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O policiamento em um E stado D emocr á tico de D ir eito: atividade civil e ser viço

Monet (2001) aduz que, por si só, a questã o da existê ncia da instituçã o policial em uma democracia é um ponto conflituoso, questionando “em que medida a polícia nã o é uma ‘ anomalia’ em sociedades que fazem da autonomia individual o primeiro de seus valores e em sistemas políticos que fazem do nã o-recurso à força em caso de conflito uma virtude cardeal? ” (MONE T , 2001, p. 28). Para o autor, o possível paradoxo entre polícia e democracia advém do fato de aquela manifestar autoridade e desta existir em sociedades que tendem a deslegitimar qualquer manifestaçã o de autoridade (MONE T , 2001).

E ntretanto, na realidade, o regime democrático nã o existe sem policiamento, pois consoante Monet (2001, p. 29), “uma sociedade livre nã o pode dispensar um certo nível de ordem, ou ainda, de previsibilidade, nas trocas sociais cotidianas.” A dificuldade reside, porém, em compatibilizar a atividade policial, historicamente marcada pelo autoritarismo e tendente a este, especialmente no B rasil, com os princípios democráticos, bem como com o E stado de D ireito. A ssim, o E stado D emocrático de D ireito depende da existê ncia da polícia (enquanto órgã o responsável por desempenhar a atividade de policiamento

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) e do apego desta aos valores que fundamentam aquele (MONE T , 2001).

C omo desenvolvido no segundo capítulo do presente trabalho, a democracia, muito mais do que um regime político em que o povo é o titular do poder político, representa um modo de vida, cujos valores fundamentais sã o a tolerância, o pluralismo, a cidadania, a liberdade e a igualdade. A ssim, os valores que fundamentam a democracia se confundem com aqueles que fundamentam o E stado de D ireito, que, por sua vez, baseia-se na eliminaçã o do arbítrio e na proteçã o dos direitos fundamentais de todos os indivíduos.

A ssim, em um E stado D emocrático de D ireito, o policiamento, bem como a segurança pública como um todo, precisa ser efetivado como um serviço público de caráter universal. L ogo, é necessário superar a ideia de polícia como garantidora da governabilidade

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O policiamento ostensivo, o patrulhamento das ruas é a funçã o propriamente dita ( stricto sensu) da atividade

do E stado, ou seja, a serviço da estabilidade daquilo que já existe (PE R E IR A , 2015), compreendo-a como um órgã o que visa servir à sociedade (OL IV IE R A , 2016).

Nesse sentido, segundo S ouza Neto (2008), existem duas concepções de segurança pública possíveis de serem adotadas: uma baseada na ideia de combate e outra na de prestaçã o de um serviço público. A primeira entende que o papel da polícia é combater o inimigo interno, que apenas se transformou ao longo da história brasileira, sendo, atualmente, o criminoso, em especial, o traficante (apesar de os alvos preferenciais da “guerra à s drogas” serem os mais vulneráveis dentro do sistema do tráfico de drogas) ( K A R A M, 2015). E sse modelo de segurança pública “é reminiscente do regime militar, e, há décadas, tem sido naturalizado como o único que se encontra à disposiçã o dos governos, nã o obstante sua incompatibilidade com a ordem constitucional brasileira." (S OUZ A NE T O, 2008, p. 05). A segunda apregoa que a segurança é um serviço público prestado pelo E stado, cujo destinatário é o cidadã o.

A polícia democr ática nã o discrimina, nã o faz distinções arbitrárias: trata os

barracos nas favelas como 'domicílios invioláveis'; respeita os direitos individuais,

independentemente de classe, etnia e orientaçã o sexual; nã o só se atém aos limites

iner entes ao E stado democr ático de dir eito, como entende que seu pr incipal

papel é pr omovê -lo ( SOUZ A NE T O, 2008, p. 06, grifo meu).

A adoçã o da segurança pública como uma guerra à criminalidade e aos criminosos, representada pela guerra contra o tráfico de drogas, e nã o como um serviço prestado à sociedade democraticamente e igualmente, cujos destinatários sã o todos os cidadã os, independente da classe social, inclusive os criminosos (afinal, o envolvimento com crime nã o faz com que o indivíduo deixe de ser cidadã o e sujeito de direitos, portanto destinatário do serviço público de policiamento), tem justificado, conforme apresentado neste trabalho, violações sucessivas aos direitos fundamentais individuais (S OUZ A NE T O, 2008).

