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Como prelúdio à questão da poesia no pensamento platônico, o leitor precisa ser alertado para algumas ambiguidades que fazem desse pensamento algo a um só tempo único e delicado. Se, no afã de entendê-lo, não se aquilatam tais ambiguidades com a devida atenção, escuta-se como resultado a mesma ladainha de “verdades” insossas dos manuais de filosofia e dos livros que, sem levar em conta a situação histórica grega, mais não fazem do que repetir com sistematicidade aquilo que o leitor aprende em uma rápida leitura. Ora, o trabalho do intérprete reside precisamente em levar o texto a dizer algo a mais do que aquilo que se compreende a partir do primeiro contato. No presente caso, é necessário retirar as camadas seculares de interpretação que concorrem para formar aquela opinião solidificada e aquela atitude que, mal e mal se defrontam numa mesma frase com as palavras “poesia” e “Platão”, já respondem de imediato que Platão só devotava desdém à poesia e que a baniu de sua cidade ideal, um ato tirânico que o coloca na mesma fileira ignóbil de pessoas contrárias à

liberdade de expressão. Essa atitude tem o perigo de um f€rmakon e

exala tamanha sedução no ambiente intelectual – muitas vezes encabeçado

pelo par dçca e Gerede – que ninguém se incomoda em acusar de inimigo

da liberdade o mesmo pensador que defendeu pela primeira vez a igualdade

dos sexos, entre outras coisas não menos notáveis220. Elucidar algumas das

especificidades que rondam o pensamento platônico pode contribuir para que o escândalo em torno da expulsão da poesia – que só fez aumentar com as ditaduras do século passado e com a influência de estudiosos como Karl Popper – adquira matizes mais precisos e perca um pouco de sua força embriagadora. Sem descurar do fato de que Platão era simultaneamente

220 Para defender o caráter democrático de Platão, Altman cita um alfabeto inteiro

de razões, entre as quais se incluem: a escolha de um plebeu como porta-voz de seus Diálogos; a escrita de obras com diferentes temas e graus de dificuldade, de modo que todo o leitor, inclusive as crianças, pode encontrar algo que lhe sirva e que atraia sua atenção; a igualdade política das mulheres e a apresentação de personagens femininas (Aspásia, Diotima) engajadas no ensino de importantes temas; a abertura de uma instituição gratuita de ensino; a inversão da pergunta moral aristocrática (quem é teu pai?) por uma versão democrática (quem é teu filho?), que pressupõe a tarefa da educação; a ideia de que, diante do mais alto Bem, todos os homens são iguais; o amor à excelência moral das pessoas e não às suas posses etc. ALTMAN, 2012, p. 353, n. 149. Para uma análise de sua proposta: ENGLER, 2013b. Outras ideias sobre o lado democrático de Platão: ALTMAN, 2012b; VEGETTI, 2010, p. 204.

filósofo e artista, oferecem-se certas razões para pôr em estado de sursis aquela simplicidade monocórdia com que se lhe assaca atitude hostil à poesia. É nesse sentido que se emprega aqui a palavra “ambiguidade”; não para denotar obscuridade ou erro, mas para mostrar que a questão da poesia no pensamento platônico pode andar em duas direções opostas: entre a antipatia racionalista e a paixão declarada221. A primeira via já é familiar a todo o leitor culto, ao passo que a segunda demanda conhecimento da literatura especializada sobre o tema. A fim de criar uma perspectiva que não condene o autor de antemão a partir da nossa situação histórica, é preciso acolher de modo aberto o que Platão escreve sobre a poesia. Isso será mais bem ilustrado nos próximos parágrafos.

