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O desafio do policiamento em um Estado Democrático de Direito

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Academic year: 2018

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F A C UL D A DE D E D I R E I T O

C O O R D E NA Ç Ã O D E A T I V I D A D E S C O M PL E M E NT A R E S E E L A B O R A Ç Ã O D E M O NO G R A F I A J UR ÍD I C A

M A R I A NA L E I T E PE R E I R A

O D E S A F I O D O PO L I C I A M E NT O E M UM E S T A D O D E M O C R Á T I C O D E D I R E I T O

F O R T A L E Z A

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MA R IA NA L E IT E PE R E IR A

O D E SA F IO D O POL IC IA ME NT O E M UM E S T A D O D E MOC R Á T IC O D E D IR E IT O

Monografia apresentada ao C urso de D ireito da Universidade F ederal do C eará, como requisito parcial para obtençã o do título de B acharel em D ireito

Orientadora: Prof.ª D ra. Gretha L eite Maia de Messias

F OR T A L E Z A /C E

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D ados Internacionais de C atalogaçã o na Publicaçã o

Universidade F ederal do C eará

B iblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo C atalog, mediante os dados fornecidos pelo( a) autor(a)

P493d Pereira, Mariana L eite.

O desafio do policiamento em um E stado D emocrático de D ireito / Mariana L eite Pereira. – 2016.

92 f. : il.

T rabalho de C onclusã o de C urso (graduaçã o) – Universidade F ederal do C eará, F aculdade de

D ireito, C urso de D ireito, F ortaleza, 2016.

Orientaçã o: Prof. D r. Gretha L eite Maia de Messias.

1. E stado D emocrático de D ireito. 2. Policiamento ostensivo. 3. Polícia Militar. 4. V iolê ncia

policial.

5. F ormaçã o policial. I. T ítulo.

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MA R IA NA L E IT E PE R E IR A

O D E SA F IO D O POL IC IA ME NT O E M UM E S T A D O D E MOC R Á T IC O D E D IR E IT O

Monografia apresentada ao C urso de D ireito da Universidade F ederal do C eará, como requisito parcial para obtençã o do título de B acharel em D ireito.

A provada em _ _ _ /_ _ _ /_ _ _ _ _ .

B A NC A E X A MINA D OR A

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Prof.ª D ra. Gretha L eite Maia de Messias ( Orientadora)

Universidade F ederal do C eará ( UF C )

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

Prof.ª Ma. Gabriela Gomes C osta

Universidade F ederal do C eará ( UF C )

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

Ma. Z aneir G onçalves T eixeira

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A os meus avós, D elzita (in memoriam), L uiz (in memoriam), Odésio (in memoriam) e L uzanira.

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A G R A D E C I M E NT O S

A gradeço, primeiramente, a D eus, a quem eu confiei nã o só a minha caminhada na graduaçã o, mas toda a minha vida, e que nunca me desamparou. A T i devo tudo que tenho e sou.

À minha mã e, R ose, que sempre foi a minha maior incentivadora e de quem eu, orgulhosamente, sou reflexo. A o meu pai, Ney, que é meu exemplo de dedicaçã o, trabalho e caráter; tudo o que eu mais desejo é te deixar orgulhoso, pai. V ocê s, meus pais, fizeram-me quem eu sou e sã o mais responsáveis pelas minhas conquistas do que eu mesma. A você s, minha eterna gratidã o!

A os meus irmã os, Pedro L uiz e S ofia, que, com sua presença constante, sã o amizade e suporte sempre que necessito. A h, S ofia, obrigada pelos livros!

A o meu companheiro e melhor amigo, C hoairy, obrigada pelo apoio, pelo incentivo, pela ajuda, pelas orientações, por aguentar o meu mau humor, por levantar minha autoestima, por segurar na minha mã o e por prometer que tudo ia dar certo. E u nã o teria conseguido sem você !

A J oyce agradeço pela presença, pelo apoio e pela compreensã o tã o única.V ocê é um anjo na minha vida, muito de você vive em mim.

A gradeço a todos os meus amigos pela amizade e pelo envio de energias positivas, Y asmin, B elle, É rica, Matheus, Igor, Marília, R oberta, F ernanda. Um agradecimento especial a T haís, que me possibilitou o acesso a livros indispensáveis à construçã o do presente trabalho.

À quelas que tornaram o caminho mais leve e divertido, a minha gratidã o: D ébora, obrigada pelo cuidado, pela alegria e por enfrentar a selva comigo do começo ao fim (ou novo começo); Ivna, obrigada por partilhar dúvidas e orientadores e por sempre me ajudar a encontrar um caminho (até mesmo um tema), foi maravilhoso dividir com você momentos tã o importantes da minha vida acadê mica; J osy, obrigada por surgir com seu bom humor contagiante pra nos completar, você é uma inspiraçã o de dedicaçã o e estudo. F ico muito feliz de partilhar com você s angústias e conquistas.

A gradeço à Universidade F ederal do C eará, bem como aos professores, funcionários e colegas, pela oportunidade de viver essa experiê ncia de formaçã o nã o só profissional, mas também humana.

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A os advogados, estagiários e funcionários da A J UR E /C E (Banco do B rasil), Heliomar, Mi guel, S iredson, L ôra, S uel y, R enata, T xai, S amuel, C aio, Morgana, Natália, A ndressa, F elipe, L ucas, B ianca (e tantos outros), agradeço muitíssimo por me propiciarem a vivê ncia do meu primeiro estágio, por tantos aprendizados práticos, pelo carinho e pela amizade.

A todos do Núcleo de Gê nero Pró-Mulher do Ministério Público do E stado do C eará, A naílton, T hiago, R ita, C lene, Marília, Ivina, C amila, D eborah, obrigada pelo acolhimento, pelos ensinamentos e pelo importante trabalho realizado.

À D efensoria Pública da Uniã o no E stado do C eará e a todos que tornam possível a sua existê ncia e a sua excelê ncia, o meu agradecimento por me transformar em uma futura operadora do D ireito mais humana e por renovar as minhas esperanças (e as de tanta gente) na J ustiça.

A gradeço imensamente à professora Gretha por aceitar construir esse trabalho comigo, bem como pelas orientações, pela disponibilidade, pela paciê ncia, pela gentileza e pela presteza. V ocê é um exemplo de docente, a quem passei a admirar ainda mais.