L ogo, a única concepçã o de policiamento e de segurança pública compatível com o E stado D emocrático de D ireito é de que se trata de um direito fundamental que deve ser universalizado de maneira igual, sem seletividade. “Uma polícia ostensiva preventiva para uma democracia que mereça este nome tem de cultuar a ideia de serviço público com vocaçã o igualitária, radicalmente avesso ao racismo e à criminalizaçã o da pobreza” (S OA R E S , 2015, p. 30).

Um conceito de segurança pública adequado à C onstituiçã o de 1988 é um conceito

que se harmonize com o princípio democrático, com os direitos fundamentais e com

a dignidade da pessoa humana. Por conta de sua importância para a configuraçã o de

um estado democrático de direito (S OUZ A NE T O, 2008, p. 06).

Para alcançar esse objetivo, é necessário, que as instituições policiais, bem como a sociedade, entendam que o combate ao crime (ati vidade repressiva) nã o é a principal funçã o

da polícia, mas sim a atividade preventiva. A ssim sendo, nã o é possível medir a eficiê ncia policial através de índices de encarceramentos, pois a reduçã o da violê ncia é o real objetivo de um policiamento em um E stado democrático e de D ireito. A cobrança desse tipo de eficiê ncia contribui, ainda mais, para o exercício de uma atividade de policiamento arbitrária e discriminatória: utiliza-se, segundo S oares (2015), a política criminal relativa a drogas e a legislaçã o proibicionista dela deriv ada para realizar prisões em flagrante em larga escala, o que, na prática representa uma verdadeira criminalizaçã o da pobreza e institucionalizaçã o do racismo, pois o alvo das polícias acaba sendo “jovens de baixa escolaridade, pobres, moradores das periferias e das favelas, cujas dificuldades cotidianas estimulam a procura de alternativas de sobrevivê ncia econômica” (S OA R E S , 2015, p. 29).

S egundo Oliveira (2016), as principais funções da polícia em um E stado D emocrático de D ireito sã o a defesa dos direitos fundamentais de todas as pessoas e a administraçã o de conflitos (a fim de prevenir a prática de crimes). L ogo, muito mais do que manter a ordem pública, a funçã o da polícia deve ser garantir o respeito a esses direitos individuais, sendo essencial que tal funçã o esteja positivada no ordenamento jurídico interno, principalmente na C onstituiçã o (OL IV E IR A , 2016).

D essa forma, reafirma-se que o policiamento em um E stado D emocrático de D ireito, sendo um serviço público prestado ao cidadã o, é uma atividade eminentemente civil. Nã o existem, ou nã o deveriam existir, inimigos quando se fala de segurança pública, todos sã o cidadã os. S egundo F ontoura, R ivero e R odrigues (2009, p. 152), “a atividade policial, em uma sociedade democrática, deveria ter caráter civil. Nã o somente porque nã o se deve imiscuir defesa do E stado e proteçã o do cidadã o, mas devido à própria lógica militar, inadequada para atividades relacionadas à prevençã o da violê ncia e da criminalidade.”

Z averucha (2010) afirma, inclusive, que o termo Polícia Militar é um oximoro

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, enquanto a expressã o Polícia C ivil é um pleonasmo, visto que o policiamento ostensivo é uma atividade de caráter civil , pois é voltada para a defesa da sociedade e dos seus cidadã os. O autor aduz que a polícia “como órgã o incumbido de prevenir a ocorrê ncia da infraçã o penal e, se ocorrida, exercendo as atividades de repressã o, é uma instituiçã o de caráter civil” (Z A V E R UC HA , 2010, p. 57). L ogo, da mesma forma, é um paradoxo a previsã o constitucional de que as Polícias Militares estaduais sã o forças auxiliares e reserva do E xército, ao mesmo tempo em que a elas sã o destinadas as funções de polícia ostensiva e de preservaçã o da ordem pública (K A R A M, 2015).

