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Pluralidade Sindical e a Democracia nas Relações Sindicais

CAPÍTULO 3 - A LIBERDADE SINDICAL NO BRASIL

3.3 Pluralidade Sindical e a Democracia nas Relações Sindicais

Diante do exposto anteriormente, a opção do legislador constituinte de 1988 pela unicidade sindical não foi a melhor escolha porque além de não evitar a

167 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988, Art. 5º. Brasília, DF, out. 1988, Disponível em:

fragmentação dos sindicatos, como se pretendia, à época, impede que o Brasil adote a liberdade sindical absoluta prevista na Convenção nº 87, a qual prestigia a pluralidade sindical.

Entende-se por pluralidade sindical a permissão do Estado para a formação espontânea de vários sindicatos dentro da mesma base territorial, representando categorias idênticas e competindo entre si pela representatividade ou

por condições igualitárias de representação168.

Mozart Victor Russomano169 define a pluralidade sindical como o direito

dos membros de uma categoria divergir dos sindicatos existentes e fundarem outros congêneres, conforme se extrai de suas lições:

A liberdade de associação, da qual a liberdade sindical é uma das formas, não se exprime, apenas pelo direito de participar ou não participar de determinada instituição. Envolve, também, o privilégio de escolher aqueles aos quais nos queremos associar, inclusive criando entidade de igual natureza das existentes. Em última análise, queremos afirmar, dessa forma, que a liberdade sindical não se reduz a simples opção, a mera alternativa entre “sim” e “não”. Quando o indivíduo, no caso, o trabalhador, opta pela negativa, tem direito de, no uso dela, ir adiante, divergindo dos sindicatos existentes e fundando, inclusive, entidade congênere dissidente e minoritária. Essa é a profunda razão, a razão primária e primeira pela qual sustentamos a tese de pluralidade sindical.

Ao discorrer a respeito da pluralidade sindical, Mozart Victor Russomano aponta as diferenças entre esta e a unicidade sindical e afirma que a primeira admite a criação de sindicatos ao mesmo tempo e no mesmo local, representando categorias profissionais e econômicas idênticas reunidas em torno de um sindicato já existente, situação diversa do que ocorre na unicidade, na qual a liberdade dos membros da categoria encontra-se limitada ao ingresso ou não em um único sindicato, sendo imposto pelo Estado uma limitação legal para a criação dessas

organizações170 .

Observa Mozart Victor Russomano171 que, na pluralidade sindical, o

trabalhador possui “o privilégio de escolher, entre diferentes sindicatos, aquele que

168 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; LIMA FILHO, Cláudio Dias. Pluralidade sindical e democracia. 2. ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 130.

169 RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios gerais de direito sindical. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 74.

170 Ibid.

melhor afine com suas ideias e aspirações, bem como, se for o caso, de dissentir dos sindicatos existentes e fundar outros sindicatos amparado na minoria dissidente [...]”.

Sua preferência por esse sistema sindical decorre do fato deste ser

“organizado em termos realmente democráticos, com base na liberdade integral”172.

Neste contexto, Mozart Victor Russomano173 entende que a unicidade

sindical não se enquadra em um sistema sindical democrático pelos seguintes motivos:

a) limita a liberdade sindical;

b) o sindicato único e oficializado é produto da lei, deixando de ser fruto de um movimento cheio de espontaneidade e palpitações; c) torna-se presa fácil da voracidade intervencionista do Estado, que tende a fortalecer seus órgãos executivos;

d) estimula a “profissionalização” dos dirigentes sindicais;

e) cria desconfianças, no espírito do trabalhador, quando à independência, à altivez e à serenidade de suas resoluções.

Assim, compreende que a liberdade sindical absoluta, no Brasil, somente poderá ser alcançada por meio da pluralidade sindical, uma vez que esta “pressupõe a sindicalização livre, contra a sindicalização obrigatória; a autonomia sindical,

contra o dirigismo sindical; a pluralidade sindical, contra a unicidade sindical”174.