Assim, a primeira ambiguidade que deve ser reconhecida está no fato de que Platão tanto fala sobre o que é a poesia, quanto sobre o que deve ser feito com ela no interior de um sistema político como a pólis grega, sistema esse que não possui talvez nada que se lhe equipare na

221 Stephen Halliwell – indubitavelmente um dos melhores estudiosos das questões

poéticas na Grécia – afirma que o amor de Platão à poesia foi suprimido pela ortodoxia dos comentários, que ressaltou apenas o banimento dessa arte. Halliwell fala também em ambiguidade e ironia ao analisar o último livro da República, onde aconteceria a expulsão da poesia mimética; ele pensa que tal livro não expressaria a visão final de Platão e cita outros intelectuais que julgam tratar-se de um debate interno à Academia, de uma reposta a uma primeira versão da Poética ou, ainda, a algum tratado sofístico da época. HALLIWELL, 2011, p. 241; 244. Do mesmo modo, Dorter e Verdenius se perguntam como é possível que um artista consumado como Platão acoime tanto o papel da poesia; para eles, trata-se também de algo ambíguo. DORTER, 1973, p. 77; VERDENIUS, 1943, p. 119. Golden ressalta que, apesar de criticar a mimese por seu afastamento da realidade, Platão a considera indispensável para atingir tal realidade, como a imitação praticada nos Diálogos exemplifica. Logo, tratar-se-ia novamente de uma ambiguidade. GOLDEN, 1992, p. 41. Outra ambiguidade que poderia ser mencionada consiste no fato de que, a despeito da crítica à sensibilidade, a metafísica de Platão baseia-se numa reflexão sobre o “aspecto inteligível” (eîdos, idéa) dos seres, utilizando assim de vocabulário sensível justamente para escapar da sensibilidade. Cf. RIBEIRO, 2007. A própria descrição do lugar supraceleste, no Fédon, apela a características inequivocamente sensíveis. Cf. NIGHTINGALE, 2009. Por fim, cabe dizer que já na Antiguidade o caráter ambíguo da crítica platônica foi acentuado. A relação complementar entre filosofia e poesia assoma na sentença do platônico Máximo de Tiro, usada na epígrafe do segundo capítulo, e perfaz o quinto e o sexto ensaio de Proclo, em seu comentário à República. Para isso, confiram-se os ensaios de Van der Berg em PROCLO, 2001, p. 113.

Modernidade. De início, portanto, suas considerações podem ser divididas em dois grupos maiores: aquelas que visam à essência da poesia e aquelas que visam à sua execução na pólis. As primeiras podem ser ditas ontológicas, porque versam sobre o ser de algo, enquanto que as segundas podem ser chamadas de políticas ou morais. Tal divisão faz com que a crítica à poesia desenvolvida em obras como a República e as Leis seja apartada das ideias transmitidas em diálogos como o Íon e o Fedro, ambos os quais discutem o que seria a poesia e deixam de lado a maneira como ela deve ser apreciada em uma pólis a fim de educar ou moralizar os cidadãos. Para os presentes propósitos, analisam-se as questões propriamente ontológicas sobre a poesia e não as questões morais e políticas, a não ser à medida que elas servem para elucidar, confirmar ou negar o que é obtido na primeira discussão. As considerações históricas feitas no capítulo anterior sobre a situação da poesia da Grécia poderiam, pois, dar alguma base para que se pudesse discutir com propriedade a parte política do pensamento de Platão em relação à poesia. Faltaria ainda alcançar uma noção clara et distincta do significado do sistema político grego. No entanto, para poder manter os paralelismos com a épica e com Aristóteles, cumpre deixar de lado essas reflexões que, na versão mais popular da história do espírito, tornaram-se caracteristicamente platônicas, conquanto sua origem remonte

a pensadores como Xenófanes, Heráclito e Sólon222.

Derivam dessa decisão dois fatos importantes. Em primeiro lugar, tal método diferencia a posição aqui adotada da posição de todos os estudiosos que continuam a analisar a poesia a partir daquilo que Platão pretendia que se fizesse com ela, para só então tentar entender o que ela seria em si mesma. Esses estudiosos são quiçá a maioria, e apesar de garantir-lhes essa abordagem certas conclusões pacíficas e sólidas, que já