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“D izem que ela existe pra ajudar D izem que ela existe pra proteger E u sei que ela pode te parar E u sei que ela pode te prender

Polícia para quem precisa

Polícia para quem precisa de polícia Polícia para quem precisa

Polícia para quem precisa de polícia

D izem pra você obedecer D izem pra você responder D izem pra você cooperar D izem pra você respeitar

Polícia para quem precisa

Polícia para quem precisa de polícia Polícia para quem precisa

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R E S UM O

O presente trabalho objetiva tratar, por meio de pesquisa bibliográfica, do desafio do policiamento em um E stado D emocrático de D ireito, especialmente tratando da realidade brasileira. O policiamento é a atividade de patrulhamento das ruas, a fim de preservar a segurança de uma ordem social, através do uso legítimo de coaçã o física. No B rasil, as Polícias Militares sã o responsáveis pela realizaçã o desse policiamento ostensivo. A C onstituiçã o brasileira de 1988, por sua vez, dispõe que o B rasil constitui-se em um E stado D emocrático de D ireito. E ste tem como cerne a defesa dos direitos subjetivos de todos os indivíduos. L ogo, na realidade, a principal funçã o da polícia deve ser garantir que tais direitos dos cidadã os sejam respeitados. Para tanto, os policiais precisam ter os seus direitos fundamentais garantidos, afinal, também sã o cidadã os. T odavia, através da valorizaçã o da disciplina e da hierarquia, sã o constantes as violações aos direitos dos policiais em formaçã o e dos policiais hierarquicamente subordinados dentro das Polícias Militares. A demais, a lógica militarizada historicamente consagrada de que a funçã o da polícia responsável pelo policiamento ostensivo é combater um inimigo interno está arraigada nã o apenas nas Polícias Militares, mas na segurança pública como um todo e, até mesmo, no pensamento da sociedade. A ssim, as polícias brasileiras sã o autoras de inúmeras violações aos direitos fundamentais dos cidadã os. C onclui-se que o policiamento, para ser compatível com os princípios fundamentais do E stado de D ireito e da democracia, deve ser um serviço público universalizado de maneira igualitária, bem como uma atividade civil e nã o militar. Para tanto, é preciso romper com a militarizaçã o ideológica da segurança pública, sendo a desmilitarizaçã o da polícia um primeiro passo para alcançar esse objetivo.

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A B S T R A C T

T hrough a bibliographical research, the present work aims to anal yze the challenge of policing in a D emocratic R ule of L aw, especiall y dealing with the B razilian reality. Policing is the activity of patrolling the streets, for preserve the security of a social order, through the threat of legitimate use of physical coercion. In B razil, the Military Polices are responsible for the ostensive policing. T he B razilian C onstitution of 1988, on the order hand, states that B razil is a D emocratic R ule of L aw. T he D emocratic R ule of L aw intent to defend of the subjective rights everyone. T herefore, in reality, the main function of the police should be to ensure that these citizens’ rights are respected. F or this, the police officers must have their fundamental rights guaranteed, after all, they are also citizens. However, through the valorization of the discipline and the hierarchy, violations of the rights of the training police officers and of the hierarchicall y subordinate police officers within the Military Police are constant. B esides that, the historicall y consecrated militarized logic, wich says that the role of the police responsible for ostensive policing is to combat an internal enemy, is rooted not only in the Military Police, but also in public safety as a whole and even in the society thinking. T hereby, the B razilian police is responsible for numerous violations of citizens’ fundamental rights. It is concluded that policing, in order to be compatible with the R ule of L aw and democracy fundamental principles, should be a public service universalized in an egalitarian way, as well as a civil and non-military activity. T o do so, it’s necesary to rupture with the public safety ideological militarization and the police demilitarization is the first step towards achieving this goal.

(11)

S UM Á R I O

1 I NT R O D UÇ Ã O ... 11

2 E S T A DO D E M O C R Á T I C O D E D I R E I T O ... 13

2.1 E stado e D ir eito ... 13

2.2 E xper iê ncias histór icas do E stado de D ir eito ... 15

2.3 O E stado de D ir eito, a defesa dos dir eitos subj etivos e a eliminaçã o do ar bítr io ... 17

2.4 E stado de nã o D ir eito ... 21

2.5 E stado de D ir eito L iber al X E stado de D ir eito S ocial ... 22

2.6 D emocr acia, cidadania e defesa dos dir eitos fundamentais ... 27

2.7 E stado de D ir eito X E stado D emocr ático ... 32

2.8 E stado D emocrático de D ir eito ... 34

3 A PO L ÍC I A B R A S I L E I R A ... 36

3.1 O que é a polícia? C onceito, funções e car acter ísticas da instituiçã o policial nas sociedades moder nas ... 36

3.2 B r eve histór ico da polícia no B r asil ... 40

3.3 A polícia na C onstituiçã o da R epública F eder ativa do B r asil de 1988: a continuidade do autor itar ismo ... 52

4 O D E S A F I O D O PO L I C I A M E NT O NO B R A SI L ... 57

4.1 A violê ncia policial no B r asil e a nã o concr etizaçã o do E stado D emocr ático de D ir eito ... 59

4.2 A for maçã o policial no B r asil e a per sistente militar izaçã o ideológica da segur ança pública ... 62

4.3 O policiamento em um E stado D emocr ático de D ir eito: atividade civil e ser viço público universal ... 77

5 C O NC L US Ã O ... 82

(12)

1 I NT R O D UÇ Ã O

O presente trabalho de conclusã o de curso se propõe a tratar do desafio do policiamento em um E stado D emocrático de D ireito, visto que a C onstituiçã o da R epública F ederativa do B rasil de 1988 (C R F B /88), em seu artigo 1º , propõe tal fórmula para definir o E stado brasileiro. A ssim, no segundo capítulo (o primeiro após a introduçã o), sã o desenvolvidas as bases teóricas para se chegar ao conceito da expressã o E stado de D ireito, bem como de democracia, a fim de compreender, por fim, o que significa E stado D emocrático de D ireito.

O objetivo é que, após um estudo sobre a referida expressã o constitucional, seja possível entender como se compatibiliza a atividade de policiamento com o E stado D emocrático de D ireito, analisando se essa compatibilizaçã o existe no B rasil e, caso contrário, o que a impede.

Para tanto, o terceiro capítulo destina-se, inicialmente, a tratar do conceito de polícia e de policiamento, pesquisando também as características e as funções da polícia nas sociedades modernas. E m seguida, realiza-se um pequeno estudo sobre a polícia brasileira, elaborando-se um breve histórico da instituiçã o policial no B rasil, bem como analisando-se as previsões da C R F B /88 referentes à organizaçã o policial e à realizaçã o do policiamento. É visto, entã o, que as Polícias Militares estaduais sã o responsáveis pela preservaçã o da ordem pública e pelo exercício da funçã o de polícia ostensiva. Portanto, essas polícias detê m a exclusividade da realizaçã o da atividade de policiamento propriamente dita, qual seja, o policiamento ostensivo das ruas. Por essa razã o, essa monografia, especialmente o quarto capítulo, volta-se a analisar as Polícias Militares, tendo em vista que o foco do trabalho é o policiamento stricto sensu, ou seja, aquele que lida diretamente com a populaçã o.

(13)

A inda no quarto capítulo, é feito um estudo sobre a formaçã o dos policiais responsáveis pelo policiamento ostensivo no B rasil, através do qual foi possível perceber que a inclusã o de disciplinas de direitos humanos nos currículos dos cursos de formaçã o nã o foi suficiente para combater a violê ncia policial, pois o militarismo arraigado nas polícias como um todo, principalmente nas Polícias Militares, implica o ensino, ainda que informal, da ideia de combate bélico das ruas, onde existirá um inimigo que precisa ser eliminado. A lém disso, a cultura militar valoriza excessivamente a hierarquia e a disciplina, que, por sua vez, acabam por justificar constantes violações aos direitos fundamentais dos policiais em formaçã o, por meio da imposiçã o pelos instrutores de sofrimento físico e psicológico. T ais violações nã o se restringem à s escolas de formaçã o policial, continuando durante a carreira policial, quando os praças (policiais militares de menor hierarquia e, geralmente, responsáveis pelo patrulhamento das ruas) tê m seus direitos fundamentais desrespeitados pelos seus superiores hierárquicos, os oficiais, que, no geral, permanecem nos quartéis e sã o responsáveis pela administraçã o da instituiçã o.