De acordo com Mozart Victor Russomano175, ausentes a sindicalização

livre, a autonomia sindical e a pluralidade, não há de se falar em liberdade sindical absoluta, conforme afirma:

Se tomarmos a liberdade sindical no seu conceito mais amplo, necessariamente encontramos, no fundo do instituto, aquelas três ideias básicas, sem as quais não existe liberdade sindical plena, nem para o sindicato, nem para os trabalhadores que nele se encontram os pulmões da sua vida profissional.

Por sua vez, Amauri Mascaro Nascimento 176 divide a pluralidade sindical

em total e restrita, ocorrendo a primeira quando esta alcança todos os níveis da organização sindical e, a segunda, quando há a coexistência da pluralidade e de unicidade, citando, neste último caso, como exemplo, os empregados que escolhem,

172 RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios gerais de direito sindical. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 77.

173 Ibid.

174 Ibid. p. 65.

175 Ibid. p. 66.

176 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito sindical. 8. ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 194.

por meio de votação, o sindicato que irá representá-los e, sendo este o único eleito, os demais serão proibidos na empresa, ou seja, há unicidade para a empresa e ao mesmo tempo pluralidade na estrutura sindical.

Ao analisar ambos os sistemas, não há dúvidas de que a pluralidade e a unicidade são estruturas opostas, pois enquanto a primeira incentiva a união espontânea e verdadeira de indivíduos com os mesmos interesses, afinidades e ideologias, sendo considerada um sistema extremamente democrático, a outra os une por meio de uma imposição legal, ou seja, junta indivíduos com pensamentos e interesses divergentes, razão pela qual encontra-se fadada ao fracasso.

Importante destacar que a pluralidade não é desprovida de regras como faz transparecer, pois estas são estabelecidas pela lei, jurisprudência e as próprias

entidades sindicais, conforme ensina Arnaldo Süssekind177:

Nos sistemas que facultam a pluralidade sindical, a lei, as entidades sindicais de cúpula (pacto ou acordo confederativo) ou a jurisprudência devem editar regras sobre:

a) aferição do sindicato mais representativo para falar em nome do correspondente grupo nos procedimentos da negociação coletiva; b) critérios para solução de conflitos de representação, sobretudo quando estes ocorrerem entre um sindicato de categoria e outro de empresa ou profissão.

Em que pese a Constituição ter adotado o sistema da unicidade sindical, curiosamente em períodos menos democráticos do que o atual, a pluralidade já esteve presente em nossa legislação por meio do Decreto n° 979, de 6 de janeiro de 1903, porém, tal previsão jamais se concretizou na prática, diante da repressão do governo brasileiro sobre os movimentos sindicais nesta época. De acordo com

Rodolfo Pamplona Filho e Cláudio Lima Filho178:

O Decreto n. 979, de 6 de janeiro de 1903, segundo o qual seria facultado aos profissionais da agricultura e indústrias rurais de qualquer gênero organizarem entre si sindicato para estudo, custeio e defesa de seus interesses (art.1°). O art. 2º do Decreto ressalvava a suposta “liberdade” na formação dos sindicatos, asseverando que a organização dessas entidades era livre de quaisquer restrições ou ônus, bastando, para que houvesse o seu reconhecimento legal, depositar seus atos constitutivos no Cartório de Registro e Hipotecas

177 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010. p. 381.

178 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; LIMA FILHO, Cláudio Dias. Pluralidade sindical e democracia. 2. ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 133-134.

da localidade, estando o escrivão encarregado de, posteriormente, enviar essa documentação à Associação Comercial do Estado Respectivo. [...] O art. 2° desse Decreto Legislativo estipulava que os sindicatos profissionais seriam constituídos “livremente, sem autorização do Governo”, bastando depositarem no Cartório de Registro de Hipoteca da localidade os seus atos constitutivos. Da simples leitura desse texto seria possível conceber que o Estado brasileiro teria propiciado as condições ideais para o florescimento do sindicalismo verdadeiramente livre e autônomo. Essa constatação, porém, não corresponde à realidade da época [...].

