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O que é a polícia? C onceito, funções e car acter ísticas da instituiçã o policial nas

Inicialmente, é necessário entender que o conceito do vocábulo polícia varia a depender do momento histórico e do país em que se desenvolve. D e todo modo, a polícia é uma instituiçã o singular que ocupa uma posiçã o central no funcionamento político de uma coletividade, pois o E stado e a legitimidade deste dependem da presença de ordem e segurança. S egundo Monet (2001, p. 16),“a existê ncia de uma polícia pública é o sinal indiscutível da presença de um E stado soberano e de sua capacidade de fazer prevalecer sua R azã o sobre a razã o de seus súditos.” D essa forma, na prática, a polícia reflete o regime político e a sociedade em que está inserida, o que implica na existê ncia de diferentes realidades de polícias ao redor do mundo e ao longo da História, cada qual com suas particularidades.

R einer (2004) diferencia polícia e policiamento, aduzindo que este implica em um conjunto de atividades cujo objetivo é preservar a segurança de uma ordem social por meio de vigilância e de ameaça de sançã o, enquanto aquela se refere a um tipo de instituiçã o social.

É importante esclarecer que o policiamento é uma atividade que pode ter caráter privado ou público, a depender da natureza do seu pagamento e da sua orientaçã o ( B A Y L E Y , 2006). T odavia, o presente trabalho concentrar-se-á apenas nas polícias públicas, que sã o criadas e mantidas (pagas e controladas) pela comunidade, geralmente através do E stado.

Nesse momento, também é necessário ressaltar que, apesar da existê ncia do E stado estar associada à presença da polícia, esta pode se desenvolver em comunidades nas quais aquele está ausente. E ntretanto, modernamente, a ideia de coletividade se confunde com o E stado.

A o tentar conceituar polícia, Monet (2001) afirma que apesar de nã o haver definiçã o comumente aceita de polícia ou de trabalho policial, existem funções geralmente tidas como sendo pertencentes à retromencionada organizaçã o, quais sejam, a manutençã o da ordem pública e a proteçã o das pessoas, de sua liberdade e de sua propriedade contra atos ilegais/criminosos. T odavia, a polícia, muitas vezes, desempenha, ou desempenhou ao longo do tempo, funções mais abrangentes (MONE T , 2001).

A etimologia da palavra polícia, por sua vez, deriva do termo grego politeia

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, que, com o passar do tempo, deixou de estar relacionado apenas à política enquanto conjunto de leis concernentes à administraçã o da C idade, e passou também a se referir aos guardiões da lei encarregados de fazer respeitá-las (MONE T , 2001).

Na Modernidade, originalmente, a polícia confundia-se com a magistratura, de maneira que os capitã es de polícia eram investidos de poderes de juiz, e vice-versa. A ssim, a autoridade responsável por prender os supostos infratores da lei era a mesma que os julgava (HS IA O, 2015). No século X V III, após a R evoluçã o F rancesa e o advento das ideias iluministas, o conceito de polícia aprimorou-se, passando-se a defender uma separaçã o entre as atividades de polícia e as de justiça (HS IA O, 2015). L ogo, a polícia tornou-se responsável apenas pela execuçã o das leis (no sentido de tentar garantir que os particulares nã o as desrespeitem) e nã o pela resoluçã o judicial de conflitos entre os indivíduos (MONE T , 2001).

S egundo Hsiao (2015), foi nessa época que surgiu a usual dicotomia da organizaçã o policial, dividida em polícia administrativa (incumbida da manutençã o da ordem pública e da prevençã o da prática de delitos) e polícia judiciária (responsável pela apuraçã o e investigaçã o de infrações criminais). Pode-se dizer, portanto, que a polícia administrativa exerce a funçã o policial stricto sensu, qual seja, o policiamento ostensivo, desse modo, este trabalho tratará prioritariamente dela.

D urante o auge do absolutismo, entre os séculos X V II e X V III, prevalecia o entendimento de que a finalidade da polícia, bem como do E stado, era a de garantir equilíbrio social e, até mesmo, felicidade à populaçã o. Havia, portanto, uma confusã o entre a felicidade dos súditos e o poder do E stado, originando o chamado E stado policial. T al concepçã o, contudo, foi substituída pela evoluçã o da ideia do E stado de D ireito, no final do séc. X V III, segundo a qual a funçã o policial é tã o somente garantir a segurança, a paz pública e a ordem para que os indivíduos exerçam a sua liberdade (MONE T , 2001).

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Na Grécia A ntiga, surge, pela primeira vez, uma organizaçã o formada por agentes especializados cuja funçã o é

fazer com que as leis sejam respeitadas, por meio da coaçã o física e da ameaça de ações penais. A ntes disso, os

No séc X IX , a polícia, principalmente nos países europeus, passa por um processo de especializaçã o: por conta das diversas revoluções e motins, os agentes policiais tornam-se mais organizados, equipados e treinados para controlar multidões (MONE T , 2001).

