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4.2 ANÁLISE

4.2.1 Petição Inicial 01 (PI – 01)

Estando a primeira e segunda requerente na administração dos bens deixados pelo autor da herança, tem legitimidade a requerer a abertura do inventário e posterior partilha, na forma preceituada no Art. 987, caput, combinado com o Art. 988, inciso I do CPC.

O exemplo 12 aponta para a dificuldade do produtor do texto ao proceder à construção da narração dos fatos, pois não está claro a quem ele se reporta como “a primeira e segunda requerente”. Para tanto, recuperamos essa informação na seção pré-textual, especificamente no que concerne à qualificação da parte autora da ação.

Nesse excerto, é possível visualizarmos o que Rabatel (2005, 2006) denomina de “hierarquização dos enunciadores” e “postura enunciativa”. A primeira evidencia as relações assimétricas postas quando da construção dos PDV e a segunda manifesta as possíveis desigualdades entre um PDV e outro pela sobrenunciação, isto é, PDV sobreposto ou pela subenunciação, ou seja, PDV subordinado.

Nesse sentido, dizemos que o excerto em tela tipifica o caso de PDV subordinado, haja vista que L1/E1 representa um PDV originado a partir da lei “na forma preceituada no Art. 987, caput, combinado com o Art. 988, inciso I do CPC”, objetivando validar ou credibilizar o conteúdo da asserção. Dessa forma, o PDV subordinado consiste no juízo de valor e na apreensão da informação baseada no PDV da legislação, que, por sua vez, revela a voz do legislador, sendo este locutor/enunciador anterior.

Assim, a asserção realizada por L1/E1 assume uma postura subordinada decorrente e expressamente originada a partir de e2. Isso implica não ser L1/E1 enunciador do PDV, uma vez que apenas representa a perspectiva de e2 e, ao fazê-lo, assume uma postura enunciativa de subenunciação.

Além disso, o locutor – enunciador primeiro (L1/E1), primeira instância responsável pela materialidade dos enunciados –, ou seja, o advogado – pela asserção tem legitimidade a

requerer a abertura do inventário e posterior partilha – assume o PDV enunciado, pelo uso

da forma verbal do presente do indicativo tem, indicando como validador da asserção os arts. 987 e 988 do documento jurídico citado a partir das expressões nominalizadas na forma

preceituada e combinado com.

Dessa maneira, postulamos pela atribuição direta do discurso a outra fonte enunciativa, uma vez que os fatos relatados por L1/E1 apontam que o conhecimento do Direito atribuído às requerentes pelo advogado provém de uma fonte que lhe é exterior – o texto legal –, melhor dizendo, L1/E1 faz referência clara da fonte enunciativa ao usar na

forma preceituada e combinado com, que implica diretamente conhecimento mediato.

Exemplo 13

Residente no município de Currais Novos/RN o arrolado (de cujus), residia na Fazenda Namorados (Baixa Grande) município de Currais Novos/RN, conforme comprovante de residência anexo aos autos (certidão de cartório eleitoral e comprovante de residência), estando evidente que a abertura do seu arrolamento deve ser em Currais Novos/RN, ou seja, no seu último domicílio, conforme estabelece o artigo 1.785 do Código Civil que diz: “A sucessão abre-se no lugar do último domicilio do falecido”. Faleceu o inventariado na cidade de Natal/RN, onde foi com urgência ser cirurgiado e não resistiu, apesar de ser residente e domiciliado no município de Currais Novos/RN onde ocorreu seu sepultamento, no dia 27 de fevereiro de 2006, o senhor xxxxx, conforme cópia do óbito em anexo, faleceu o autor da herança no estado de casado, conforme pode-se comprovar pelo registro de casamento e óbito em anexo, deixando bens imóveis a inventariar e herdeiros com direito à partilha, conforme certidões de casamento e nascimento que se junta, os quais renunciaram seus direitos hereditários para a segunda requerente ora viúva.

Nesse excerto, assinalamos que L1/E1, pela modalização epistêmica asseverativa

estando evidente, correspondente a “evidentemente” está em harmonia com o PDV do

legislador. Desse modo, dizemos que o produtor do texto ao expressar sua avaliação sobre o valor e as condições de verdade da proposição assume a Responsabilidade Enunciativa e comunga do PDV representado, manifestando a influência decorrente pelo saber originado do discurso legal.