222 Trata-se de “uma versão mais popular” porque, entre outras coisas, ainda não

retirou todas as conclusões do fato de que a crítica teológico-moral à poesia iniciou já no período pré-socrático. É comum ouvir que Platão seja o único ou o primeiro a levantá-la, quando ele é tão-somente o auge de um movimento genuinamente grego, que desde cedo reconheceu os efeitos morais e políticos das obras de arte. A despeito de suas qualidades, assim, Hauser engana-se ao dizer que Platão é o primeiro pensador hostil à arte. HAUSER, 1998, p. 95. Conforme relata Plutarco, Sólon já se indignara ao assistir a uma peça de Téspis, censurando o poeta porque as brincadeiras do palco, ludibriando os jovens, logo acabariam mudando os costumes. Este é o início da crítica moral da arte. Cf. SCHUL, 2010, p. 48, n. 59; VERDENIUS, 1944, p. 147. Do mesmo modo, Sócrates teria abandonado uma apresentação de Eurípedes, indignado, ao ouvir do poeta que era melhor deixar a virtude andar ao acaso. Vitae, III, 33.

gozam de univocidade plurissecular, ela também dirige seu olhar para alguns problemas recorrentes e o torna míope (às vezes cego) para outros. Para eles, a crítica ferrenha à poesia – que faz com que nosso atual senso de liberdade estética tenha dispepsia ao engolir as doutrinas da República e das

Leis223 – lança uma cortina de suspeita sobre aquelas ideias mais

conciliatórias, mais elogiosas ou favoráveis veiculadas no Íon e no Fedro224. Pela postulação da costumeira visão desenvolvimentista, creem tais autores que Platão foi-se divorciando dessas ideias à medida que encanecia e ficava mais desesperançado em matéria de política; noutras palavras, o passar dos anos e as experiências como a baldada expedição a Siracusa esmoreceram aquele entusiasmo poético que irrompera no Íon e que, mesmo depois do frigidarium moral da República, ainda conseguira retornar no Fedro, sendo então seguido por inegável depauperamento do

vigor poético nas obras posteriores225. Ora, a posição deste trabalho arrima-

se precisamente no inverso. Embora não haja a pretensão de tratar da totalidade da sua obra, pressupõe-se que as doutrinas veiculadas nesses diálogos menores, prestando verdadeiro encômio à poesia, é que tornam suspeita a crítica amúsica dos grandes diálogos. O leitor que tiver compreendido o Íon notará que o conceito de dom divino que ali aparece, por exemplo, serve também para elucidar a natureza da missão socrática, associação essa que o fará perceber como o diálogo da juventude de Platão ainda está presente e atuante em sua fase mais madura. Notará também como tal conceito possui aspecto positivo em ambos os casos, de sorte que Platão não pode estar usando do Íon para vituperar a arte.

Ademais, em certo sentido os dois tipos de discussão podem ser entendidos separadamente. No decorrer da República, as conclusões morais e políticas em torno da poesia não mencionam as discussões ontológicas alcançadas no Íon e no Fedro, ainda que toquem em vários dos seus pontos, como na questão dos gêneros poéticos. Mais do que isso, elas tampouco negam essas discussões e ainda parecem pressupô-las em alguns casos: a proibição em torno da poesia parece depender, pois, da constatação prévia de seu poderoso efeito, que é estabelecida através da metáfora do ímã. Os resultados dos debates em torno da ordem de leitura ou de composição dos

223 Convém assinalar, desde o início, que não se pretende interpretar as Leis. Apesar

do fato de que a doutrina da inspiração também apareça neste diálogo, trata-se de obra demasiado complexa, que exigiria vários estudos prévios.

224 BÜTTNER, 2011, p. 111.

Diálogos têm fortes razões para acreditar que o Íon deva ser lido pelo estudante antes da República e que o Fedro deva ser lido depois, bem como

para crer que ambos os diálogos foram compostos nesta sequência226. Desse

modo, poder-se-ia afirmar que o elogio da poesia no Íon, depois de ser ofuscado pelo suposto ascetismo estético da República, faz um retorno triunfante no Fedro, onde Platão encena a palinódia de um período inteiro

de seu pensamento227. Se bem que não se contenda aqui sobre esses pontos

conflituosos dos studia platonica, supõe-se que Platão jamais abandonou algumas ideias que teve em sua juventude, senão que as fortaleceu por meio de sua própria experiência com a poesia e de seu inegável amor a essa arte. No mesmo sentido em que se trata da teoria das ideias, portanto, a postura deste trabalho em relação à poesia permanece unitarista228.

