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1.2. A sociologia ambiental: um ponto de partida

1.2.2. Questões teóricas

Há uma série de convergências e divergências na sociologia ambiental no que se refere às teorias sociológicas e ao meio ambiente. As convergências estão mais relacionadas às abordagens sobre o meio ambiente físico e biológico e à concordância de que há uma significativa interação deste com os sistemas sociais. As inter-relações entre sociedade e meio ambiente são vistas como recíprocas. Desta forma é reconhecido que as estruturas sociais modificam significativamente o ambiente natural e que ao mesmo tempo as condições ambientais constrangem a natureza e a forma da organização social.

Conforme analisam Buttel e Humphrey (1982: 13) muitos sociólogos ambientais concordam em diversas asserções a respeito das relações sociedade/meio ambiente. Destaca-se a concordância de que os sistemas sociais tendem a persistir na agressão ao meio ambiente apesar dos sinais contrários que este tem enviado. Os homens preferem ignorar problemas ambientais e de recursos naturais do que se readaptar a novos constrangimentos. Concordam também que os fenômenos ambientais estão provavelmente tornando-se foco de conflitos, antagonismos e lutas políticas, notadamente no que se refere à produção e consumo e como isto afeta grupos sociais e interesses de forma diferenciada. Além disto, há uma concordância geral de que o crescimento econômico não é necessariamente bom, dadas as suas conseqüências adversas em termos de qualidade ambiental.

As divergências estão relacionadas às diferentes abordagens teóricas que caracterizam a sociologia, e que são encontradas também no interior da sociologia ambiental. A noção de paradigma pode ser utilizada para visualização destas diferenças, podendo ser utilizada tanto no sentido de paradigma ser uma perspectiva sociológica, ou uma visão de mundo, como no sentido de prover um corpo de conhecimentos que permitem aos cientistas interpretar e explanar eventos.

A sociologia caracteriza-se por ter inúmeros paradigmas ao mesmo tempo. Mesmo havendo crenças comuns sobre as inter-relações entre sociedade e meio ambiente, há uma diversidade de perspectivas que tendem a se desenvolver no campo da sociologia ambiental. Por isto, as diferenças são inevitáveis quando se trata de abordar a natureza, as conseqüências da poluição, a destruição de recursos, etc. (idem:14). Entretanto, a identificação e classificação dos diferentes

paradigmas que competem no interior da sociologia também constitui algo polêmico. É também um objeto de reflexão na sociologia ambiental.

Exemplo significativo disto para a sociologia ambiental são as contribuições de Catton e Dunlap (1980) que formularam um esquema paradigmático no qual argumentam que, em última instância, há apenas dois paradigmas com importância real para a sociologia ambiental: O Paradigma da Exepcionalidade Humana (HEP -

Human Exemptionalist Paradigm) e o Novo Paradigma Ecológico (NEP - New Ecological Paradigm). A citação desta formulação tomou-se quase que obrigatória

pela sua importância ao focalizar a questão central da sociologia ambiental, qual seja, a relação sociedade/meio ambiente. Mas também por sua clara relação com os principais argumentos dos ecologistas políticos como Raquel Carson, B. Commoner, Paul Ehrlich, e outros, (Buttel, 1992:80), dada a forte influência destes no início dos movimentos ambientalistas e o que representou estes movimentos para a emergência da sociologia ambiental.

No esquema de Catton e Dunlap as diversas perspectivas teóricas clássicas na sociologia constituem um mesmo paradigma, pois suas diferenças são pequenas comparadas com o seu antropocentrismo. Assim as teorias sociais clássicas estariam enquadradas no Paradigma da Exepcionalidade Humana (HEP), que é caracterizado pelas seguintes premissas:

1. O ser humano é uma criatura singular, pois tem uma cultura;

2. A cultura pode variar quase que infinitamente e pode mudar muito mais rápido que as características biológicas;

3. Muitas das diferenças liumanas são socialmente induzidas e não inatas, podendo ser socialmente alteradas, eliminando-se, com isto, diferenças inconvenientes;

4. A acumulação cultural significa que o progresso pode continuar sem limites, possibilitando a solução de todos os problemas sociais.

