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Polícia: corporificação da segurança?

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2. Segurança Pública e Favela

2.1. Panorama sobre segurança pública

2.1.4. Polícia: corporificação da segurança?

Da Silva (2008) chama atenção para o uso do termo ―prevenção‖ compreendido como prevenção policial. Sinaliza que essa é uma concepção muito comum entre os profissionais envolvidos na área de segurança. Tece suas críticas a esse tipo de leitura como algo bastante reducionista, apontando que precaução não pode ser traduzida como a soma de forças policiais para a prevenção do crime. De acordo com ele, esse tipo de interpretação desconsideraria três pontos de grande relevância dentro da temática:

[...] primeiro, o fato de a polícia estar contida em dois sistemas, no sistema de justiça criminal, na esfera do Judiciário, e no sistema de segurança pública stricto sensu, na esfera do Executivo, em que outros órgãos atuam; segundo, o fato de que as ações deste último sistema (o de segurança pública) devem ser parte da política governamental para a segurança em sentido lato, abarcando programas de prevenção de amplo espectro, de prevenção primária; e terceiro, o fato de que o poder público dispõe de meios com os quais pode contribuir para o aumento do "capital social" das comunidades, independentemente do "capital econômico" das mesmas, investindo na valorização do ser humano e promovendo maior integração entre os cidadãos pela ação das associações comunitárias, das igrejas, da escola, das agremiações de lazer; pela prática do esporte e de atividades culturais.

De acordo com Coimbra (2003), no Brasil, do mesmo modo que ocorre em outros países capitalistas, as políticas de segurança pública têm sido norteadas no sentido da

manutenção da ordem, que por vezes, se traduz em ações de repressão. Salienta que um exemplo deste modo de atuação pode ser verificado historicamente. Já no período colonial, a preservação da ordem pública era operacionalizada através do emprego das forças policiais no controle e vigilância de todos os indivíduos avaliados como perigosos para os detentores do poder.

Da Silva (2008) reconhece uma tradição de ações repressivas por parte do Estado e sinaliza a existência de uma disputa na área de segurança pública, na qual estariam os operadores do direito penal em oposição aos militares das Forças Armadas – perspectivas que o autor nomeia como viés penal e viés castrense, respectivamente. Ainda sobre isso o autor discorre ―assim, conduzida a atividade pelos primeiros, prevalece a visão segundo a qual os

problemas do crime, da violência e da ordem pública se resolveriam com a lei penal. Conduzida pelos segundos, os problemas se resolveriam com a força‖.

Na perspectiva penal – atravessada pela ótica do endurecimento das penas – dar conta de temas como a prática de crimes e a população carcerária constitui algumas das preocupações. Desse modo, destina-se pouco interesse a problemática da violência urbana ou problemas de ordem pública em geral. Enquanto na perspectiva castrense adota-se a lógica de combate às ameaças, aos inimigos e à desordem. Da Silva (2008) aponta que tais perspectivas são equivocadas e não dariam conta da problemática em questão – aponta para a necessidade de desconstrução dos modelos penalista e militarista rumo a uma perspectiva de caráter mais preventivo. Ainda, ressalta:

[...] O mais grave é que, na prática, esta visão penalista-militarista da segurança pública consolidou-se no Brasil. Ainda é com esse modelo duplamente enviesado na cabeça que a maioria dos policiais brasileiros trabalha. Os cânones universais da atividade, fundados em outros marcos, têm passado ao largo de nossas práticas. Nem pensar em valores como

direitos humanos, cidadania e mediação de conflitos (grifo do autor)‖.

Coimbra (2003) destaca o que chamou de um ―estado de guerra civil‖, mito que segundo a autora tem sido amplamente difundido tanto no Brasil quanto na América Latina, como leitura para análise da política de segurança pública. Sinaliza que tal expressão associada a diferentes dispositivos adotados desde a ditadura militar no país serve como justificativa para o emprego de medidas violentas por parte do Estado. Aponta que o discurso forjado nesse contexto é estabelecer que o conjunto de indivíduos reconhecidos como miseráveis podem representar uma ameaça potencial para a democracia.