A ssim, nã o é apenas a atividade de policiamento que nã o tem sido compatível com o E stado D emocrático de D ireito, mas também é possível questionar se a própria instituiçã o da Polícia Militar tem respeitado os princípios democráticos e do E stado de D ireito em sua organizaçã o interna.

D essa forma, esse trabalho se justifica por ser o policiamento uma atividade tida, atualmente, como indispensável para a vida em sociedade. Portanto, o respeito pela polícia dos princípios que fundamentam o E stado D emocrático de D ireito é indispensável para que este seja mais do que uma simples disposiçã o constitucional e se concretize na prática. D esse modo, é inadmissível a violê ncia praticada por agentes do E stado contra a populaçã o, bem como as violê ncias sofridas por eles em sua formaçã o e treinamento.

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2 E S T A DO D E M O C R Á T I C O D E D I R E I T O

C onsidera-se que para se chegar ao cerne da discussã o, é imprescindível entender o que é o E stado D emocrático de D ireito ao qual se refere a C onstituiçã o da R epública F ederativa do B rasil de 1988 (C R F B /88), em seu arti go 1º . A li, ao definir que a R epública F ederativa do B rasil é formada pela uniã o indissolúvel dos E stados e Municípios e do D istrito F ederal, afirma-se que ela constitui um E stado D emocrático de D ireito, cujos fundamentos sã o a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. J á em seu parágrafo único, é enunciado o princípio democrático que rege a R epública F ederativa brasileira, que aduz que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” ( B R A S IL , 1988).

Na tentativa de se alcançar um conceito de E stado D emocrático de D ireito, faz-se necessário que se destrinche os significados de E stado de D ireito, de E stado L iberal, de E stado S ocial e de D emocracia. A penas a partir do entendimento desses conceitos, é possível compreender o si gnificado da expressã o que dá título ao presente capítulo.

E stado de D ireito, em uma primeira definiçã o, pode ser identificado como um E stado que tem sua atividade pautada e limitada pelo D ireito (C A NOT IL HO, online). E ntretanto, a fórmula E stado de D ireito permite uma problematizaçã o e um estudo mais verticalizado, com o qual se inicia este capítulo.

2.1 E stado e D ir eito

Mas o que é o D ireito e o que é o E stado? E ssa indagaçã o tem inúmeras respostas, de acordo com a linha de pensamento jurídica e filosófica adotada, e o conceito de E stado de D ireito varia a depender da resposta escolhida. C ontudo, o presente capítulo nã o tem, de forma alguma, a pretensã o de definir conceitos tã o complexos, mas apenas apontar algumas ideias essenciais sobre o significado de ambos os termos dentro da teoria do E stado de D ireito que se deseja minimamente desenvolver.

(15)

Nesse mesmo sentido, a concepçã o weberiana de E stado também se mostra pertinente, entendendo-o como um “instituto político de atividade contínua quando e na medida em que seu quadro administrativo mantenha com ê xito a pretensã o ao monopólio legítimo da coaçã o física para a manutençã o da ordem vigente” (C A D E MA R T OR I, 2007, p. X III).

L ogo, o fundamental, para a finalidade aqui proposta, é ter em mente que o E stado é uma organizaçã o política cujo poder é o elemento essencial, visto que, conforme apregoa B onavides (2007b), é o detentor da soberania, do monopólio do poder e da coaçã o incondicionada. A ssim, pode-se afirmar que “o E stado é o poder” ( F E R R A Z , 2008, p. 11).

Mas, o mais importante para compreender a teoria do E stado de D ireito que será abordada nas próximas linhas é entender o sentido dado à palavra D ireito na referida expressã o (D A L L A R I, 2003).

S egundo C anotilho (online, p. 21),“a lei nã o se identifica com o direito”, sendo este conceito muito mais abrangente que aquele, significando “uma conjugaçã o de fato, valor e norma, e nã o apenas uma forma cujo conteúdo é indiferente ou pode ser arbitrariamente escolhido” (D A L L A R I, 2003, p. 196). L ogo, o conceito de D ireito dentro da expressã o E stado de D ireito está intrinsecamente ligado a ideia dos direitos fundamentais, ou ao que C anotilho (online, p. 18) denomina de “ideia do direito”.

O D ireito e, consequentemente, o E stado de D ireito, nã o pode resumir-se a leis positivadas no ordenamento jurídico, ou a um E stado formal de D ireito, até porque as leis em sentido estrito sã o criadas pelo próprio E stado, em sua funçã o legiferante. L ogo, ao reduzir a ideia de D ireito ao conceito de lei, coloca-se o E stado acima do D ireito, mas, na verdade, como sustenta C unha (2003, p. 167), “há direitos anteriores ao E stado, que este se vê obrigado a respeitar. Nota-se a partir daí, com mais clareza, o E stado como criatura do D ireito, e nã o como instituinte do D ireito”.

O E stado de D ireito, portanto, é guiado por princípios historicamente consagrados na consciê ncia jurídica geral como fundamentais à natureza humana (C A NOT IL HO, online).

B obbio (1992, p. 05) afirma que:

os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam sã o direitos históricos, ou

seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas

liberdades contra velhos poderes e nascidos de modo gradual, nã o todos de uma vez

e nem de uma vez por todas.

(16)

em construçã o, inclusive, com o surgimento de novos. Por esse motivo, nã o é possível eleger um fundamento absoluto para esses direitos, havendo tantos fundamentos quanto direitos tidos como fundamentais, que podem ser, até mesmo, antinômicos (situaçã o na qual pode haver choque entre direitos fundamentais) ( B OB B IO, 1992).

A ssim, a razã o da criaçã o da teoria do E stado de D ireito é garantir o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo (C A NOT IL HO, online), independentemente do fundamento de tais direitos. Um E stado de D ireito deve significar um E stado de direitos (fundamentais) (C A NOT IL HO, online).

A o longo do presente capítulo, será usada a expressã o direitos subjetivos numa concepçã o mais ampla, como sendo os direitos fundamentais positivados no ordenamento jurídico, ou seja direitos objetivos, destinados à satisfaçã o de um interesse, dos quais sã o titulares os indivíduos, e que podem ser opostos ao poder estatal ( V E R D Ú, 2003; Z OL O, 2006).

2.2 E xper iê ncias histór icas do E stado de D ir eito

A fórmula político-jurídica E stado de D ireito, tã o difundida atualmente, tem origem nos E stados ocidentais no final do século X V III e início do século X IX (os valores abrangidos pela teoria do E stado de D ireito, surgiram muito antes disso, porém)

1

, em especial em quatro experiê ncias históricas que, com suas diferenças e semelhanças, originaram a base do modelo de E stado de D ireito moderno, adotado pela maioria dos países dito liberais e democrátcos, dentre eles o B rasil. S ã o elas: o Rechtsstaat alemã o, o rule of law britânico, o rule of law estadunidense e o état de droit francê s (Z OL O, 2006).

