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1.2. A sociologia ambiental: um ponto de partida

1.2.1. Uma caracterização preliminar

Buttel (1996:57) caracteriza a sociologia ambiental como constituindo-se num esforço para descobrir e resgatar a materialidade da estrutura e da vida social, e desta forma produzir reflexões relevantes para resolver problemas ambientais. Em termos gerais a sociologia ambiental é definida como o estudo das inter-relações entre sociedade e meio ambiente. Mais precisamente, os sociólogos ambientais estariam interessados nos mecanismos específicos pelos quais a sociedade e o meio ambiente se relacionam, os valores culturais e crenças que motivam as pessoas para usar o meio ambiente num sentido particular, e suas eventuais implicações para o consenso e o conflito social (Buttel e Humphrey, 1982: 4).

0 estudo das inter-relações entre sociedade e meio ambiente, implica em equacionar uma relação que historicamente se estabeleceu entre as ciências sociais

e o ambiente natural. A relação entre a sociologia e o ambiente natural possui dois componentes fundamentais que a tornam problemática. Um deles refere-se a um fato que é inerente à condição humana, qual seja a sua duplicidade enquanto ser biológico e ser social. O ser humano ao mesmo tempo que é uma dentre as espécies que compõem a grande biosfera e as suas redes de vida, é também um criador de ambientes singulares e socialmente distintos. 0 que conduz, sob o ponto de vista das ciências, a uma relação ambivalente entre a sociologia e a biologia (Buttel, 1992; 70). Mas também remete para a necessidade da consideração do substrato ecológico material da existência humana, por parte da sociologia, para uma compreensão adequada do desenvolvimento histórico e futuro da sociedade humana.

Um outro componente é que a sociologia ocidental moderna herdou um duplo legado em relação à biologia. De um lado, o pensamento sociológico é fortemente influenciado pelas imagens de desenvolvimento, evolução e adaptação de organismos, pela utilização de conceitos trazidos da ecologia biológica, e pela adoção de posturas metodológicas das ciências biológicas e naturais. Por outro lado, o desenvolvimento da teoria sociológica segue um modelo principalmente moldado pelas reações contra o simplisme biológico de vários tipos (especialmente o darwinisme social e o determinismo ambiental) (idem;69).

As origens disto estaria em que os principais teóricos clássicos da sociologia (Marx, Durkheim e Weber) teriam deixado um legado fortemente antropocêntrico, incorporado constitutivamente á sociologia ocidental moderna. Suas teorias caracterizaram-se pela primazia sociológica na explicação dos fenômenos sociais, resultando, com isto, um tabu implícito contra as variáveis ecológicas e biológicas

em suas análises. Este antropocentrismo é visto como um fator limitante na expansão dos horizontes da sociologia para a compreensão das relações entre sociedade e meio ambiente. Contudo, isto não quer dizer que os clássicos não tenham dedicado atenção a muitos aspectos do meio ambiente natural, tanto é assim que é possível encontrar nas obras clássicas elementos de uma sociologia ambiental, não somente em termos teóricos abstratos, mas também em estudos concretos. Na verdade, o meio ambiente não foi algo desconhecido para os principais formuladores do conhecimento sociológico, o que ocorreu é que o meio ambiente não foi aceito como um conceito central no desenvolvimento das suas formulações. Nesse sentido, a sociologia ambiental pode ser considerada uma crítica aos mestres da sociologia pela falta de atenção às bases materiais bio-físicas da existência humana (Buttel e Humphrey, 1982:1).

Em termos teóricos as raízes da sociologia ambiental podem ser relacionadas às obras de Émile Durkheim e Robert Park (idem: 6), que foram os que de início mais diretamente contribuíram para uma perspectiva em sociologia ambiental. Em “A

Divisão do Trabalho Social’’, Durkheim analisa como o desenvolvimento da complexidade social advém do crescimento da população humana e do aumento da sua densidade, as pessoas passam a competir crescentemente por recursos escassos. A passagem da "solidariedade mecânica” para a "solidariedade orgânica” seria o modo como os homens administram a escassez de recursos. Todavia, nas formulações de Durkheim as relações sociedade/meio ambiente são unidimensionais, pois nelas o meio ambiente afeta a sociedade, mas, as suas análises, não compreendem as relações inversas: a sociedade afetando o meio

ambiente. Mesmo assim “A Divisão do Trabalho Social” representa um esforço inicial para considerar o papel do meio ambiente na análise social.