A s instituições policiais logo passaram também por um processo de legitimaçã o social, de modo que, atualmente, é impossível pensar em uma sociedade sem polícia (MONE T , 2001). O policiamento passou a ser concebido como indispensável para a vida em sociedade e, por isso, hoje, é praticamente universal (B A Y L E Y , 2006). Nesse sentido, Monet (2001, p. 24) aduz que “a polícia existe hoje porque ela sempre existiu, e suas transformações sucessivas se confundem com o próprio movimento da civilizaçã o.”

D essa forma, a polícia como é conhecida hoje nasce juntamente com o E stado moderno, no final do século X IX , inicialmente na Grã -B retanha, e logo depois em toda a E uropa (PINHE IR O, 1998).

Para R einer (2004), a polícia moderna é apenas um dos órgã os que podem executar o policiamento, de modo que a polícia nã o seria essencial para a vida em sociedade, mas sim o policiamento.

Independentemente das particularidades de cada polícia, uma coisa é certa: esta é, nas sociedades modernas, uma espécie de braço armado do E stado, sendo a instituiçã o por meio da qual o E stado exerce seu monopólio do uso da força legítima (MONE T , 2001), com a finalidade de regular as relações interpessoais dentro da sociedade (B A Y L E Y , 2006). L ogo, segundo B ayley (2006), sã o trê s os elementos essenciais para caracterizar a atividade policial: força física, uso interno e autorizaçã o coletiva. S em qualquer desses elementos, nã o há polícia.

A ssim, o que diferencia o uso da força pela polícia e a violê ncia praticada por criminosos é a legitimidade, advinda da autorizaçã o coletiva, atribuída à quele e ausente nesta. R essalte-se que a autorizaçã o da comunidade nã o se confunde com o caráter público da polícia, visto que “a polícia é pública se for paga e dirigida pela comunidade que também autoriza o policiamento. A polícia é privada se a comunidade que a autoriza nã o paga por ela nem a direciona” ( BA Y L E Y , 2006, p. 39). É bem verdade, porém, que, no geral, as polícias modernas sã o públicas, de modo que os cidadã os “renunciam à violê ncia para que sejam protegidos pelos operadores do E stado, os corpos profissionais de polícia” (PINHE IR O, 1998, p. X I).

C onsoante Monet (2001, p. 26),

E ssa legitimidade da açã o policial deriva do fato de o emprego da força pela polícia

poder político, de ser ela enquadrada por normas sociais e regras de direito e por ela

ser controlada por instâncias exteriores à própria polícia.

Por outro lado, o uso legítimo da força nã o basta para caracterizar a atividade policial, visto que há outras instituições e outros profissionais que também detém esta prerrogativa (médicos cirurgiões e lutadores de boxe, por exemplo). E ntretanto, essas categorias profissionais apenas podem fazer uso dessa força/coaçã o de maneira estritamente limitada e previamente determinada, ao contrário da polícia que pode aplicar o recurso sempre que for necessário, em diversas situações nã o definidas a priori (MONE T , 2001).

O uso interno da força, por sua vez, distingue a força policial da força militar (F orças A rmadas), pois enquanto a primeira atua na ordem interna de uma dada sociedade política, a segunda ocupa-se da ordem externa (B A Y L E Y , 2006; MONE T , 2001), sendo responsável por defender o território e a soberania nacionais (S OA R E S , 2015). Na prática, contudo, muitas vezes, essa distinçã o nã o é clara, como é o caso da existê ncia, até hoje, de uma polícia ostensiva de caráter militar em vários países, inclusive no B rasil.

Nas sociedades modernas, apesar da expansã o do policiamento privado (que, repita-se, nã o é o objeto deste trabalho), a atividade de policiamento, em geral, tem como características ser pública (formada, paga e controlada pelo governo), especializada (concentra-se, principalmente, na aplicaçã o da força física para restringir comportamentos) e profissional (referente a uma preparaçã o específica para desempenhar funções exclusivas da atividade policial – o que envolve recrutamento por mérito, treinamento formal, estruturaçã o de evoluçã o na carreira, trabalho em tempo integral e disciplina sistemática) ( B A Y L E Y , 2006). Monet (2001, p. 26-27) assim resume a funçã o e a organizaçã o policial nas sociedades atuais:

A ssim, ao cabo de uma longa evoluçã o histórica, a funçã o policial – que é a

possibilidade de utilizar a coer çã o física na or dem inter na par a manter um

cer to nível de or dem e de segur ança pela aplicaçã o das leis e a r egulaçã o dos

conflitos inter individuais – é hoje garantida, na maioria dos países do mundo, por

agentes subor dinados a autor idades públicas que os r ecr utam, r emuner am e

contr olam. E sses agentes sã o pr ofissionais, reunidos no seio de or ganizações

hier ar quizadas e estr utur adas de acor do com cor pos de r egr as j ur ídicas

explícitas. (grifo meu)

D essa forma, a instituiçã o policial é, ou deveria ser, nos dias de hoje, um instrumento da sociedade, organizada, mantida e controlada pelo E stado, com a finalidade de proteger o convívio entre as pessoas, possibilitando a vida em sociedade, mediante limitações impostas à atividade pessoal (HS IA O, 2015).