O presente trabalho nã o adentrará no estudo aprofundado de tais experiê ncias, apenas passará brevemente por elas para chegar à construçã o da teoria moderna do E stado de D ireito.

Inicialmente, é importante destacar que o E stado de D ireito nã o é uma fórmula unânime e o seu conceito varia de acordo com a cultura, com a história e com a experiê ncia prática de cada E stado, existindo tantas definições de E stado de D ireito, quanto existem

1

“D etenham-se algumas ideias que precederam a afinaçã o germânica do E stado de direito: na filosofia grega a

conjugaçã o das ideias de dike (processo) , themis (direito) e nomos (lei) apontava já para a limitaçã o racional dos

poderes do E stado; b) a defesa de uma constituiçã o mista trazia implícita, desde a antiguidade, a necessidade de

um poder moderado, contraposto à tirania sem limites; c) a ideia de vinculaçã o dos soberanos à s leis

fundamentais do reino; d) as doutrinas de resistê ncia contra tiranos e do contrato social; e) o pensamento

mediaval da liberdade no direito, ou seja, a liberdade que advém de um determinado estatuto e que havia de

(17)

significados para o D ireito (S IL V A , 2010). L ogo, longe de esgotar o estudo acerca do tema, o que se pretende aqui, em um primeiro momento, é apontar os pontos de encontro das diversas experiê ncias, para tentar compreender o núcleo e as bases do conceito de E stado de D ireito adotado atualmente pelo B rasil.

A expressã o E stado de D ireito tem origem na cultura liberal alemã (Rechtsstaat), tendo surgido em meados do século X IX para denominar um E stado dotado de limites impostos pela lei, que garantam as liberdades e a autonomia individual. Nesse contexto, surgiu, na A lemanha, a teoria dos direitos públicos subjetivos, cuja ideia é a de que os direitos subjetivos (liberdades individuais, em especial, o direito à liberdade e à propriedade) sã o instituídos pelo próprio E stado, por meio do Poder L egislativo, de modo a autolimitar-se. L ogo, a fonte dos direitos individuais nã o seria a soberania popular, mas a funçã o legiferante estatal. D aí porque se fala nesse E stado de D ireito como sendo um E stado legal ( Z OL O, 2006).

J á o rule of law britânico, traduzido como a regra do direito ou o império do direito, baseia-se principalmente nos costumes do povo, sendo o direito consuetudinário, aplicado pelos tribunais, a fonte da defesa dos direitos subjetivos. A principal característica e contribuiçã o desse sistema para a construçã o do E stado de D ireito moderno é a igualdade jurídica de todos os indivíduos no acesso à J ustiça, através da garantia de um processo justo nos tribunais de common law, independentemente de suas condições sociais e econômicas, respeitando os direitos presentes nas leis e nos costumes, em oposiçã o à arbitrariedade e à discricionariedade do Poder E xecutivo (C A NOT IL HO, online; Z OL O, 2006).

A versã o estadunidense do rule of law trouxe como grande contribuiçã o a ideia de E stado constitucional, ou seja, um E stado limitado pelas regras e direitos subjetivos previstos em uma C onstituiçã o escrita e rígida (Bill of R ights), que é hierarquicamente superior aos demais diplomas normativos, visto que é uma norma proveniente do poder constituinte do povo (C A NOT IL HO, online). A lém disso, os E stados Unidos foram o grande precursor do controle de constitucionalidade das leis, em sua versã o difusa/concreta, adotando um modelo de fiscalizaçã o, pelo Poder J udiciário, de compatibilidade das leis emanadas pelo Parlamento com os princípios e regras constitucionais, nos casos concretos (C A NOT IL HO, online; Z OL O, 2006).

(18)

(os quais devem ser divididos, segundo essa teoria do E stado de D ireito), inclusive do Poder L egislativo, ao D ireito, representado pela supremacia normativa da C onstituiçã o. Para os teóricos franceses defensores do état de droit, é fundamental para a existê ncia de um verdadeiro E stado de D ireito que o Parlamento comporte-se como um dos poderes constituídos e nã o como um eterno poder constituinte. (Z OL O, 2006).

2.3 O E stado de D ir eito, a defesa dos dir eitos subj etivos e a eliminaçã o do ar bítr io

A pós esse breve aparato das principais contribuições das experiê ncias históricas mais importantes para a formulaçã o da teoria moderna e atual do E stado de D ireito, parte-se para a tentativa de elucidar as características principais e tidas como universais de um verdadeiro E stado de D ireito. Z olo (2006, p. 48) define o E stado de D ireito como sendo

a versã o do E stado moderno europeu que, com base em uma filosofia individualista

( com o dúplice corolário do pessimismo potestativo e do otimismo normativo) e

através de processos de diferenciaçã o e de difusã o do poder, atribui ao ordenamento

jurídico a funçã o primária de tutelar os direitos civis e políticos, contrastando, com

essa finalidade, a inclinaçã o do poder ao arbítrio e à prevaricaçã o.

Para Z olo (2006) e B obbio (1992), o individualismo é a premissa filosó fico-política do E stado de D ireito, pois, como já demonstrado, a razã o de ser dessa teoria é a tutela dos direitos fundamentais dos indivíduos (em especial as liberdades negativas) em face do E stado, sendo dever da autoridade pública nã o só o seu reconhecimento, mas também a sua proteçã o e a sua promoçã o.

(19)

R esume Z olo (2006, p. 36), portanto, que o ordenamento jurídico, em um E stado de D ireito, exerce uma tríplice funçã o: “de instrumento da ordem e da estabilidade do grupo social, enquanto expressã o normativa do poder de governo; a de mecanismo legislativo de ritualizaçã o-limitaçã o do poder político; e [ ...] de garantia dos direitos subjetivos”.

D esenvolvendo essa ideia, conclui-se que, em um E stado de D ireito, a A dministraçã o Pública ( Poder E xecutivo) deve estar submetida à lei (princípio da legalidade), mas também é necessário que o Poder L egislativo disponha de limites impostos pela lei à sua funçã o legiferante (formas e procedimentos), sendo essencial que toda e qualquer atividade estatal se nã o objetive tutelar os direitos subjetivos, nã o os desrespeite.

E sse entendimento coaduna-se com o pensamento de C anotilho (1992), que afirma existirem trê s dimensões fundamentais do princípio do E stado de D ireito, quais sejam, juridicidade, constitucionalidade e direitos fundamentais.

A juridicidade consiste em “conformar as estruturas do poder político e a organizaçã o da sociedade segundo a medida do direito” (C A NOT IL HO, 1992, p. 362, grifo do autor). A ssim, em um E stado de D ireito, o E stado precisa atuar de forma sub lege (C A D E MA R T OR I, 2007), ou seja, subordinado ao chamado império do D ireito (C A NOT IL HO, online), constituído nã o só pelas leis, mas também por determinadas normas superiores que o E stado nã o pode suprimir ou violar, bem como de modo per lege, ou seja, através do D ireito (C A D E MA R T OR I, 2007). O governo per lege, segundo C ademartori (2007), é aquele que se expressa por meio de leis gerais e abstratas. O exercício da atividade estatal (de todos os poderes políticos) através do D ireito significa que esse exercício só pode se dar por meio de “instrumentos jurídicos institucionalizados pela ordem jurídica” (C A NOT IL HO, online, p. 18). O elemento da juridicidade é importante por estabelecer limitações formais à atuaçã o estatal, além de garantir segurança jurídica. A qui, merecem destaque as palavras de J hering relembradas por C anotilho (1992, p. 362): “a forma é inimiga jurada do arbítrio e irmã gê mea da liberdade”.