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Oximoro é uma “figura [ de linguagem] que consiste em combinar palavras ou frases que se opõem

A demais, a estrutura interna das Polícias Militares é incompatível com uma sociedade democrática, pois, como já comentado, impede a manifestaçã o dos policiais sobre as atividades por ele desempenhadas, bem como sobre sua formaçã o. “Na organizaçã o militar, quem elabora as estratégias e toma as importantes decisões a respeito do planejamento e execuçã o do policiamento sã o aqueles que estã o no topo da hierarquia [ oficiais] , bem distantes daqueles que lidam diariamente com os conflitos sociais [ praças] ” (OL IV E IR A , 2016, p. 124). A lém disso, a confusã o entre organizaçã o policial e militar provoca inúmeras violações aos direitos fundamentais dos policiais perpetradas dentro das academias de polícias por seus instrutores e superiores sob uma justificativa de valorizaçã o da hierarquia e da disciplina e de preparo do profissional para as adversidades que enfrentará durante o exercício do policiamento nas ruas.

C onforme S oares (2015, p. 30),

E ngana-se quem defende hierarquia rígida e regimentos disciplinares draconianos.

Se funcionassem, nã o haveria tanta corrupçã o e brutalidade nas PMs. E ficazes sã o o

sentido de responsabilidade, a qualidade da formaçã o e o orgulho de sentir-se

valorizado pela comunidade com a qual interage.

D iante do exposto, defende-se que a desmilitarizaçã o da polícia é um passo importante para alcançar a compatibilizaçã o com o E stado D emocrático de D ireito, ainda que se entenda neste trabalho que a desvinculaçã o entre as Polícias Militares e o E xército, por si só, nã o implica necessariamente em uma real transformaçã o da cultura militar presente nas polícias responsáveis pelo patrulhamento ostensivo, visto que a militarizaçã o é ideológica. T odavia, para romper com a militarizaçã o ideológica da segurança pública, a modificaçã o estrutural das Polícias Militares é importante, visto que, conforme F rança e Gomes (2015), a caracterizaçã o da polícia que realiza o policiamento propriamente dito como uma instituiçã o militar, bem como a previsã o constitucional de que estas sã o forças auxiliares do E xército significa a manutençã o em tais polícias de organizaçã o, estrutura, regulamentos e cultura interna advindos das F orças A rmadas. L ogo, como visto, essa militarizaçã o afeta diretamente a formaçã o dos policiais, impedindo a real transformaçã o do ensino policial e da cultura militar presente na atuaçã o policial.

Os próprios agentes de segurança pública defendem a desmilitarizaçã o: 73,7% apoiam a desvinculaçã o das Polícias Militares ao E xército, entre os policiais militares esse índice é de 76,1% (C E NT R O D E PE S QUIS A S J UR ÍD IC A S A PL IC A D A S ; F ÓR UM B R A S IL E IR O D E S E G UR A NÇ A PÚB L IC A , 2014).

A lém disso, é preciso compreender que a segurança pública nã o se resume ao policiamento, este é apenas uma pequena parcela das políticas públicas de segurança

(OL IV E IR A , 2016). D esse modo, é indispensável a conscientizaçã o da sociedade e das polícias de que a reduçã o da criminalidade se faz com justiça social e que a violê ncia policial contra parte da sociedade apenas gera mais violê ncia ( contra os policiais e contra o restante da sociedade). Pereira (2015, p. 44) afirma que é urgente “terminar com os efeitos desumanizantes do emprego de policiais como máquinas de matar e morrer – à toa”. Muito mais eficiente é a cobrança de políticas públicas de segurança que desestimulem a violê ncia policial

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, pois ela “pode ser controlada, ou ao menos atenuada, quando há um direcionamento político claro nesse senti do” (C UB A S ; NA T A L ; B R A NC O, 2015, p. 106) , e que se destinem a tentar reduzir as desigualdades sociais e igualar as oportunidades.

Nã o é, portanto, o endurecimento das ações policiais nem a ampliaçã o de um

contingente repressor do E stado a soluçã o para a criminalidade urbana. O remédio

que nos prescreve a democracia – remédio essencial para a felicidade de uma naçã o

– é a justiça social, a ampliaçã o da comunidade de direitos, de modo a incluir os

mais pobres, a implementaçã o de produtivas políticas públicas de segurança,

alimentaçã o e nutriçã o, geraçã o de emprego e renda, moradia, infraestrutura urbana,

transporte, educaçã o de qualidade, saúde e cultura ( W Y L L Y S , 2015, p. 54).