Wacquant (2001) indica que a insegurança no Brasil é acentuada pela intervenção das forças do Estado. Explica que o emprego da violência pela polícia militar e a adoção

recorrente à tortura pela polícia civil contribuem para uma atmosfera de terror generalizado entre as classes populares. Salienta que a violência policial é tradicionalmente instituída na sociedade brasileira e se impõe sobre os miseráveis:

Essa violência policial inscreve-se em uma tradição nacional multissecular de controle dos miseráveis pela força, tradição oriunda da escravidão e dos conflitos agrários, que se viu fortalecida por duas décadas de ditadura militar, quando a luta contra a "subversão interna" se disfarçou em repressão aos delinqüentes. Ela apóia-se numa concepção hierárquica e paternalista da cidadania, fundada na oposição cultural entre feras e doutores, os "selvagens" e os "cultos", que tende a assimilar marginais, trabalhadores e criminosos, de modo que a manutenção da ordem de classe e a manutenção da ordem pública se confundem (Wacquant, 2001, p.1).

Bengochea et al. (2004) em artigo no qual problematizam a possibilidade de concepção de uma polícia diferente em uma sociedade democrática, demarcam a necessidade de revisão da função policial e advertem que alguns atravessamentos precisam ser considerados:

[...] por mudanças nas políticas de qualificação profissional, por um programa de modernização e por processos de mudanças estruturais e culturais que discutam questões centrais para a polícia: as relações com a comunidade, contemplando a espacialidade das cidades; a mediação de conflitos do cotidiano como o principal papel de sua atuação; e o instrumental técnico e valorativo do uso da força e da arma de fogo (Bengochea et al., 2004, p.119).

De acordo com Bengochea et al. (2004), tradicionalmente o modelo de intervenção policial traduz-se em uso de força, que, em geral, beira o limite da legalidade. Os autores afirmam que há possibilidade de mudança no modelo de polícia a partir da revisão de sua função, para que esta possa focalizar a garantia e efetivação dos direitos fundamentais de cidadania dos indivíduos. Entendem que o diálogo com a comunidade, a assunção de um papel de mediador e negociador são instrumentos fundamentais. Ressaltam que os policiais precisam ser preparados para avaliar a necessidade de utilização de força, cabendo a alternativa de utilizar outros recursos conforme cada caso. Destacam a importância da existência de políticas públicas balizadoras de ―investimentos na qualificação, na

modernização e nas mudanças estruturais e culturais adequadas‖ a instituição policial

(Bengochea et al., 2004, p.120).

No processo de mudanças políticas e sociais e o entendimento da sociedade como espaço de conflito, cenário para fenômenos complexos como violência e criminalidade, a demanda policial adquire outros contornos, como a garantia de direitos constitucionais. A aclamada manutenção da ordem pública passa carecer de uma ação estatal mediadora de diferentes interesses. Deste modo, a sociedade democrática abre espaço para uma atuação policial mais protetora dos direitos, ou seja, o desenvolvimento de ações preventivas e menos

repressivas, nesse lugar de diversidade de desordens e incerteza que compõem o tecido social (Bengochea et al., 2004).

Fenômenos como a violência e a criminalidade estão largamente presentes em nossa sociedade, exigindo ações e respostas efetivas. A atuação policial resolutiva desses engodos passa pela compreensão destes elementos em diferentes níveis, sendo importante a articulação de ações. O que equivale a dizer que cada problemática apresentada precisa de um manejo distinto no universo democrático (Bengochea et al., 2004).

Bengochea et al. (2004) salientam a impossibilidade de um procedimento homogêneo para os policiais levando em consideração a sociedade complexa na qual vivemos. Entendem que estes profissionais precisariam desenvolver a capacidade de posicionar suas escolhas e ações conforme as circunstâncias, nesse sentido, a ação mediadora toma lugar de grande importância.

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