A s leis sã o criadas, entretanto, pelo próprio E stado, através de sua funçã o legiferante, logo, faz-se indispensável em um E stado de D ireito a existê ncia de uma norma fundamental hierarquicamente superior, a C onstituiçã o, que estabeleça os limites a que estã o submetidos todos os poderes públicos ( governo sub lege), inclusive o Poder L egislativo. L ogo, para C anotilho (1992), o E stado de D ireito é necessariamente um E stado C onstitucional.

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núcleo o respeito e a promoçã o de tais direitos (C A NOT IL HO, 1992, online), sendo a garantia destes nã o só o real sentido da existê ncia da teoria do E stado de D ireito, mas também o que a legitima, visto que esta fórmula foi criada pela sociedade para atender à s suas aspirações (C A D E MA R T OR I, 2007). A ssim, conforme apregoa C ademartori (2007, p. X II) , “legitima-se o E stado de D ireito na medida em que atenda à s aspirações, bens e interesses que justificam a sua existê ncia”, e tais interessem sã o a necessidade de garantir o respeito aos direitos subjetivos dos indivíduos.

Os direitos fundamentais, portanto, devem estar positivados na C onstituiçã o e a atividade estatal, principalmente a legislativa, por sua vez, deve pautar-se na norma constitucional. A ssim, a “ideia do D ireito” (C A NOT IL HO, online, p.18), que se confunde com os direitos fundamentais, está acima do ordenamento jurídico e dos poderes políticos, o que justifica, por exemplo, a existê ncia de um controle de constitucionalidade das leis. A demais, a garantia de proteçã o dos direitos fundamentais legitima o E stado de D ireito. Nesse sentido, resume C anotilho (online, p. 19-20, grifo do autor):

A constitucionalizaçã o dos direitos revela a fundamentalidade dos direitos e

reafirma a sua positividade no sentido de os direitos serem posições juridicamente

garantidas e nã o meras proclamações filosóficas, servindo ainda para legitimar a

própria ordem constitucional como ordem de liberdade e justiça.

T odavia, é necessário ressaltar que nã o basta apenas consagrar os direitos em uma C onstituiçã o se eles nã o forem efetivados pela atividade estatal (seja na produçã o de leis, na execuçã o destas, na resoluçã o de conflitos, ou na fiscalizaçã o de constitucionalidade das normas) por meio da juridicidade estatal. C aso contrário, a C onstituiçã o será apenas simbólica e nã o será possível falar em E stado de D ireito (C A NOT IL HO, online).

Z olo (2006) fala, ainda, em dois princípios fundamentais por meio dos quais o E stado de D ireito busca atingir o seu objetivo de tutelar os direitos subjetivos em contraposiçã o à possibilidade de arbitrariedade do poder estatal. T ais princípios, que representam elementos característicos do E stado de D ireito e que se materializam através de diversos institutos, sã o a difusã o e a diferenciaçã o do poder. E sses mecanismos possibilitam a existê ncia do elemento da juridicidade trazido por C anotilho.

A difusã o do poder apregoa ser imprescindível para a primazia de um E stado de D ireito que nã o só o E stado seja titular de poder, mas também os indivíduos passem a ser titulares de direitos e poderes juridicamente reconhecidos e possíveis de serem exercidos até mesmo contra os órgã os estatais. ( Z OL O, 2006).

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possibilidades de materializaçã o do referido princípio. S ã o eles: a unicidade e individualidade do sujeito jurídico, que aduz ser o ordenamento jurídico formado por todos os indivíduos, sendo eles titulares de direitos, capazes de produzir consequê ncias jurídicas através de seus atos; a igualdade jurídica dos sujeitos individuais, que consiste na premissa de que todos sã o iguais perante a lei, mas, trata-se de uma igualdade jurídica formal e nã o substancial, visto que leva em consideraçã o as diferenças e desigualdades de fato, sendo iguais “todas as consequê ncias jurídicas de comportamentos jurídicos equivalentes” ( Z OL O, 2006, p. 38); a certeza do direito, que nada mais é do que a segurança jurídica, sendo indispensável que todos os indivíduos conheçam as leis ( estas devem ser acessíveis e claras) e sejam capazes de prever as consequê ncias jurídicas de suas atitudes e do comportamento de terceiros, além de abranger a garantia contra uma jurisdiçã o arbitrária (por meio, por exemplo, do princípio do juiz natural e da vedaçã o a tribunais de exceçã o); e o reconhecimento constitucional dos direitos subjetivos, em especial os civis (direitos de liberdade e propriedade) e os políticos (direito a participar ativamente do poder político), que é a razã o de ser do E stado de D ireito, sendo indispensável a possibilidade de fazer valer tais direitos na esfera do Poder J udiciário (Z OL O, 2006).

O princípio da diferenciaçã o do poder, por sua vez, subdivide-se, segundo Z olo (2006), em dois aspectos: o da autodiferenciaçã o do subsistema político-jurídico em relaçã o aos outros subsistemas funcionais (pelo seu alto grau de autonomia funcional, pelo sobressaimento do individualismo e pela positivaçã o do direito) e o da diferenciaçã o funcional interna ao subsistema político.

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subjetivos constitucionalmente definidos, visto que todos os órgã os estatais estã o submetidos à superioridade normativa da C onstituiçã o, sendo possível, inclusive, o exercício do controle de constitucionalidade das leis pelo Poder J udiciário; e, por fim, a autonomia do Poder J udiciário, bem como sua independê ncia hierárquica em relaçã o aos demais órgã os do poder político estatal, a fim de que as decisões emanadas pelos órgã os judiciários nã o estejam contaminadas pelas ideologias dos demais poderes estatais, de modo a garantir a igualdade jurídica e a J ustiça na resoluçã o dos conflitos individuais.

Nesse sentido, Maia, G. ( 2015, p. 11), afirma que o E stado de D ireito se configura quando

a organizaçã o e o exercício do poder político sã o juridicamente estruturados, de

maneira que os indivíduos estejam protegidos pela existê ncia prévia das normas e

instituições garantidoras de seus direitos e liberdades; e mais além, quando a própria

atividade estatal se submete a essas normas e instituições ordenadoras do exercício

do poder.

D e forma mais simplificada, S ilva (2010) fala em trê s postulados básicos do E stado de D ireito: submissã o ao império da lei, que deve ser elaborada por representantes do povo-cidadã o; divisã o de poderes ( L egislativo, E xecutivo e J udiciário), de maneira independente e harmônica; e enunciado e garantia dos direitos individuais.

D epois das considerações feitas acima, é fácil compreender que a razã o de ser do E stado de D ireito é a eliminaçã o do arbítrio no exercício dos poderes públicos, através e a fim de alcançar a garantia dos direitos individuais perante tais poderes (C A NOT IL HO, online).

