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Questões sobre a pacificação

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2. Segurança Pública e Favela

2.1. Panorama sobre segurança pública

2.1.7. A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP): política de segurança pública

2.1.7.1 Questões sobre a pacificação

Pacheco de Oliveira (2014) em artigo no qual busca discutir a terminologia pacificação conforme conceito adotado pelo poder público na formulação da UPP, salienta a novidade na utilização do termo na esfera pública. Demarcando o atravessamento histórico do termo, destaca:

Trata-se de uma categoria central e que atravessou cinco séculos, da história colonial ao Brasil republicano, até então unicamente utilizada para a população autóctone, que por suposto seria regida por valores e padrões de comportamento absolutamente diversos dos ocidentais. Estes povos, que desconheciam a religião cristã, praticavam a poligamia, a feitiçaria e a antropofagia, ofendiam frontalmente — assim fomos levados a acreditar pela história oficial — os padrões morais dos europeus (Pacheco de Oliveira, 2014, p.27).

Segundo o autor não há clareza sobre o motivo da adoção do termo pacificação para descrever atualmente a intervenção policial nas favelas do Rio de Janeiro. Rodrigues (2014) salienta que a normatização que regula a Pacificação é precária, ocupando-se muito dos aspectos iniciais da ocupação territorial. Reconhece que a ocupação territorial como primeira abordagem é primordial, mas salienta que não pode ficar limitada a esse aspecto.

Pacheco de Oliveira (2014), de forma crítica, arrisca atribuir significado às iniciativas de pacificação na atual conjuntura da cidade:

[...] objetivam restaurar o controle estatal (leia-se militar) sobre as favelas ocupadas pelo tráfico. Há aqui uma clara analogia com as ―pacificações‖ coloniais, dirigidas contra as aldeias dos autóctones que não se submetiam voluntariamente às autoridades administrativas e religiosas da época. Uma metáfora de natureza terapêutica poderia ser lembrada para pensar as ações ―pacificadoras‖, equiparando-as a remover um tumor maligno, que afetaria o próprio corpo social. Mas tal metáfora não seria aplicável, pois inexiste o registro tanto de uma clara convergência entre médico e paciente no processo terapêutico quanto de um antagonismo entre o doente e os agentes portadores da doença (Pacheco de Oliveira, 2014, p.138).

O autor destaca que a temática da pacificação ocupa o discurso midiático e dos órgãos governamentais de forma incessante, mas entende que todo o processo acaba por se resumir à ocupação e controle policial das áreas faveladas.

Rodrigues (2014) questiona a escolha de pacificação somente de áreas sob o domínio do tráfico de drogas, sem haver nenhuma menção ou projeto de expansão para regiões dominadas por milícias. Em relação às expectativas acerca da atuação da UPP o autor destaca: [...] a UPP não vai resolver os problemas da segurança pública do estado atuando nas favelas, como alguns poderiam até imaginar. Acreditar nisso é insistir numa visão simplista da segurança pública que a reduz a um problema eminentemente policial com base nas ―crenças‖ da favela, deixando atores fundamentais fora do foco de seus problemas, inclusive os do próprio sistema de justiça criminal. Armas e drogas, por exemplo, necessitam de investigação específica que não se limita ao território estadual e que extrapola o mandato da polícia militar (Rodrigues, 2014, p.79).

Diferentes autores demarcam que a implementação da política de pacificação no Rio de Janeiro tem sido marcada por desafios e benefícios à cidade como um todo, mas, sobretudo aos moradores de favelas pacificadas e aos gestores de segurança pública. Permanece como pauta o questionamento do uso da força policial e a convivência com os moradores, muitas vezes marcada por tensões e insegurança, mas, que ainda assim, de modo gradual, vem sofrendo mudanças (Fleury, 2012; Musumeci et al., 2013; Rodrigues, 2014; Silva & Sepúlveda, 2014).

Rodrigues (2014) destaca que independente da atuação da polícia de proximidade pode acontecer atitudes de represália (tiros, ameaças, mortes) na favela por parte de traficantes (presentes ou fugidos) pela insatisfação com a presença policial, que prejudica seus negócios. O autor destaca que é preciso compreender esse tipo de dinâmica do modo mais realista possível, para que não sejam repetidas antigas intervenções como as do modelo anterior. Entendendo que isso poderia corresponder a um retrocesso dos resultados já obtidos pela pacificação, o autor salienta:

[...] Todavia, quando o policial se convence de que são as redes de confiança, construídas em cooperação com os demais atores, que podem gerar maior tranquilidade a seu ambiente de atuação, ao quebrarem de maneira mais eficaz a hegemonia criminosa anterior, o risco desse retorno diminui. Evidentemente, para se chegar a esse estágio do processo, é necessário todo um aprendizado humanizador entre morador e policial (Rodrigues, 2014, p.80).

Silva & Sepúlveda (2014) destacam que o processo de pacificação resumido à presença policial é insuficiente para assegurar as devidas transformações. Sinalizam também que o que se convencionou designar de ―cultura de paz‖, que entendem como uma noção

pouco clara e palpável deve ir além da postulação de mudanças estruturais na Polícia Militar, mas, sobretudo, conjugar as potenciais atuações policiais às questões como geração de emprego e renda, escolarização dos jovens e crianças, garantia de serviços públicos adequados, em resumo, inclinação para o desenvolvimento social integral.

Souza (2012) observa que após a pacificação da favela Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão, diversos representantes do Estado passaram a utilizar o termo reconquista do território, assim como outras expressões alusivas a ações de guerra. Salienta que a mídia, de um modo geral, deu bastante destaque a todo o processo e imediatamente absorveu as diferentes terminologias, como, por exemplo, estratégia e controle territorial, adotadas pelos agentes do Estado naquele momento. Contudo, reconhece que a metáfora de guerra já havia sido apropriada em diferentes ocasiões, sobretudo no que se refere ao combate ao tráfico, tanto pela mídia quanto pelo Estado.

Ainda sobre a situação de reconquista territorial, Souza (2012) faz alusão às tropas do Terceiro Reich que ocuparam a Normandia para, não sem alguma ironia, exemplificar a situação brasileira na qual a figura inimiga é compatriota dos possíveis libertadores. O autor demarca que no contexto carioca os temidos ―inimigos‖:

[...] são jovens negros e mulatos, muitas vezes franzinos, armados com enormes fuzis, mas calçados com chinelos de borracha. A juventude pobre dos espaços segregados é, em última análise, o grande ―inimigo‖ a se temer, real ou potencialmente, no imaginário das elites e da classe média (Souza, 2012, p.118).

Rodrigues (2014) aponta que a UPP surge em um contexto de total descrédito na ação policial desvinculada a uma ação de ―guerra‖. Sinaliza que a implementação das unidades pode auxiliar na desconstrução de estereótipos acerca das favelas e seus moradores, promovendo maior aproximação. Avalia o processo pacificação como ―uma guinada drástica

no percurso da segurança pública‖ (Rodrigues, 2014, p.74) e questiona sua possibilidade de

sustentação ao longo do tempo.

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