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Antes da Constituição Federal de 1988, o planejamento no Brasil não tinha caráter jurídico. Era exigência que se colocava no âmbito da Ciência da Administração. Os contornos jurídicos do planejamento somente eram adquiridos quando o administrator resolvesse tomar posse, colocando-o na regulamentação de um dado ente, porque deveria fazê-lo mediante atos jurídicos.

José Afonso da Silva, assim descreve o processo do planejamento antes da Constituição Federal de 1988:

De inicio, tal processo dependia simplesmente da vontade do administrador, que poderia utilizá-lo ou não. Não era então, um processo juridicamente imposto, mas simples técnica, de que o administrador se serviria ou não. Se o usasse, deveria fazê-lo mediante atos jurídicos, que se traduziriam num plano, que é o meio pelo qual instrumentaliza o processo de planejamento.88 Com o Texto Magno de 1988, a atividade de planejar tornou-se um dever-poder do Estado. A Lei Maior condicionou a atividade governamental ao planejamento. Vejam os ensinamentos de José Afonso da Silva, para quem:

O processo do planejamento passou a ser mecanismo jurídico por meio do qual o administrador deverá executar sua atividade governamental na busca da realização das mudanças necessárias à consecução do desenvolvimento econômico e social.89

O fundamento constitucional do processo de planejamento como dever jurídico do Estado, portanto como função pública, especificamente do planejamento urbanístico, se encontra no artigo 21, IX, quando reconhece a competência da União para “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”; no artigo 174, § 1º, quando inclui o planejamento entre os instrumentos de atuação do Estado no domínio econômico, ao dispor que “a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual importará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento”; no artigo 25, §3º, combinado com o artigo 24, I, e §§, quando atribui ao Estado-membro competência para criar a Região Metropolitana, formada por um conjunto de Municípios limítrofes para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, e legislar concorrentemente sobre Direito Urbanístico, no qual se insere o

88 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p.87.

planejamento urbanístico, respectivamente; e nos artigos 30, VIII, e 182, §1º,90 quando atribui competência aos Municípios para estabelecer o planejamento e os planos urbanísticos para o ordenamento do seu território e para executar a política urbana.91

Ademais, conforme o texto constitucional, todos os planos urbanísticos são aprovados por lei. Estabelece o artigo 48, IV,92 da Constituição Federal que cabe ao Congresso Nacional dispor, com a sanção do Presidente da República, sobre “planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento”. Bem como no artigo 182, §1º, ao dispor que o plano diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, deverá ser aprovado pela Câmara Municipal. Pelo fato de os planos serem aprovados por lei, conforme ensina José Afonso da Silva,93 eles adquirem natureza de lei e integram o regime jurídico da política urbana.

Segundo ensinamentos de Bruno de Souza Vichi, uma vez trazido para o universo jurídico, por meio de sua inclusão tanto em normas constitucionais como em normas infraconstitucionais, o planejamento urbanístico passa a ser regulado por uma lógica de imputação, deixando de ser uma carta de princípios e boas intenções

90 Art. 21. Compete à União: IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social.

Art. 174. §1º: A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. Art. 25. §3º. Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum. Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; [...]. §1º. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. §2º. A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. §3º. Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender as suas peculiaridades.

Art. 30. Compete aos Municípios: VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

91 Júlia Maria Plenamente Silva assevera que, além dos dispositivos citados, o processo de

planejamento aparece, explicito ou implicitamente, em outros dispositivos constitucionais, tais como: 21, IX, XVIII e XX; 23, IX; 25, §3º; 29, XII; 30, VIII; 43, §1º, II; 49, IX; 58, §2º, VI; 74, I; 84, XI; 91, VII; 165, §4º; 166, §1º, II; e 187.Cf. O planejamento urbano enquanto dever jurídico do Estado, p. 57. 92 Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida

esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: IV – planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento.

para ser um instrumento vetor para a concretização de políticas públicas urbanas de caráter obrigatório e vinculante.94

Como o processo de planejamento consiste em determinar objetivos, em escolher os instrumentos e na aplicação dos instrumentos escolhidos visando a alcançar aqueles objetivos, uma leitura do artigo 3º da Constituição Federal, no qual estão previstos os objetivos da República Federativa do Brasil, dá a dimensão do dever de planejar do Estado.95 Pois, como já mencionado, o alcance dos objetivos da República Federativa do Brasil se dá mediante a implementação de políticas públicas, as quais para serem elaboradas dependem do planejamento feito pelo Estado.