2.4 E stado de nã o D ir eito

C anotilho (online), para chegar ao conceito e à s características do E stado de D ireito, busca antes discorrer sobre o que seria o seu antônimo, um E stado de nã o D ireito.

Para o autor, o E stado de nã o D ireito caracteriza-se quando o poder político nã o apresenta limites jurídicos e/ou o ordenamento jurídico nã o garante aos indivíduos liberdades mínimas em face do E stado (C A NOT IL HO, online).

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Os principais exemplos de institucionalizaçã o do E stado de nã o D ireito sã o os chamados E stados T otalitários

2

, como foram tanto os regimes nazifascistas quanto a experiê ncia comunista da Uniã o S oviética (C A NOT IL HO, online). C omo coloca C anotilho (online), nã o é porque havia um ordenamento jurídico no qual a atividade estatal se baseava (existindo, portanto, certeza do direito) que se tratava de um E stado de D ireito. Pensar o contrário é interpretar a teoria do E stado de D ireito de modo exclusivamente formalista, acreditando que o D ireito em um E stado de D ireito pode ser ideologicamente neutro, contendo normas puramente procedimentais. T odavia, como aduz Z olo (2006), as instituições e procedimentos formais em um E stado de D ireito sã o apenas instrumentos para se alcançar o seu verdadeiro objetivo, ao qual o próprio legislador está obrigado: a tutela dos direitos subjetivos.

Para Z olo (2006), o E stado de D ireito nã o é necessariamente um E stado de J ustiça, porque o seu objetivo nã o é alcançar a igualdade ou a justiça social (esse é o núcleo do E stado S ocial), mas sim garantir a “liberdade dos sujeitos individuais e a segurança de suas transações” ( Z OL O, 2006, p. 49), o que nã o era garantido nos E stados T otalitários tomados como exemplo, pelo menos nã o para todos os sujeitos.

J á C anotilho (online, p. 15) discorda, aduzindo que o E stado de D ireito “é, por definiçã o, um E stado de justiça”, e afirmar o contrário é entender o E stado de D ireito de modo puramente formal, legalista. Para o autor, o E stado de D ireito será um E stado de J ustiça se incorporar princípios e valores materiais que permitam aferir se as leis e instituições sã o justas ou injustas. L evando em conta tal pensamento, fica ainda mais fácil classificar os exemplos citados como E stados de nã o D ireito, pois o E stado de D ireito precisa ser um E stado de J ustiça e, para tanto, necessita ser um E stado de D ireito material e nã o apenas formal.

2.5 E stado de D ir eito L iber al X E stado de D ir eito S ocial

A ideia de E stado de D ireito volta a surgir com força na segunda metade do século X X , após o colapso dos E stados T otalitários. E ssa ideia emerge com a preocupaçã o de, depois de tantas violações aos direitos humanos antes e durante a S egunda Guerra Mundial, garantir, como colocado por Maia, G. (2015), a efetividade de direitos.

2

T otalitarismo pode ser definido como um “sistema de governo totalitário, que concentra todos os direitos e

regalias no E stado, excluindo sistematicamente as liberdades e prerrogativas individuais” ( MIC HA E L IS, online,

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C ontudo, antes dessa época, já existiam, ou haviam existido, diversas experiê ncias do E stado de D ireito, como elucidado anteriormente. E m um primeiro momento, que se confunde com o surgimento do primeiro E stado jurídico (ou de D ireito), marcado pelas revoluções liberais burguesas do final do século X V III ( com maior destaque para a R evoluçã o F rancesa de 1789), culminando com a ediçã o do C ódigo C ivil Napoleônico no início do século X IX , surgiu o E stado de D ireito L iberal (B ONA V ID E S, 2007b; MA IA , G., 2015), do qual sã o exemplos as quatro experiê ncias históricas mencionadas neste trabalho (todas com as suas contribuições em relaçã o a técnicas de limitaçã o do poder, a fim de garantir o exercício das liberdades em face do E stado).

E sse primeiro E stado de D ireito inaugura uma nova ordem político-jurídica, superando-se o absolutismo, com base na doutrina do liberalismo, que via no E stado e no poder estatal o maior inimigo à liberdade do indivíduo (BONA V ID E S , 2007b), motivo pelo qual precisava ser limitado.

A ideia de E stado é indissociável da ideia de poder, sendo aquele, conforme já esclarecido anteriormente, o detentor da soberania, do monopólio do poder e da coaçã o incondicionada ( B ONA V ID E S , 2007b). T odavia, o E stado seria, na expressã o de Hobbes, “um mal necessário” (MA IA , G., 2011). C onforme colocado por Z olo ( 2006), na teoria do E stado de D ireito, o poder é essencial para a manutençã o da ordem, garantindo a existê ncia da vida em sociedade, mas precisa ser controlado e limitado.

D e acordo com as teorias contratualistas, corrente do jusnaturalismo racional, o E stado é uma criaçã o da sociedade, sendo expressã o da vontade dos indivíduos que a compõem, a fim de substituir as liberdades naturais (desfrutadas na sociedade pré-estatal) por liberdades civis ( B ONA V ID E S , 2007b).

S egundo Maia, G. (2015, p. 14), “o J usnaturalismo é a escola de pensamento jurídico que afirma a necessidade de um fundamento metafísico para o D ireito”. E le se opõe, portanto, ao organicismo, que entende ser irrelevante a existê ncia de qualquer fundamentaçã o para o D ireito. Para os defensores desta última teoria, o E stado é um fim em si mesmo, confundindo-se com a própria sociedade, e o D ireito, por sua vez, confunde-se com as leis positivadas, sendo considerado D ireito tudo que advém da ordem ( e da vontade) estatal (MA IA , G., 2011).

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indivíduo. D e acordo com essa teoria, os indivíduos pactuam um acordo social para que o chamado estado natural origine um estado normatizado (MA IA , G., 2011).

K ant (1954, p 34-35 apud B ONA V ID E S , 2007b, p. 110), defensor da corrente contratualista, aduz que o D ireito “é o conjunto de condições mediante as quais a vontade de cada um pode coexistir com a vontade dos demais, segundo uma lei geral de liberdade”, enquanto o E stado é “a uniã o de uma multidã o de homens sob as leis do D ireito”.

L ogo, a criaçã o do E stado é uma concessã o da sociedade, que concorda em ter suas liberdades naturais limitadas pelo poder político em nome da harmonia social (MA IA , G., 2015, p. 13). E ntretanto, na gê nese do E stado de D ireito, qual seja, o E stado L iberal, o objetivo de tal concessã o é garantir as liberdades individuais de todos os membros da sociedade (B ONA V ID E S , 2007b). L imita-se, portanto, de forma consciente e deliberada, as liberdades, por meio da criaçã o do E stado de D ireito, a fim de, precipuamente, garantir o exercício das liberdades individuais, cuja principal ameaça, que antes era o comportamento do próprio homem, passa a ser justamente a tendê ncia do poder estatal a se tornar arbitrário (Z OL O, 2006).

A ssim, o E stado surgiu, como um consenso social de limitaçã o da vontade individual ao poder soberano em prol da harmonia social. J á o E stado de D ireito L iberal (primeira experiê ncia de E stado de D ireto) surgiu com o objetivo de atribuir “ao ordenamento jurídico a funçã o de tutelar os direitos subjetivos, contrastando a tendê ncia do poder político de dilatar-se, de operar de modo arbitrário e prevaricar” ( Z OL O, 2006, p. 31).

