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Quadro 1 – Principais pontos positivos e negativos das modalidades de remuneração médica.

3. Perspectivas para o futuro

Voltando ao início, as necessidades assistenciais de saúde devem ser respondidas por servi- ços planejados e de distribuição equitativa, sendo esse um dos fatores que podem contribuir para redução das iniquidades sociais. Portanto, o eixo principal do planejamento do futuro deverá centrar- -se na demanda a partir de necessidades, e não exclusivamente da oferta. Essa mudança permitirá aproveitar melhor os recursos disponíveis para as reais necessidades do objeto fim de um sistema de serviços de saúde que é prestar assistência à saúde da população. A otimização da capacidade instalada dos setores público e privado pode contribuir para evitar novas duplicações entre os dois subsistemas de atenção à saúde instalados no país.

As mudanças no quadro epidemiológico, por sua vez, conjugado à intensificação do uso de tec- nologias médico-hospitalares, em ambiente de recursos finitos, trazem a exigência de novo modelo de atenção à saúde. Na saúde suplementar, existem movimentos, apesar de tímidos, de estímulo da ANS para que as operadoras de planos implementem novas formas de atenção à saúde, visando garantir a sustentabilidade a longo prazo do setor. Olhando para a reforma do sistema americano, e suas semelhanças com a saúde suplementar brasileira, podemos ver claramente que o modelo atual caminha para a insustentabilidade.

O crescimento da cobertura de planos de saúde tem gerado a necessidade de investimento em instalação de infraestrutura para fazer face ao aumento de demanda. O problema novamente recai sobre o modelo de atenção. Infelizmente, repetimos muitas vezes o modelo de consumo fácil para casos agudos, ou seja, o modelo voltado ao hospital e ao pronto atendimento, muito bem aceito pela clientela. Algumas operadoras têm realizados esforços para avançar em novos modelos de gestão do percurso assistencial para seus clientes. Destaco aqui o sistema Unimed que tem hoje mais de

19 milhões de assegurados e que vem discutindo e implantando propostas de percurso com base nos princípios internacionais da atenção primária. Vários pilotos estão em curso no país e em breve espera-se ter resultados efetivos dessas iniciativas.

Em contrapartida, ainda existe um déficit efetivo de serviços hospitalares, que vem sendo res- pondido com investimentos do setor privado. Apenas o sistema Unimed conta hoje com mais de 100 unidades hospitalares, sendo o segundo maior grupo de hospitais do Brasil sob a mesma marca, atrás apenas das Santas Casas. Como se trata de sistema capilarizado em todo o território nacional, um passo importante será a aproximação dos gestores públicos para avaliação de sinergias dessas redes de serviços. A ampliação do diálogo entre os setores público e privado, otimizando a capacida- de instalada e gerando escala para sustentabilidade de serviços, em especial de alto adensamento tecnológico, surge como um caminho.

Nesse mesmo sentido, a harmonização das regras que direcionam o modelo de atenção nos subsistemas público e privado, orientando investimentos futuros, poderá gerar bons resultados. Para mensuração dessas iniciativas, bem como para uma correta análise da situação já existente, o traba- lho conjunto com indicadores dos dois subsistemas nos possibilitaria uma avaliação mais fidedigna da realidade.

Em outra vertente, as mudanças na formação dos profissionais de saúde, a fim valorizar a APS precisam ser feitas alinhadas às expectativas desses novos profissionais no mercado de trabalho. Nesse quesito e pensando um sistema de saúde para as próximas décadas, tornam-se imperativas mudanças mais consistentes na formação dos profissionais de saúde. Mirando exemplos internacio- nais, parece-nos importante valorizar a medicina de família como uma área de conhecimento espe- cífica e complexa32, que é mais que um mosaico de pedaços de pediatria, clínica médica, cirurgia,

saúde coletiva. Voltando ao clássico quadrado do estudo de White, não podemos continuar formando nossos profissionais preferencialmente no vértice desse quadrado em que somente um de cada mil pessoas vai acessar e utilizar serviços. Temos de olhar os outros 999 que não vão ter sintomas, ou vão ter sintomas na maioria inespecíficos, ou ainda vão precisar utilizar serviços de baixo adensamento tecnológico, mas que preferencialmente não deveriam chegar, por exemplo, aos hospitais universitá- rios. Não porque não devam ter acesso a esses hospitais, mas porque esse não é o lugar adequado para oferecer o melhor cuidado a eles. Para isso, a institucionalização da medicina de família como disciplina acadêmica voltada ao cuidado ambulatorial e comunitário, clinicamente competente e reso- lutiva, como acontece em outros países, apresenta-se como passo necessário e urgente. Os avanços setoriais alavancados pelo movimento sanitário brasileiro têm muitas fortalezas, em especial no que tange à universalização do acesso aos serviços de saúde no Brasil. Por outro lado, a radicalidade da negação da clínica e da hegemonia médica no sistema de saúde pode ter contribuído para reduzir a percepção de legitimidade social do SUS.

1000 pessoas em um mês

800 têm sintomas

217 procuram um médico

8 são internadas em um hospital local < 1 é internada em um hospital terciário

ADAPTADO DE: THE ECOLOGY OF MEDICAL CARE. N ENGL J MED 1961;265:885-892.

Concluindo, o futuro passa por um terreno complexo, em que diferentes graus de consenso e de acerto podem ser alcançados. Vários são os desafios para uma mudança consistente em busca de um horizonte de longo prazo para a crise do sistema de saúde brasileiro. A manutenção de alto grau de tensão entre os atores políticos dos diversos grupos e matizes de interesse, sem análises realistas do contexto atual do SUS e da Saúde Suplementar, associada à ausência de respostas e à construção de consensos nesse cenário abrem espaço para decisões autocráticas, que podem gerar consequências de difícil previsibilidade futura. Reforço que os ciclos de debate do CONASS tornam-se espaços-chave para abertura de pontos de contato e interlocução qualificada no tema.

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FREDERICO GUANAISa