C onclui-se que em um E stado D emocrático de D ireito, a garantia de respeito aos direitos subjetivos de todos é a premissa máxima, devendo ser esta a principal funçã o da polícia. Portanto, um policiamento compatível com essa fórmula prevista na C R F B /88 é aquele que reconhece, na prática, que todos sã o cidadã os sã o sujeitos de direitos, inclusive, policiais, criminosos e suspeitos, bem como os indivíduos que se encaixam no estereótipo de criminoso, quais sejam, pobres, negros e marginalizados.

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A existê ncia de ouvidorias externas à s Polícias Militares é um bom começo, pois, atualmente, em 19 UF s, o

serviço de recebimento de reclamações, sugestões ou elogios ( ouvidoria) ainda é administrado pela própria

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D e acordo com o artigo 1º da C R F B /88, a R epública F ederativa do B rasil constitui-se em um E stado D emocrático de D ireito. A expressã o E stado de D ireito, por sua vez, denomina o E stado que tem a sua atuaçã o prevista e limitada pelo D ireito. O E stado é o detentor do monopólio legítimo da força, logo, de poder. T al poder concentrado no E stado é necessário para a manutençã o da ordem, contudo, torna-o tendente a ser arbitrário. J á o D ireito, limitador da açã o estatal, nã o se detém somente à s leis (até porque muitas vezes elas podem ser injustas, além de serem elaboradas pelo próprio E stado), abrangendo também e principalmente os princípios historicamente consagrados como fundamentais. L ogo, em um E stado de D ireito, o E stado precisa atuar de forma sub lege (subordinado ao D ireito) e per lege ( através do ordenamento jurídico). A ssim, a teoria do E stado de D ireito foi criada pela sociedade como uma tentativa de compatibilizar a garantia de respeito aos direitos fundamentais de todos os indivíduos com a tendê ncia do E stado de tornar-se arbitrário e de abusar do poder. Portanto, a defesa dos direitos fundamentais é a razã o de ser do E stado de D ireito, bem como o que o legitima.

A democracia, por seu turno, é um termo com diversos significados. R epresenta tanto uma forma de regime político em que o povo é o titular do poder político, participando da formaçã o da vontade estatal, quanto um modo de vida, de convivê ncia social, cujos fundamentos sã o o respeito à s diferenças e a tolerância. A demais, a ideia de democracia é indissociável da ideia de cidadania. E sta deve ser entendida em seu conceito amplo, que se refere à garantia dos direitos fundamentais de todos os indivíduos para que assim eles possam exercer a sua capacidade eleitoral. D essa forma, a democracia é um regime que tê m como características e valores o pluralismo, a liberdade (de opiniã o, de expressã o), a tolerância, o consenso, a igualdade e, por fim, o respeito aos direitos fundamentais dos cidadã os. O E stado D emocrático de D ireito, portanto, tem como principal objetivo garantir que os direitos subjetivos de todos os indivíduos, igualmente, sejam respeitados, podendo ser opostos, inclusive, ao E stado.

A polícia surge nas sociedades modernas como o braço armado do E stado, responsável por exercer o monopólio estatal do uso da força e da coaçã o legítima. O policiamento propriamente dito tem como funçã o, segundo R einer ( 2004), preservar a segurança de uma ordem social por meio de vigilância e de ameaça de sançã o. A ssim, a polícia, enquanto órgã o responsável pela atividade de policiamento ostensivo, deve ser, em um regime democrático, um instrumento da sociedade para serví-la, sendo apenas organizada

e paga pelo E stado. T odavia, historicamente, as forças policiais, principalmente no B rasil, sempre foram usadas como forma de controle social e de manutençã o do status quo, servindo, portanto, aos interesses do E stado e nã o do povo.

S endo o exercício do policiamento a maior expressã o do poder estatal, o policiamento em um E stado D emocrático de D ireito que, de fato, seja compatível com tal fórmula é um desafio, pois é tê nue a linha entre o uso legítimo da força e a prática de violê ncia. A o contrário, em um E stado de nã o D ireito e nã o democrático, a atividade policial reflete o autoritarismo e a arbitrariedade estatal. Para Monet (2001), a expressã o polícia democrática está mais para um desejo, uma esperança, do que para uma realidade, pois alega que “exatamente por causa das funções que assume e dos meios de restriçã o que utiliza, a polícia mantém sempre e em toda parte relações ambíguas com a democracia” (MONE T , 2001, p. 18).

