionalmente agregados na atual EPAGRI. Assim quando falamos da EPAGRI em relação â piscicultura não estamos nos referimos a esse arranjo institucional, mas sim ao resultado final de um processo histónco, formado de técnicos, pesquisas, metodologias extensionistas, laboratórios e estações experimentais.

documentos, recursos, leis, convênios, prédios, centros de treinamento, e uma série de outros elementos que compõem uma agência estatal de pesquisa e extensão rural com uma história de mais de 40 anos, com escritórios locais em quase todos os municípios do Estado. Também não falamos apenas de um núcleo inicial de técnicos que foi mudando de lugar institucional ao longo do tempo, mas sim desse conjunto de elementos articulados que caracterizam a extensão de um ator-mundo. perceptível através da noção de ator-rede, que traz junto uma cascata de outras entidades, mas que possibilita a sua simplificação, e que por comodidade metodológica simplificamos pelo nome EPAGRI.

0 segundo motivo para entendé-la como um ator-rede é que falar da EPAGRI é falar de um ator heterogêneo, um ator que é uma organização e uma estrutura política, administrativa, técnica, material, ou seja, um ator que é uma rede em si mesmo. Assim a EPAGRI poderia ser descrita como uma entidade complexa e contraditória, sujeita às lutas de poder e às mudanças no poder político, já que é um órgão subordinado ao Governo do Estado e os seus dirigentes mudam a cada mudança de governador. Sociologicamente a EPAGRI poderia ser analisada como um campo de lutas (cf Bourdieu, 1989, 1996): lutas políticas, científicas, por recursos, técnicas, interesses corporativos, pessoais. No entanto, a análise destas lutas foge ao nosso objetivo e à perspectiva teórico-metodológica que adotamos. A nossa intenção não é proceder a uma arqueologta das instituições e de cada um dos atores envolvidos. Nem procurarmos determinar as intenções dos atores, as causas que os levaram a agir deste ou daquele modo. Todos eles problemas de interesse sociológico, mas que não nos ajudariam a compreender o papel da

EPAGRI como ator-mundo da piscicultura: como ela fez para agregar atores humanos, materiais e factuais.

Quando enfatizamos a EPAGRI como ator-rede estamos simplificando e pontualizando toda a rede da EPAGRI na rede da piscicultura, mas os elementos que contam nessa história, que desempenham um papel na rede da piscicultura não são todos aqueles que compõem a EPAGRI, na prática são os poucos que vão aparecendo no processo de tradução. A maior parte da estrutura da EPAGRI, por não atuar na história, permanece como uma caixa preta, para efeito de análise. Isto torna possível lidar com a EPAGRI como uma rede consolidada e alinhada, que pode ser vista "agindo como um só homem", apesar da sua heterogeneidade e complexidade.

A EPAGRI conseguiu ser o ator-mundo da piscicultura orgânica porque obteve sucesso em traduzir diversos elementos heterogêneos numa rede articulada. E ela conseguiu isto coordenando efetivamente o movimento e a localização desses elementos. Além de controlar o fluxo de informação e recursos para o transporte®^ da piscicultura para o Estado, ela dispôs da sua estrutura: reuniu as pessoas nos seus auditórios; levou centenas de agricultores para os seus centros de treinamento para ministrar-lhes cursos de piscicultura; produziu pesquisas e fez circular papers, informativos, folders] dispunha de acesso a quase todos os agricultores do Estado através de uma rede de escritórios em quase todos os municípios catarinenses;

^ Transporte aqui tem seu significado literal: A EPAGRI tinha o controle do transporte dos primeiros alevinos, equipamentos e conhecimentos necessários para desenvolver a piscicultura (deve-se considerar que conhecimento , na perspectiva da TAR sempre assume uma fomia material, como papers, documentos, perícia, técnicas, equipamentos, é uma questão tanto material como de organização deste material) (Law, 1 992a).

produzia, centralizava e disfribuía dados estatísticos, relatórios e perícia; dispunha de técnicos, carros, mapas, computadores, internet; legitimidade política, contatos e representantes em diversos círculos e poder; e muitos outros elementos que a permitiram ser o ator-rede organizador da pisciuitura orgânica, ou seja, ser o seu ator-mundo. O fato da EPAGRI ter conseguido ser o ator-mundo da piscicultura orgânica conferiu ao desenvolvimento tecnológico um papel fundamental na constituição desta como uma rede sócio-técnica, isto porque a arena do desenvolvimento tecnológico permitiu que a EPAGRI ancorasse o processo de tradução num lugar reconhecível e sob o seu controle.