A sociologia de Durkheim exerceu influência sobre a Ecologia Humana, desenvolvida por Robert Park e Ernest Burgess, na universidade de Chicago, na década de vinte. Esses autores, e outros, interessaram-se inicialmente pelo estudo das similaridades entre a organização da vida humana e não humana, através de estudos da organização espacial da população humana, sua localização física seu movimento diário, bem como as mudanças na organização espacial das comunidades humanas, e as bases econômicas e tecnológicas da sociedade envolvida. Entretanto, ao negligenciarem a cultura e os valores, limitaram a utilização da ecologia humana para a sociologia ambiental.

Por outro lado, a emergência da sociologia ambiental está estreitamente relacionada com o surgimento do movimento ambientalista da década de sessenta em diante, principalmente porque muitos dos estudos que vieram a constituir a sociologia ambiental desenvolveram-se a partir do interesse pelo movimento ambientalista, quando não pelo próprio ativismo de muitos sociólogos. O fato é que a sociologia ambiental deve muito das suas características e a sua própria emergência ao clima sócio-intelectual no qual se desenvolveu, por volta dos anos 60 e 70, com o movimento ambientalista (idem:2).

Outra contribuição importante para a configuração do novo campo foram os estudos sobre recursos naturais por parte da sociologia rural, que vinha trabalhando há décadas em pesquisas na agricultura, florestas, recreação, usos de parques, dentre muitos outros temas relacionados ao meio ambiente natural. Assim, os sociólogos rurais estiveram mais preparados para proceder estudos que partissem

do reconhecimento da importância da base material e bio-física na estruturação da sociedade. Desta forma a sociologia rural tem sido responsáver por estudar uma série de questões de interesse da sociologia ambiental, tais como as mudanças nas ciências naturais, políticas públicas, e as bases sociais das questões ambientais. Além disto, a sociologia rural tem contribuído com estudos importantes sobre diversos povos e habitantes rurais, abordando as questões ambientais que os afetam, tais como a disponibilidade e acesso a alimentos, o acesso, uso, qualidade e degradação da terra e da água, etc. (Buttel, 1996:74). Além destas fontes, a sociologia ambiental nos anos 70 também recebeu importantes contribuições dos antropólogos culturais e ecológicos, bem como de muitos outros estudiosos que passaram a se interessar por temas biológicos, ecológicos e ambientais (Buttel e Humphrey, 1995:18).

QUADRO 1. Uma Tipologia dos Enfoques na Sociologia Ambiental.

Tipos de meio ambiente

Nível de interação Natural Modificado Construído Social

Exemplos Selva, oceanos, depósitos mine­ rais, produtividade dos solos Poluição, Paisagem alterada, extração de energia Moradia, rodovias, aeroportos Políticas de plane­ jamento familiar, redistribuição da população, debate pró-crescimento versus não cresci­ mento, debate nu­ clear, atitudes ambientais Simbólico Interação humana em parques, áreas de acampamento, áreas selvagens Efeito de desapa­ recimento pelo desenvolvimento de reservatórios, impactos sociais no crescimento das cidades Seleção de mora­ dias entre migran­ tes

Preferências resi­ denciais e redistri­ buição da popula­ ção, atitudes am­ bientais, 0 movi­ mento ambiental Não-simbólico Desenvolvimento tecnológico, dependência energética, mudança social Efeitos do ruído das rodovias sobre as comunidades, efeitos da poluição do ar nas vizinhanças urtjanas Consequências comportamentais da densidade Populacional

Os enfoques da sociologia ambiental são diversos, em função da complexidade que implica o conceito de meio ambiente e de como as pessoas o abordam. Buttel e Humphrey (1982: 3) conceituam meio ambiente como sendo as bases físicas e materiais de toda a vida, incluindo terra, ar e água, bem como os recursos materiais vitais e energéticos nos arredores de uma sociedade. Mas a sociologia ambiental pode abordar as questões relativas ao meio ambiente tanto no sentido simbólico, como não-simbólico. Pode focalizar não somente as condições ambientais, mas também como as pessoas interpretam e reagem a essas condições, mesmo quando elas não as afetam diretamente. No quadro acima (quadro 1), elaborado originalmente por Dunlap e Catton (1979). são apresentados alguns exemplos dos principais tópicos de interesse da sociologia ambiental e seus enfoques.