Percebemos ainda que estando evidente pré-anuncia o discurso legal, assim, a apreciação de L1/E1 com respeito à natureza epistêmica da proposição expõe a significação de enfatização do conteúdo proposicional, revelando um elevado grau de assunção da Responsabilidade Enunciativa de L1/E1 em relação às informações veiculadas.

Dessa forma, o uso da modalização epistêmica nesse contexto marca o posicionamento de L1/E1 e concorre para a orientação argumentativa do texto, conduzindo à interpretação a partir da tese defendida por L1/E1, exercendo a influência do PDV sobre a interpretação nos termos de Rabatel (2008a).

Observamos, na sequência, que L1/E1 promove a imputação de um PDV aos

herdeiros com direito à partilha sem nenhuma evidência de asserção ao reportar os quais renunciaram seus direitos hereditários para a segunda requerente ora viúva. Nesse caso, a

opção pela estratégia linguística de imputação de PDV segue uma linha de apresentação do texto que, dentre outras estratégias, oferta ao produtor do texto distanciamento do que está sendo afirmado. Visualizamos nesse trecho um caso que explicita o PDV narrado nos termos de Rabatel (2008a).

Ainda, em relação à análise do texto peticional, no que concerne à circulação de discursos, é válido afirmar que o comentário feito por Moirand (2007, p. 66), ao estudar os textos escritos de divulgação científica, de que as instâncias enunciativas tornam-se visíveis menos pelo que enunciam e mais pela forma como seus dizeres e modos de fazer são

representados, adéqua-se com perfeição ao caso em estudo.

Apesar de não ser objeto de nossa pesquisa, é pertinente comentar, pela evidência, que o texto em análise apresenta dificuldades de natureza composicional, de coesão referencial, de inadequação do uso de operadores argumentativos, concordância, etc. como também as dificuldades encontradas no que concerne à escritura dos textos interferirem na construção dos PDV e, por consequência, na orientação argumentativa do texto, pois a Orarg se estabelece na medida em que L1/E1 opera o gerenciamento das vozes atribuindo ao outro um

espaço enunciativo, que, por sua vez, firma determinado PDV ao mesmo tempo que determina a postura enunciativa de L1/E1.

Em relação ao MED, entendemos que esse excerto põe em evidência o uso da expressão conforme figurando como a forma mediatizada mais usada no texto. O uso dessa forma serve para marcar o distanciamento de L1/E1 dos conteúdos proposicionais por ele reportados, pela atribuição direta do discurso a outra fonte enunciativa, como o texto legal e documentos portadores de fé pública.

Seguimos Guentchéva (1994, p. 8-9), ao explicitar que o mediativo pode ser caracterizado por: fatos relatados, fatos inferidos ou fatos de surpresa. Nesse fragmento textual, apontamos como inferência a construção linguística estando evidente que, seguida dos verbos deônticos “dever” e “poder”, já que, segundo a autora, a inferência incorre em fatos enunciados que são reconstruídos, a partir de indícios observáveis.

Também outro indicador de distanciamento enunciativo pode ser evidenciado pelo uso de aspas na sequência A sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido, aplicando-se os fenômenos de modalização autonímica, outra categoria linguística que indica o grau de Responsabilidade Enunciativa listado por Adam (2011, p. 120). Essa categoria, no exemplo em análise, processualmente leva à heterogeneidade enunciativa manifesta, a partir de uma disjunção enunciativa entre locutor e enunciador (S1 e S0) e o SM54 a construir e atribuir, dessa forma, o valor de mediativo no enunciado.

Exemplo 14

Eram casados sob regime de comunhão universal de bens, não deixou o falecido testamento e deixou bens a inventariar.

No exemplo 14, a assunção da RE se dá pela própria asserção. L1/ E1 não recorre a documento legal algum, apenas afirma o conteúdo proposicional, implicando PEC integral por L1/E1.