O planejamento deixa de ser um processo dependente da vontade do administrador, tornando-se uma “imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, (programas e projetos) que são os instrumentos consubstanciadores ao respectivo processo”.96 Isto é, o plano é o instrumento que materializa, concretiza uma das fases do processo de planejamento.

Essa obrigação jurídica do Estado, proveniente do dever de planejar, consiste na elaboração do plano, na sua execução e na sua revisão, feita periodicamente,97 além da fiscalização. Já que as três etapas do processo do planejamento, não necessariamente, são desempenhadas pela mesma pessoa jurídica de direito público. Quanto aos planos urbanísticos, mesmo aqueles que tenham as duas primeiras etapas desempenhadas pela União ou pelo Estado – membro, suas execuções deverão ser feitas pelos Municípios,98 exceto nas Regiões Metropolitanas, como será estudado adiante, na qual órgãos dos três entes

94 VICHI, Bruno de Souza. Política urbana: sentido jurídico, competências e responsabilidades, p. 174.

95 SILVA, Júlia Maria Plenamente. O planejamento urbano enquanto dever jurídico do Estado, p. 57.

96 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 88. 97 SILVA, Júlia Maria Plenamente. Op., cit., p.104.

98 Atualmente, conforme artigos 37 e 39, da Constituição Federal, o sistema de execução dos

serviços públicos adotado pelo Brasil é o sistema imediato, pelo qual cada ente federativo mantêm seus corpos de servidores públicos destinados a executar os serviços públicos das respectivas administrações. A Alemanha adota o sistema mediato, pelo qual os serviços federais, em cada Estado, são executados por funcionários estaduais, cabendo a União, por meio dos seus funcionários vigiar e fiscalizar a referida execução. O sistema misto, adotado na Suíça e na Áustria, combina os dois anteriores, permite que certos serviços federais sejam executados por funcionários estaduais e outros por funcionários federais e, vice – versa. Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito constitucional positivo. 34. ed., rev. e atual. até Emenda Constitucional 67, 18/12/2010. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 482.

federativos poderão executar as funções públicas de interesse comum. A execução dos planos acontece no território municipal porque é lá que se concentram os problemas urbanos, tendo como fiscal a população, além dos órgãos públicos. Ademais, quando executados pela iniciativa privada, em tese, além da população, a fiscalização feita pela municipalidade é mais eficiente por estar mais próxima.

A Constituição Federal de 1988, além de atribuir ao planejamento o caráter de função pública, pois se tornou dever jurídico do Estado, tanto no âmbito econômico como no âmbito urbanístico, no caso deste último exige que sua elaboração obrigatoriamente seja feita de forma encadeada, integrada. A Lei Maior atribui competência a todos os entes federativos para tratar das questões urbanísticas. Os entes devem agir de forma integrada na elaboração do planejamento urbanístico.

A integração do processo de planejamento pode ocorrer em dois níveis: horizontal e vertical. No nível horizontal, o planejamento deve tratar dos aspectos econômicos, sociais, físicos, institucionais e urbanísticos da área sob o planejamento. No nível vertical, cada ente, ao desenvolver a atividade de planejar, deve observar as metas e as diretrizes dos planos dos entes das esferas superiores.99 Essa integração na elaboração do planejamento urbanístico deve ser feita de modo a respeitar a autonomia de cada ente federativo, traçada pela Constituição Federal por meio da repartição constitucional de competências.