Este paradigma estaria influenciado por uma determinada visão da história da expansão do desenvolvimento ocidental, cujo argumento central leva a negação da possibilidade da escassez. Enquanto o Novo Paradigma Ecológico (NEP), tem como argumento básico a dependência das sociedades humanas ao ecossistema. Suas principais premissas são:

1. Os seres humanos são apenas uma das muitas espécies que de maneira interdependente estão envolvidos nas comunidades bióticas que moldam nossa vida social;

2. As complexas ligações entre causa e efeito e o feedback na trama da natureza produzem muitas consequências não-involutárias a partir da ação social intencional;

3. O mundo é finito, existindo assim limites potenciais físicos e biológicos que reprimem o crescimento econômico, o progresso social e outros fenômenos da sociedade. (Buttel, 1992;1996; Buttel et al. 1982; 1995)

Embora Buttel e Humphrey (1982:15) aceitem o argumento de que o HEP é completamente diferente do NEP, observam que nenhuma destas duas perspectivas pode assumir o status de um verdadeiro paradigma, e nem ajuda a entender por que

os sociólogos ambientais freqüentemente têm inflamadas discordâncias sobre diversas questões no interior da sub-disciplina. A sua falha para constituirem-se num verdadeiro paradigma estaria em que suas abordagens pouco dizem a respeito das leis causais ou forças sociais que configuram como a sociedade está organizada e como ela muda com o passar do tempo. Além disto, as premissas do NEP se encontram num nível de abstração muito elevado para permitir uma pesquisa significativa, em alguns dos seus trabalhos constituem-se mais como um conjunto de crenças cognitivas expressas por ativistas ambientalistas e por segmentos do público em geral (Buttel, 1992: 81). Assim, é preferível identificar na sociologia ambiental três grandes paradigmas que correspondem às três principais teorias clássicas da sociologia e seus maiores teóricos: os paradigmas radical (Marx), liberal (Weber) e conservador (Durkheim).

Outra crítica ao modelo HEP/NEP é que a amplitude das suas premissas deixa aberto a possibilidade da inclusão das abordagens sociológicas clássicas tanto num como noutro, o que invalidaria o NEP como um paradigma para a elaboração de uma teoria socioambiental. Exemplo disto é dado por Buttel (1992, 1995, 1996) ao comentar a sociologia ambiental de Schnaiberg. Esta se baseia em diversas fontes, como a economia política marxista, a sociologia política neo-marxista e neo- weberiana. A importância dos trabalhos de Shnaiberg está em duas formulações centrais, desenvolvidas no seu livro “ The Environment (Schnaiberg, 1980), que são as idéias da “Dialética sociedade/meio ambiente” e o "TreadmiU o f production" (rotina de produção).

A formulação “Dialética sociedade/meio ambiente” fdi utilizada por Shnaiberg para explicar a dinâmica das sociedades industriais avançadas, cujas forças

seguiriam o sentido de que: 1 ) a expansão econômica da sociedade requer maior exploração ambiental; 2) maiores níveis de exploração ambiental leva a maiores problemas ecológicos; 3) esses problemas acarretam prováveis restrições á economia futura. A dialética propriamente é a seguinte: a) tese: o crescimento econômico é uma aspiração social; b)antítese: a ruptura ecológica é consequência inevitável da expansão econômica; c) síntese: haveria três sínteses encadeadas: a primeira é a síntese econômica, caracterizada pela maximização do crescimento sem sanear os problemas ecológicos, leva à ruptura ambiental (cenário de direita); esta levaria à segunda síntese, da escassez planejada, onde haveria a administração dos problemas mais graves pelas organizações estatais, econômicas, ciência e tecnologia (cenário de centro); e a terceira síntese, ecológica, seria hipotética, (pois não há exemplos) onde a produção e o consumo restrito é sustentado por recursos renováveis (cenário de esquerda).

O TreadmilI o f Production (rotina da produção) diz respeito ao papel preponderante do capital monopolista e suas relações com o Estado, e como a sua expansão de base capital-intensiva tende a exacerbar os problemas sócio- ambientais. A lógica do treadmili é a seguinte: O capital monopolista é cada vez mais capital-intensivo, o que provoca a dispensa da mão-de-obra. Esta exerce uma pressão sobre o Estado em termos de compensações e resolução dos problemas sociais gerados. Por outro lado, o crescimento do setor monopolista requer gastos significativos nas áreas de educação, infraestrutura, pesquisa, etc, que recai sobre o Estado. Além disto, esse crescimento requer mais gastos do Estado na proteção e reparação ambiental. Como resultado há uma tendência ao aumento dos gastos e do déficit público, o que gera uma “revolta dos contribuintes”. Desta forma o Estado

se vê constrangido a duas necessidades: criar condições para a acumulação rentável de capital e proporcionar a paz social, o que são contraditórias entre si. A curto prazo a solução para esta dupla pressão está na expansão da atividade econômica, levando à continuidade do treadmili, exacerbando, assim, ainda mais os impactos sócioambientais.