O que promove estranhamento ao texto é o uso do “e” em vez de um operador argumentativo marcador de oposição como o “mas”, por exemplo, que serviria como indicador do PDV de L1/E1, além de atuar na orientação argumentativa da proposição,

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evidenciando que o falecido não deixou testamento, mas deixou bens a inventariar e, portanto, essa situação, de fato, merece ser tutelada pela justiça.

As seções “DOS BENS A INVENTARIAR” e “DAS EMPRESAS A

ADMINISTRAR PERTECENTE AO ESPÓLIO” não são objetos de análise, haja vista que se

tratam apenas de uma exposição das listagens de bens e empresas que compõem o espólio do falecido.

Da mesma forma, as seções “DA MEEIRA E DOS HERDEIROS” e “DA CESSÃO

DOS DIREITOS HEREDITÁRIOS DOS FILHOS” não constituem objeto de análise, pois a

primeira restringe-se apenas a expor a qualificação da parte autora da ação de arrolamento sumário que coincide com os herdeiros do falecido. A segunda, apesar de não se apresentar intitulada por “do pedido”, manifesta, na verdade, os requerimentos finais da ação proposta. Assim, essa seção não é contemplada por nossa análise.

Dessa maneira, como exposto acima, a PI 1 diverge da estrutura proposta pelo art. 282 do CPC no que se refere à estrutura composicional fixada para o gênero textual, pois é composta de quatro seções:

1 dos fatos de forma sucinta 2 dos bens a inventariar

3 das empresas a administrar pertencente (sic) ao espólio 4 da cessão dos direitos hereditários dos filhos

A seção da narração dos fatos inclui os tópicos destinados à seção do direito, as seções 2 e 3 apenas listam os bens que compõem o patrimônio do falecido e a seção 4, na verdade, apresenta os requerimentos finais.

Nesse sentido, podemos afirmar que a PI analisada expõe a não fixidez do gênero em estudo, assim como manifesta na materialidade linguística o estilo do produtor do texto.

QUADRO 05 – PI 01 (arrolamento sumário)

USO DE QUADROS MEDIADORES AS CONSTRUÇÕES

MEDIATIZADAS PARA CITAR OCORRÊNCIAS NAS SEÇÕES ESTUDADAS TOTAL

LOCUÇÕES CONJUNTIVAS

CONFORMATIVAS, VERBOS

DE DIZER OU AÇÃO

METALINGUÍSTICA

DOUTRINA JURISPRUDÊNCIA LEGISLAÇÃO SEÇÃO “DOS

FATOS” SEÇÃO “DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS”

Conforme + + 13

Na forma preceituada + + 1

Combinado com + + 1

diz... + + 1

O Quadro 05 apresenta a segunda, a terceira e a sexta coluna vazia, tendo em vista que não se registra qualquer expressão de introdução de outras vozes para citar a doutrina e a jurisprudência na seção dos fundamentos jurídicos, fato observado que foge da determinação legal e doutrinária, pois se espera que as fontes do Direito sejam introduzidas na seção dos fundamentos jurídicos e não na seção “Dos fatos”.

Destacamos que o símbolo (–) expressa ausência e o simobolo (+) expressa presença.

Desse modo, configurada está a não fixidez do gênero jurídico Petição Inicial, pois o exemplo estudado mostra que não segue o texto legal (art. 282, do CPC) no que concerne à estruta do citado gênero.

Ainda, observamos a apresentação de uma argumentação única e exclusivamente pautada na norma, sem aprofundamento de discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

Todavia, na quarta coluna, correspondente à introdução de texto normativo, e na quinta coluna, referente à exposição narrativa dos fatos que originaram a ação judicial, verificamos o uso da locução conjuntiva conformativa “conforme”, “na forma preceituada” e “combinado com” e do verbo de dizer “diz” para introduzir a voz da norma.

Apontamos também a recorrência nos textos estudados da locução conjuntiva conformativa “conforme”, que registra uma ocorrência na PI 01 de 13 (treze) vezes e, na PI 02, 7 (sete) vezes. O uso dessa locução é recorrente em outros textos que compõem o corpus, indicando ser a expressão marcadora do MED mais usada para inserir no texto jurídico enunciações anteriores.

4.2.2 Petição Inicial 02 (PI – 02)