226 ALTMAN, 2010; LESKY, 1966, p. 16-7. Schleiermacher considerava o Fedro o

primeiro diálogo a ter sido composto por Platão, em virtude de seu caráter multifacetado e de seu tema juvenil; hoje em dia, porém, já não há ninguém que defenda isso. A estilometria também tem fortes razões para ordenar os diálogos na sequência supramencionada. BRANDWOOD, 1996, p. 109-112; WESTERMANN, 2003, p. 47.

227 NUSSBAUM, 2009, p. 178; 187.

228 No mínimo, é preciso aceitar que a querela entre poesia e filosofia nunca é

completamente resolvida na obra de Platão e permanece ambígua, como acima discutido. Assim, apesar da crítica aos poetas, Sócrates admite que muitas vezes chegava ao ponto de desejar a morte, fosse verdade que, depois dela, haveria de conviver com poetas como Hesíodo, Homero, Orfeu e Museu (Ap. 41a6-8). Tal desejo é um exemplo do respeito e da admiração que devota à poesia, bem como da esperança de tornar-se sábio através dela. Cf. HALLIWELL, 2011, p. 256. Os intérpretes reconhecem que as intuições estéticas de Platão possuem certa assistematicidade e dificilmente podem formar um corpo doutrinal monolítico, o que se torna ainda mais complexo quando se tem consciência de que ele concebia a sua filosofia como um tipo de poesia. Freeman tem razão, assim, ao falar que Platão teria vivido um conflito psíquico a respeito dessa questão. “There has been a conflict, ending in a victory of the philosopher over the poet; but the victory has been hardly won and dearly paid for. How great that conflict must have been can be gauged by remembering that he himself once expressed, in irispired language, the case for inspiration, when Socrates, in a long speech on Divine Madness, says [segue-se a citação do Fedro sobre a loucura poética]”. FREEMAN, 1940, p. 149. O único problema do comentário está em não perceber que a vitória da filosofia não se dá pela negação da poesia, mas pela invenção de uma filosofia poética. DÜRING, 1976, p. 186. Verdenius, por sua vez, nega que platão tivesse vivido tal conflito, porque ele teria uma alma harmônica. VERDENIUS, 1943, p. 241. A opinião não parece sustentar-se quando contraposta com os testemunhos textuais

O segundo fato que deriva da decisão de separar os problemas poéticos em ontológicos e políticos fundamenta o recorte de textos que serão esquadrinhados. A questão da poesia no pensamento platônico é tão abrangente e complicada, que poderia servir por si só como mote de uma tese inteira – e seria uma longa e bela tese. Porquanto a perspectiva aqui adotada tenha por objetivo investigar determinadas ideias em mais de um autor, sem construir porém história sistemática da estética grega, é razoável que se escolham os textos onde estejam presentes os mesmos problemas da tipologia acima explicada. Assim, além do encurtamento hermenêutico possibilitado pela divisão feita acima, todo o capitulo terá como base o que é dito no Íon e secundariamente no Fedro. Sustenta-se essa ênfase porque o Íon é um diálogo onde Platão trata de maneira mais explícita da poesia229, não obstante esse seja um dos temas que sempre retornem em sua obra. Ele é ainda um diálogo que mantém discussão aberta com a épica – tal como acontece no Hípias Menor e na República – e dá a conhecer ideias que serão depois obsessivamente refutadas ou significativamente omitidas na Poética. Em sua discussão com a épica, o Íon levanta vários problemas de grande peso e elabora o primeiro perfil filosófico da inspiração poética que servirá de molde para as diversas concepções futuras formuladas na história ocidental, em especial entre os românticos230. Já em sua relação com Aristóteles, ele atua como espécie de presença fantasmagórica que nunca é referida de forma ostensiva, embora assombre diversas teses que são que mostram, sim, uma encarniçada luta em torno desse problema. Ela poderia apenas justificar-se se, levando em conta o matrimônio da poesia e da filosofia, disséssemos que Platão resolveu o conflito. Gould comenta as duas perspectivas aqui discutidas: primeiro, a posição segundo a qual Platão tentaria unificar poesia e filosofia em razão do grande efeito que Homero exercia sobre ele; segundo, a perspectiva biográfica, de acordo com a qual essa tentativa teria feito como que ele sofresse de certa neurose sobre o assunto. Para ele, Platão só teria sido hostil à arte porque, ao contrário de Aristóteles, dava muita importância aos elementos irracionais da alma. GOULD, 1964, p. 74. Most, por fim, acredita que Platão teria inventado a querela ao ler os poetas a seu modo. Sua luta com a poesia seria distinta daquela de Xenófanes em relação a Homero ou de Aristófanes e outros comediantes em relação às novas formas de educação da época, ambas as quais não pressupunham uma oposição clara entre filosofia e poesia. MOST, 2011, p. 19-20.

