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CAPÍTULO II: DIVERSIDADE CULTURAL LINGUÍSTICA E POLÍTICA

2. A escola em contexto multicultural e multilinguístico

2.2 Perspetivas em contextos multilinguísticos

No quotidiano humano observa-se que a língua e a literatura são elementos fundamentais e apropriados que ajudam a conhecer e a compreender o “outro”. A língua e a literatura são construtoras ou fazedoras das identidades e podem servir de mecanismo de autodefesa contra os “estereótipos e preconceitos desvalorizadores, ultrapassando todo o tipo de barreiras nas aprendizagens” (KHÔI, 2001: 120). Portanto, a língua não deve ser só entendida como mero meio de comunicação entre os indivíduos falantes, mas simbolicamente, como algo que liga o individuo à comunidade humana de pertença ou de origem. A escola juntamente com as comunidades são lugares/espaços imprescindíveis para a implementação das línguas nativas. Em Angola a introdução das línguas nativas no ensino longe de constituírem barreiras, devem ser encaradas como veículos conducentes à prática das aprendizagens e construção das identidades ofuscadas pelo processo dizimador colonial. Os missionários na “era da evangelização” a partir do século XV até meados do século XX procuraram estudar as civilizações indígenas através das línguas dos nativos (KHÔI, 2001: 362-363).

O contato com os povos europeus (no caso portugueses) tornou os angolanos aptos para a complexidade linguística bilingue ou, ainda, políngue. Os estudos feitos por Dulce Pereira demonstram que: «Os falantes bilingues têm o direito à sua identidade linguística e cultural ao desenvolvimento e uso das suas línguas e à construção e afirmação da sua identidade social, através delas» (PEREIRA, Cit. in FLORES, 2011:15).

Em Angola existe uma diversidade cultural étnico linguística e o ensino é realizado na forma monolinguista48. Neste sentido emerge um problema: os alunos aprendendo só numa língua, no caso a oficial do Estado, podem perder sua identidade cultural e neste particular produz-se a descaraterização sociocultural. Num contexto multicultural, o ensino deveria ser veículo de socialização cultural no sentido de preservação identitária, mas é a partir daí que se devia construir a homogeneização cultural. Ao abordamos a escola angolana no contexto rural, estaremos perante o

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choque cultural e a realidade pedagógica. No entanto, a questão impositora do ensino da língua portuguesa em detrimento das línguas nacionais poderá estar na base do absentismo e resistência escolares.

A escola ocupa um lugar inalienável na promoção identitária e cultural por meio das línguas. Nas sociedades modernas a escola é considerada como “espaço de educação” e “espaço de aprendizagens”. O seu papel na sociedade é crucial na medida em que consolida e amplia ou alarga os efeitos do bilinguismo. Aponta aos alunos a educação para a biliteracia, facultando um leque de conhecimentos teóricos e práticos presentes em qualquer âmbito do saber em que a comunicação tanto verbal ou escrita ocorre entre duas ou várias línguas (PEREIRA, Cit. in FLORES, 2011: 18-19). Tendo em conta as constantes mudanças que se operam nas sociedades, caberá à escola promover ações educativas correspondentes as aspirações do tempo.

A implementação das línguas nativas no sistema de ensino angolano teve como objetivo atingir as seguintes metas:

 «Ter uma incidência positiva sobre a assiduidade e o desempenho escolar das crianças»;

 «Contribuir para o seu desenvolvimento cognitivo e para o reforço da sua identidade -cultural»;

 «Melhorar a qualidade da educação a partir do conhecimento e da experiência dos alunos e professores»;

 «E pôr em prática o exercício da cidadania e de aceitação e apropriação construtiva da diversidade» (MATEUS, 2011:19).