As formulações de Catton e Duniap e as de Shnaiberg sinalizam um avanço teórico na compreensão das relações homem/meio ambiente, se comparado com as abordagens ecológicas clássicas nas ciências sociais (teses da auto-regulação). Possibilitam a consolidação da sociologia ambientai, visto que, partindo de pressupostos distintos, terminam por convergir em alguns pontos. Ambos analisam as relações liomem/meio ambiente como tendendo ao desequilíbrio e a uma ruptura ecológica, resultante da expansão econômica. Também enfatizam o papel da mudança na percepção humana sobre o meio ambiente, notadamente sobre os dilemas ecológicos das nações industriais avançadas. Enquanto Catton e Duniap enfatizam a necessidade de mudança de paradigma geral do povo como um todo, Shnaiberg propõe que as novas formas de percepção devem partir dos interesses da mão-de-obra a ser utilizada contra principalmente os interesses do capital monopolistas. IVIas ambos chegam a conclusões semelhantes sobre a importância do papel da percepção humana na luta ambiental (Buttel, 1992:87).

0 quadro 2 permite visualizar uma tipologia de alguns esforços teóricos relacionados á problemática sociedade/meio ambiente e seu enquadramento tanto em relação às teorias sociais clássicas, como ao modelo HEP/NEP. Esse quadro procura retratar um conjunto de argumentos e teorizações que podem ser considerados dentro do debate moderno, pois analisam as forças que configuraram

a expansão das sociedades industriais e a sua dinâmica ecológica nos últimos dois séculos.

QUADRO 2. Uma Tipologia da Teoria Sociológica Ambiental*

Paradigmas Raízes Sociológicas Clássicas

Metateóricos Marx Weber Durkheim

Paradigma da Exepcio Nalidade Humana (HEP)

1. Baran e Sweezy (1966)** 1. Perrow(1984) 1. Ecologia Humana 2. Teorias da mobilização Clássica

de recursos dos movimen- 2 .Douglas e Wildavsky tos ambientalistas (1982)

1. Logan e Molotch (1987) 1. Mitcheil (1984) Novo Paradigma Eco­ 1. Anderson (1976) 1. West (1984) 1. Firey(1960) lógico (NEP) 2.Enzenberger (1979)

3. Hardesty et al. (1971) 4. Benton (1989) 5. Bunker (1984) 6. Gorz(1982) 7. O'Connor (1994) 8. Dickins (1992) 2. Morrison (1976) 2. Burch(1971) 3. Klausner (1971)

1. Schnaiberg (1980) 1. Catton e Dunlap (1978) 2. Schnaiberg-Gouid (1994) 2. Martell(1994)

3. Szasz(1994)

* Fonte: Buttel e Humphrey (1995:58)

** As datas são referências das obras dos respectivos autores, citadas pela fonte.

Nas últimas duas décadas tem havido uma mudança significativa na teoria social. Há um ceticismo a respeito das teorias sociais compreensivas de natureza estruturalista e uma maior ênfase na subjetividade e aspectos culturais. A sociologia ambiental tem sido influenciada por essas novas tendências da teoria sociológica. Desta forma a sociologia ambiental nos anos noventa apresenta uma característica dual. Por um lado ela permanece fortemente influenciada por diversos estudiosos de

linha realista-materialista (muitos dos quais têm raízes na sociologia rural), enfatizando os aspectos ecológicos-materiais da estrutura da sociedade moderna. Por outro lado, a sociologia ambiental tem se voltado principalmente para a sociologia cultural e para construtivismo social.

Neste sentido a sociologia ambiental tem como seu principal objeto de estudo o aspecto social dos problemas e questões ambientais. O que envolve tanto o estudo de práticas sociais ordinárias e fenômenos com implicações ou dimensões ambientais, tais como a produção e o consumo, e suas consequências sobre os recursos naturais, caracterizadas como “práticas ambientais estruturais” ( Buttel, 1996:66). Como também o estudo de fenômenos de comportamento ambiental ou modelos institucionais que sejam conscientemente ambientais, ou ambientalmente relevantes, tais como estudos sobre os movimentos ambientalistas, regulação ambiental, participação em programas de reciclagem, etc. Estas seriam “práticas ambientais intencionais”.

Dois fatores têm contribuído para as tendências teóricas da sociologia ambiental contemporânea. O primeiro está relacionado â expansão do campo empírico da sub-disciplina em direção a três áreas: a sociologia da ciência, a sociologia do risco e a teoria dos novos movimentos sociais. 0 segundo fator é que diversos estudiosos dessas três áreas têm se interessado cada vez mais pelos fenômenos ambientais e “invadido” a sociologia ambiental. Além disto alguns teóricos “gerais” como Giddens e Luhhmann passaram a dar importância a crenças ecológicas e relações socioambientais. (Buttel et al., 1995:34). Seguindo essas tendências, é interessante destacar as linhas de estudos que procuram articular a sociologia da ciência com a sociologia ambiental, principalmente as interpretações

social construtivistas. A relevância desta última perspectiva, na qual situamos este trabalho, está na importância que confere ao papel fundamental que a ciência e a mudança tecnológica desempenham nas relações sociedade/meio ambiente e, por isto, nos permitir colher um instrumental analítico sobre as relações entre a emergência de problemas ambientais rurais e as mudanças sócio-técnicas na agricultura.