Nesse E stado de D ireito, a liberdade protegida é uma liberdade negativa, marcada pela distanciaçã o do indivíduo perante o E stado, por uma “liberdade de defesa”, nas palavras de C anotilho (online). Há, com esse modelo, o surgimento de um sistema de garantias de direitos individuais (MA IA , G., 2015), tais como o direito à propriedade privada, à vida e à liberdade, bem como de controle do poder estatal, principalmente, por meio do mecanismo de separaçã o dos poderes ( MA IA , G., 2011).

Nesse contexto, o poder do E stado é limitado em face da autonomia pessoal por tais garantias previstas em lei. O E stado L iberal contrapõe-se, assim, ao E stado absolutista, aos resquícios do E stado feudal (C A NOT IL HO, 1992).

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formal, mas também a justiça social. (MA IA , G ., 2015). Isto se deu, conforme Maia, G., (2015, p. 21), em razã o da “constataçã o de que a consagraçã o formal de liberdade e igualdade nã o gerava a garantia do seu efetivo gozo”, além da disseminaçã o de ideais socialistas.

C omo aduziu B obbio (1992), as condições sociais fazem nascer os direitos, que surgem com a finalidade ou de impedir os malefícios dos poderes constituídos ou de obter seus benefícios. No primeiro grupo, encaixam-se os direitos de liberdade, no segundo, os direitos sociais.

D essa forma, o E stado de D ireito L iberal passou por transformações estruturais, surgindo, na primeira metade do séc. X X , a ideia de E stado de D ireito S ocial, no qual o E stado passa a intervir na economia (a fim de dar-lhe um conteúdo mais social), aspirações sociais sã o incorporadas na legislaçã o e é adotada a democracia na ordem política (MA IA , G., 2015).

A lém dos direitos civis e políticos, de primeira dimensã o

3

, o E stado passa, entã o, a tutelar os direitos sociais, de segunda dimensã o, que exigem prestações estatais positivas, ao contrário daqueles unicamente protegidos no E stado L iberal, que exigem obrigações negativas por parte dos órgã os públicos, de abstençã o. S ã o exemplos de direitos sociais o direito ao trabalho, à saúde, à educaçã o, à habitaçã o, à assistê ncia e à previdê ncia social, entre outros (Z OL O, 2006).

C omo sintetiza Maia, G . (2015, p. 22-23), “a segurança social se harmonizaria com a segurança jurídica”, e nã o se trataria mais de “liberdade perante o E stado e sim de liberdades por meio do E stado, ou seja, liberdades materiais concretas”.

E nquanto K ant define liberdade como sendo a liberdade de agir segundo leis (MA IA , G., 2011), B onavides (2007b) fala em uma liberdade ética, na transiçã o do E stado L iberal para o E stado Social que seria a liberdade como igualdade de oportunidades. E m um

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Segundo B onavides ( 2007a) , os direitos de primeira dimensã o sã o os direitos civis e políticos, que sã o direitos

da liberdade oponíveis ao E stado, direitos de resistê ncia ( direito à vida, à liberdade, à propriedade e à

participaçã o no exercício do poder político) e foram os primeiros direitos fundamentais a serem incorporados à s

C onstituições, concomitantemente ao surgimento do E stado de D ireito L iberal. J á, a partir do séc. X X , com a

crise do liberalismo, surgiram, atrelados ao princípio da igualdade, os direitos de segunda dimensã o: os direitos

sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos. No final do séc. X X , emergiram o chamados

direitos de terceira dimensã o, que nã o se destinam à proteçã o de um indivíduo ou um grupo determinado, mas de

todo o gê nero humano. Sã o denominados direitos da fraternidade ou da solidariedade, sendo exemplos, segundo

B onavides ( 2007a) , o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o

patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicaçã o. B onavides (2007a) fala, ainda, em direitos de

quarta dimensã o, oriundos da globalizaçã o econômica e política, dos quais seriam exemplo o direito à

democracia, o direito à informaçã o e o direito ao pluralismo. F rise-se que as diferentes dimensões de direitos,

apesar de terem surgido em momentos e contextos distintos, nã o sã o excludentes. O que ocorre é uma ampliaçã o

do rol de direitos fundamentais institucionalizados e nã o a superaçã o dos direitos das gerações antecedentes, até

porque estes servem de base para a luta por novos direitos ( B ONA V ID E S , 2007a) . Nã o se pode falar em direitos

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E stado de D ireito S ocial, deve-se, portanto, buscar a liberdade ética, por meio da intervençã o estatal na esfera do bem-estar da populaçã o (C A NOT IL HO, online). B onavides (2007b, p. 185), por sua vez, caracteriza o E stado S ocial como sendo “mitigador de conflitos sociais e pacificador necessário entre o trabalho e o capital”.

É importante salientar que o E stado S ocial nã o é o oposto de E stado L iberal, visto que aquele conserva a sua adesã o à ordem capitalista (fala-se, inclusive, em neocapitalismo), diferindo, assim, do E stado S ocialista (BONA V ID E S , 2007b). L ogo, é essencial distinguir esses dois E stados (Social e S ocialista).

O socialismo é um modelo econômico que surge para se opor ao liberalismo econômico, que, por sua vez, difere-se do E stado de D ireito L iberal. O modelo econômico liberal é marcado pela ausê ncia de regulaçã o na atividade econômica, enquanto o modelo socialista apregoa a estatizaçã o dos meios de produçã o (MA IA , G., 2011).

A pesar de tanto o E stado S ocialista quanto o E stado S ocial defenderem uma maior interferê ncia do E stado na economia, esta intervençã o se dá de forma bastante distinta: no primeiro caso, o E stado passa a ser o detentor dos meios de produçã o, nã o havendo espaço para livre iniciativa, enquanto, no segundo caso, a intervençã o é basicamente jurídica, com a ediçã o de normas de regulaçã o da economia a fim de alcançar a justiça social e a paz econômica, de forma a minimizar a luta de classes e a desigualdade econômica características do capitalismo (B ONA V ID E S , 2007b).

L ogo, E stado L iberal e E stado S ocial apresentam diferenças, mas nã o sã o sistemas incompatíveis e totalmente antagônicos. A o contrário, o E stado S ocial se origina de uma transformaçã o do E stado L iberal, sendo considerado por B onavides (2007b) o segundo E stado de D ireito.

C anotilho (online) e B onavides (2007b) alertam para críticas ao E stado S ocial: além das críticas feitas pelos defensores do abstencionismo estatal, que acreditam que o E stado deve se ausentar completamente de intervir na ordem econômica e social, é possível acreditar que o E stado S ocial, através de seus mecanismos interventores, ameaça as liberdades individuais (C A NOT IL HO, online).

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Maia, G. (2011, p. 40) defende a compatibilidade do E stado S ocial com o E stado de D ireito:

A liberdade nã o é um bem humano passível de ser perdido: no E stado de D ireito

Social o que se há de mudar é o seu sentido de acordo com a realidade social.