A segunda experiência em nosso país com a pluralidade ocorreu com a vigência do Art. 120 da Constituição de 1934, o qual assegurava a pluralidade sindical, contudo esse dispositivo teve vida curta, uma vez que o Decreto n° 24.694, de 12 de julho de 1934, transformou os sindicatos em órgãos colaboradores do Estado e impôs o controle total sobre essas organizações. Segundo Rodolfo

Pamplona Filho e Cláudio Lima Filho179:

A Constituição de 16 de julho de 1934 estipulou, no art. 120 que “os sindicatos e as associações profissionais seriam reconhecidos de conformidade com a lei”, acrescentando em seu parágrafo único que a lei asseguraria “a pluralidade sindical e completa autonomia dos sindicatos”. [...] Conhecendo os fatores que antecederam a aprovação do texto da Constituição de 1934, não de se estranhar o parágrafo único do art. 120 da Constituição tenha assegurado “a pluralidade sindical e a completa autonomia dos sindicatos”. Essa pluralidade, porém, não repercutiu infraconstitucionalmente: o Decreto n. 24.694, de 12 de julho 1934 posicionou os sindicatos como órgãos de colaboração com o Estado (art.2°, c) e dependentes do reconhecimento estatal (art. 8°). [...] Constata-se, pois, que “a pluralidade sindical” prometida pelo texto constitucional de 1934 jamais foi efetivada, tendo o varguismo sempre exercido o controle da organização sindical desde sua ascensão ao poder.

Portanto, percebe-se que a noção de pluralidade não é nova em nosso país, apesar de nunca ter sido observada na prática, esteve presente, pelo menos em teoria em nosso ordenamento jurídico, no entanto, infelizmente, nossa história sempre foi marcada pela ausência de democracia, razão pela qual a adoção desse sistema sempre foi inviável antes da vigência da Constituição de 1988.

179 PAMPLONA FILHO, Rodolfo; LIMA FILHO, Cláudio Dias. Pluralidade sindical e democracia. 2. ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 139-142.

Nesse contexto, a insistência de algumas centrais sindicais e sindicatos em manter a unicidade em nosso ordenamento jurídico nada mais é que um verdadeiro desfavor ao movimento sindical, pois este sistema encontra-se fora do contexto histórico e democrático da sociedade brasileira contemporânea.

Ao contrário da unicidade, a pluralidade sindical atende aos anseios democráticos inseridos na Carta de 1988, dado que a Convenção nº 87, ao permitir a criação de sindicatos congêneres, leva em consideração o direito de escolha dos representados, os quais desejam se unir espontaneamente às entidades que tenham afinidades, respeitem sua posição ideológica e atendam aos seus interesses.

E esse tripé é essencial para aumentar a representatividade dessas organizações, pois caso preencham esses requisitos, os representados, seguramente, irão se envolver nas discussões sindicais, aumentando a força de pressão dessas entidades.

A experiência internacional revela que a pluralidade é sadia para o movimento sindical, tanto que este sistema prepondera na maioria dos países

democráticos, tais como França, Inglaterra, Alemanha, EUA, dentre outros180.

Por se tratar de um sistema extremamente democrático, a pluralidade encontra grande aceitação na doutrina brasileira, sendo defendida por João Regis F. Texeira, Délio Maranhão, Roberto Barretto Prado, Eduardo Gabriel Saad, Arion Romita, Cassio Mesquita Barros Jr., José Augusto Rodrigues Pinto, Ney Prado,

Antônio Álvares da Silva181.

Isso posto, observa-se que a estrutura sindical brasileira, fundada na unicidade, encontra-se ultrapassada, pois trata-se de um sistema antidemocrático que interfere na autonomia dos sindicatos, razão pela qual é necessária uma atenção especial por parte do legislador para adequar nosso ordenamento jurídico à Convenção nº 87 da OIT, porque a pluralidade sindical é sistema extremamente democrático, compatível com os preceitos da Constituição de 1988, sendo certo que a não ratificação desse tratado, além de macular a imagem do Brasil internacionalmente, prejudica o movimento sindical, o qual, devido ao monopólio

180 DELGADO, Maurício Godinho. Direito coletivo do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2017. p. 110.

181 MAGANO, Octavio Bueno. Direito Coletivo do Trabalho. Vol. III: Manual de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 1993. p. 46 e NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de direito

exclusivo de representação, concedido pela unicidade aos sindicatos, encontra-se esvaziado por não conseguir mais se conectar com os desejos dos representados.