229 DORTER, 1973, p. 65; FREEMAN, 1940, p. 139.

230 Esta visão é mais ou menos ortodoxa. No entanto, há razões para discordar dela.

Por exemplo: o poeta de Platão não é, como o gênio romântico, alguém que cria seus poemas, mas uma porta-voz passivo que recebe tais obras das Musas. Cf. STERN-GILLET, 2004, p. 180.

defendidas na Poética. Sua posição é, por conseguinte, central para os objetivos deste trabalho. Por sua vez, o papel secundário do Fedro baseia-se no fato de que, apesar de confirmar muitas teses do Íon, seu escopo é mais amplo e não se orienta apenas pela questão da poesia, tratando também da retórica, da linguagem, do método dialético etc. A despeito de sua riqueza de detalhes e da introdução de novos elementos na discussão da poesia – notadamente, a associação da poesia com o amor e com a Beleza transcendental – seu tom fundamental e muitas de suas ideias originam-se indubitavelmente no Íon. Tal com o Banquete, este é mais um diálogo a que o leitor deve remeter-se para captar muitos pontos do Fedro, e não é por acaso que ele lhe anteceda tanto do ponto de vista da composição, quanto do ponto de vista dramático-pedagógico. Como dito, conquanto as ideias que Platão expõe nesses dois diálogos não pareçam ser afetadas ou abandonadas por sua crítica moral, não se delineia aqui qual seria sua visão final sobre a poesia. Pelo contrário, a pretensão deste estudo é muito mais modesta e vê esses textos como instantâneos que captam, que nem na fotografia, certas imagens e conceitos que Platão concebeu em determinada “fase” de seu pensar. Se eles foram depois emoldurados e serviram como diretrizes para suas demais conclusões, pois, é algo que não será demonstrado. Tampouco será provado, porém, que eles foram abandonados em alguma gaveta e deixaram de exercer influência positiva sobre o pensamento de Platão, como a escola desenvolvimentista e a isolacionista gostariam talvez de acreditar.

A segunda ambiguidade que deve ser mantida em mente reside no fato supramencionado, qual seja, que Platão era simultaneamente artista e filósofo. Já foi dito no segundo capítulo que os autores gregos possuíam relação toda especial com a poesia e que a exegese de Platão não podia prescindir da análise da estrutura dramática dos diálogos, sob pena de cometer-lhes uma injustiça. Esse fato tem sido reconhecido por mais de uma corrente moderna de interpretação, e na ocasião foram citados os seguidores de Strauss e a escola de Tubinga-Milão. De resto, ficou dito também que os gregos costumavam pôr os poetas ao lado dos filósofos e creditar-lhes um pensamento, além de possuírem uma consciência de estilo e de apresentação de ideias – assente na emergência da retórica – que é muitas vezes estranha aos pensadores modernos. Nesta seção, explicitam-se melhor esses pontos em relação a Platão. Do fato incontestável de que ele era ao mesmo tempo artista e filósofo, pode-se extrair tanto uma atitude estética ou literária para com sua obra quanto uma compreensão sui generis da filosofia. Esses dois pontos são de extrema relevância e permitem

compreender melhor a junção entre filosofia e dramaturgia que singulariza