Em 2001 Stoer afirmava que o tema da Educação inter /multicultural já vinha a ser debatido há trinta anos. De lá para cá, a escola pouco ou nada tem feito para romper com a “cortina de ferro” que inviabiliza o diálogo entre pluralidades culturais e linguísticas. Adicionando os Catorze anos (14) à data fixada por Stoer, vê-se que já passam 44 anos. É oportuno para a escola hoje “abrir” as suas portas para a diversidade linguística. É uma forma de se opor às ideias americanas de “melting- pot”49. Tendo como proposta o complexo tema da “Unidade na Diversidade”

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Melting-pot - teoria de origem norte-americana, segundo a qual, as diferenças étnicas existentes num território, e que resultam da diversidade de indivíduos - em termos biológicos e étnicos -, tendem a esbater-se com o tempo, dando origem, por fusão entre os membros que compõem a população, a uma nova sociedade. A diversidade existente é fator de criação de

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(STOER, 2001:186-187). Como não podia deixar de ser, Stoer fala da relação entre o Estado e a educação escolar – lugar privilegiado para desenvolvimento da educação inter/multicultural. Nesta relação, Stoer sublinha alguns aspetos fundamentais que não devem ser descurados:

“Tudo inicia com a relação entre o Estado e a educação escolar sobretudo, no século XX fase marcante na evolução da educação – aparecem algumas palavras-chaves apresentadas por Stoer: “estrutura ocupacional e democratização social”. No século XX pretendeu-se estender a ideia estandardizada da escola para todos - que, os ingleses vão chamar como “escola de massas”, escola oficial, obrigatória, gratuita, laica. Esta escola está nos horizontes do Estado-nação que tem por missão a promoção de uma identidade nacional assente na identidade da etnia dominante. Roger Dale, afirmou ser uma escola que se fundamenta numa «cultura educacional mundial comum” (DALE, Cit. in STOER, 2001:187).

Mas esta relação às vezes acontece num clima de tensão por constituir-se à volta do Estado que ao tentar “apaziguar” as partes, segundo Stoer, desenvolve “políticas de gestão controlada de desigualdades”. Nisto vemos uma escola presa às políticas “globais” ou transnacionais adotadas pelo Estado. A seguir, temos a relação entre o estado e a Economia e a Escola com o mundo de trabalho: há, verifica-se uma resistência e a relação processa-se a partir da denominada “escola da sociedade”. Esta relação está estruturada a partir das relações sociais de produção fruto das desigualdades sociais e culturais presentes na sociedade (DALE, Cit. in STOER, 2001:188-190). François Dubet ao falar da produção transporta-a para o âmbito educacional:

«Entre as mudanças ocorridas, é preciso ressaltar o papel da confiança nas teorias do capital humano, quer dizer, na mobilização da escola o serviço do desenvolvimento económico. O investimento escolar é considerado um investimento produtivo, a prazo a formação é uma força produtiva. O malthusianismo escolar é abalado pela longa massificação, no interior da qual a oferta antecipa uma demanda que repousa na velha confiança na educação (Cherkaoui:1982). Essa massificação baseia-se também na convicção de que o desenvolvimento da oferta escolar é um fator de igualdade de oportunidade e de justiça, já que se descortina um sistema que abole as discriminações sociais no ingresso» (DUBET, 2003:4).

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A escola angolana precisa de melhorar a sua oferta educativa que passa pela inovação dos programas e projetos educativos, planos curriculares e flexibilidade do próprio curriculum. Isto possibilitará à comunidade educativa um ensino inclusivo e com qualidade. Para evitar o insucesso escola. Maria José Casa-Nova fala da

“implementação de Currículos alternativos” (CASA-NOVA, 2004:6); é

fundamental alargar a rede escolar, sensibilizar e conscientizar os pais para apostarem com o “pouco” que têm na formação de seus filhos e filhas.

É urgente, Angola começar a promover políticas e projetos que salvaguardem os direitos das minorias que em pequeno número habitam o sul do país. A começar pela integração social através das escolas, saúde e outros espaços culturais e de lazer. Por conseguinte, é fundamental ter presente no ensino formal as línguas nativas que favorecerão não só uma integração cultural como também, facilitarão a compreensão das aprendizagens.