A tualmente, no B rasil, as Polícias Militares detê m, consoante previsã o constitucional, a exclusividade da realizaçã o do policiamento ostensivo, logo, sã o as responsáveis pela atividade de policiamento stricto sensu, que é o objeto dessa pesquisa. A existê ncia de uma polícia de caráter militar remonta ao próprio nascimento da instituiçã o policial no B rasil, com a vinda da família real portuguesa para a colônia brasileira. D esde o seu surgimento, o objetivo da polícia brasileira nã o foi o de proteger a sociedade, mas o de garantir proteçã o contra setores da sociedade tidos como perigosos à manutençã o da ordem vigente. L ogo, a polícia, especialmente a militar, “nasceu como força bélica, destinada ao exercício da guerra e controle social de coletividades marginalizadas. S ua estrutura militarizada servia, primordialmente, ao disciplinamento dos seus membros, homens pobres em armas a serviço das elites políticas” (F E IT OS A , 2000, p. 153).

A ssim, o policiamento no B rasil sempre foi marcado por uma concepçã o de guerra contra inimigos internos, que, inicialmente, foram os escravos, bem como negros livres, depois, durante os regimes ditatoriais brasileiros, foram os opositores ao governo, principalmente, os comunistas e, atualmente, sã o os criminosos, especialmente os envolvidos no tráfico de drogas ilícitas.

A pós a redemocratizaçã o, foi promulgada a C R F B /88 que perdeu a oportunidade de realizar avanços significativos nas questões envolvendo policiamento e segurança pública, rompendo com a ditadura civil-militar que lhe antecedeu. A ssim, a C R F B /88 manteve o caráter militar das polícias responsáveis pelo policiamento ostensivo e a previsã o de que tais polícias se constituem forças auxiliares e reserva do E xército.

O militarismo nã o implica apenas na ideia de segurança pública como combate a um inimigo interno, mas também tem reflexos na formaçã o dos policiais militares, que é marcada por uma valorizaçã o excessiva da disciplina e da hierarquia, nã o comportando questionamentos, além de justificar violações aos direitos fundamentais desses policiais em formaçã o, bem como dos praças ao logo de toda a sua carreira. A demais, a lógica militar nã o está presente apenas nessas polícias, mas em todas as outras, bem como está difundida no pensamento da sociedade (uma grande parte da populaçã o brasileira acredita que “bandido bom é bandido morto”).

A ssim, apesar de a C R F B /88 enunciar que a R epública F ederativa do B rasil constitui-se em um E stado D emocrático de D ireito, a realidade brasileira ainda está distante de concretizar esse enunciado ( a violê ncia praticada por policiais, bem como sofrida por eles, é uma realidade inegável), pois, para tanto, é fundamental que o relacionamento da sociedade com a sua polícia tenha como base os princípios de um E stado D emocrático de D ireito, ou seja, é essencial que a atuaçã o policial seja pautada na defesa dos direitos subjetivos de todos os cidadã os igualmente.

C onforme o exposto nesse trabalho, um aspecto essencial para alcançar mudanças nas polícias, a fim de efetivar essa concretizaçã o, é a formaçã o dos policiais que irã o realizar a atividade de patrulhamento das ruas. C onforme Oliveira (2016, p. 121) essa formaçã o “deve se basear em uma política de segurança na qual se entenda que os conflitos de uma sociedade sã o inevitáveis e que é necessário que se efetue, primordialmente, a sua administraçã o.”

T odavia, para que isso seja possível, é necessário mudar a lógica militarizada impregnada nos órgã os policiais, ou seja, afastar a militarizaçã o ideológica da segurança pública, passando-se a compreender o policiamento como um serviço público prestado à sociedade como um todo, e nã o apenas a determinados setores. Para tanto, a desmilitarizaçã o da polícia é um passo importante, pois se precisa acabar tanto com a difusã o da ideia de combate a um inimigo interno, quanto com as violações aos direitos fundamentais dos alunos praticadas pelos instrutores durante os cursos de formaçã o e que tê m conti nuidade ao longo da carreira dos praças (estes sã o constantemente desrespeitados por seus superiores). A ssim, a manutençã o de uma polícia de caráter militar em um E stado que se diz democrático e de D ireito contribui para impedir a concretizaçã o da fórmula preconizada no art. 1º da C R F B /88. T odavia, uma desmilitarizaçã o que apenas acarrete a desvinculaçã o formal entre as polícias militares e as F orças A rmadas é insuficiente, sendo necessário afastar a militarizaçã o ideológica da segurança pública.

R E F E R ÊNC I A S

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