R eserva-se para o E stado o direito de fixar li mites da açã o individual, cabendo-lhe

harmonizar os bens particulares com o bem comum, ou seja, mantém o E stado de

D ireito. À segurança jurídica, como confiança garantida na vigê ncia do direito em

sua administraçã o imparcial e justa, deve ser acrescido o valor da justiça social que

responda à s transformações urgentes do nosso tempo. ( grifo do autor).

A o contrário do que pode parecer em um primeiro momento, o E stado S ocial é plenamente compatível com o E stado de D ireito, pois é possível compactuar a defesa das liberdades individuais através de instituições e mecanismos limitadores do poder estatal com a tutela de uma ordem social justa.

Portanto, consoante entendem B onavides (2007b), C anotilho (online), Maia, G. (2011, 2015), e S ilva (2010), nã o só o E stado L iberal pode ser chamado de E stado de D ireito, mas o E stado S ocial também é compatível com o E stado de D ireito, desde que preencha as características desta fórmula político-jurídica já expostas no presente estudo.

C anotilho (online) vai além e afirma que o E stado de D ireito só é de D ireito se for social, visto que se vive uma época de “agressividade social”, de modo que o E stado de D ireito S ocial busca “tornar compatível o desenvolvimento econômico com uma ordem social justa na qual se definam antecipadamente as dimensões constitucionais e essenciais dessa ordem, em vez de se acreditar nos acertos resultantes da mera concorrê ncia de forças econômicas” (C A NOT IL HO, online, p. 13-14).

2.6 D emocr acia, cidadania e defesa dos dir eitos fundamentais

Goyard-F abre (2003) atenta que a tarefa de definir e caracterizar a democracia nã o é fácil, pois, apesar de tal regime político estar presente desde a Grécia A ntiga e ser, atualmente, extremamente difundido e adotado em quase todos os países do mundo, a sua aplicaçã o prática carece de unicidade.

A ssim, o modo como a democracia é institucionalizada varia bastante nos mais diversos E stados. F ala-se em democracia representativa, governada, governante, consciente, liberal, socialista, popular, plural, constitucional, parlamentar, pluripartidária, entre outras (GOY A R D -F A B R E , 2003).

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formaçã o da vontade estatal”. A ssim, a democracia é uma “forma de governo em que os destinatários participam da produçã o das normas” (OL IV E IR A , 2013, p. 138).

O difundido conceito de L incoln de democracia como sendo o governo do povo (o povo é a fonte e o titular do poder), pelo povo (o exercício do poder se baseia na vontade, no consentimento popular, que legitima tal poder) e para o povo (o objetivo do governo é libertar o povo do autoritarismo e garantir aos indivíduos segurança e bem-estar, por meio da liberdade e da igualdade substancial) (S IL V A , 2010), apesar de correto e esclarecedor, nã o é suficiente para defini-la, visto que a palavra povo pode possuir diversas conotações (GOY A R D -F A B R E , 2003).

A democracia surgiu na Grécia A ntiga, por volta do século V I a.C ., e tratava-se de uma democracia direta, na qual todos os cidadã os exerciam o poder diretamente, sem nenhum intermédio. T odavia, nesse sistema desenvolvido na C idade-E stado A tenas, o governo do povo nã o coincidia com um governo de todos, pois apenas participavam da vida política aqueles que eram considerados cidadã os, que representavam somente uma pequena parcela da populaçã o (os escravos, as mulheres e os estrangeiros nã o se incluíam entre os cidadã os) (GOY A R D -F A B R E , 2003).

E nquanto, em A tenas, havia uma democracia direta, na qual os cidadã os exerciam o poder político sem intermediários, as democracias atuais sã o indiretas (nos dias de hoje, em razã o das dimensões territoriais e demográficas, é impensável a existê ncia de uma democracia direta), de modo que a fonte do poder é a vontade, o consentimento do povo, (GOY A R D -F A B R E , 2003). D e qualquer forma, o povo é o cerne da democracia, porém quem é o povo?

Goyard-F abre (2003) adverte que a democracia nã o é uma forma de regime político claramente definida que se encaixa na trilogia dos governos proclamada pela doutrina, qual seja, monarquia como governo de um só, aristocracia como governo dos melhores (um pequeno número) e democracia como governo de todos. C omo visto, o governo do povo, em muitos E stados que se proclamaram/proclamam democráticos, nã o se confunde com governo de todos.

D esde o surgimento do regime democrático, o conceito de povo está intimamente ligado à ideia de cidadania, que é, para Goyard-F abre (2003), o substrato da democracia, visto que os titulares do poder político nas democracias (o povo) sã o os cidadã os. C idadã o, por sua vez, é aquele que detém a cidadania, cujo conceito também é divergente.

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democracia, como se deu em A tenas. E sta nã o é, porém, a tendê ncia dos regimes que se intitulam democráticos atualmente. Pelo contrário, o entendimento atual é de que a cidadania tem que ser um conceito amplo para que se possa falar em democracia de fato.

L ogo, o conceito moderno de cidadania é mais amplo do que o de titular de direitos políticos (estes, por sua vez, devem ser estendidos a todas as pessoas), justamente porque para o exercício pleno desses direitos e, consequentemente, para a submissã o do E stado à vontade popular de fato (essa vontade precisa ser livre e consciente), é imprescindível que o cidadã o seja uma pessoa integrada na sociedade social e economicamente (S IL V A , 2010).

A C R F B /88 enuncia que no B rasil adota-se uma democracia semi-direta ( art. 1º , parágrafo único), ou seja, uma democracia representativa (o povo exerce a sua soberania indiretamente, por meio de representantes eleitos) com mecanismos de participaçã o direta (que tornam a democracia brasileira ainda mais democrática). A demais, elenca a cidadania como um dos fundamentos do E stado D emocrático de D ireito.

O texto constitucional brasileiro adota, em div ersos dispositivos, um conceito amplo de cidadania, estabelecendo nã o só uma capacidade eleitoral ativa e passiva universal, mas também conferindo a todos os indivíduos os direitos fundamentais da pessoa humana, a fim de que todos tenham condições dignas de vida para que seja possível o pleno exercício da cidadania (MA IA , C ., 2008).

D allari (2003) sustenta que enquanto houver pessoas excluídas da cidadania, tanto legalmente quanto formalmente (porque a falta de efetivaçã o de condições dignas de vida impede que sejam tomadas decisões realmente livres) nã o poderá existir uma sociedade democrática.

S egundo L opes (2006), a cidadania deve ser concebida como um direito fundamental individual de todas as pessoas para que seja possível a construçã o de uma sociedade justa, livre e solidária.

Goyard-F abre (2003) aponta outra dificuldade encontrada na definiçã o da democracia: por vezes, fala-se em democracia antiga contrastando-se com a ideia de democracia moderna, como se tratassem de dois conceitos totalmente distintos. Quando, pelo contrário, conforme explica (G OY A R D -F A B R E 2003, p. 3-4),

a noçã o moderna de democracia, longe de rejeitar, no campo institucional, os

parâmetros estabelecidos pelas democracias antigas, pelo contrário as refinou e

remodelou a fim de enriquecer o seu sentido e conseguir, do ponto de vista teórico,

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A ssim, Goyard-F abre (2003) acredita que as democracias das diferentes épocas (da A ntiguidade até os dias atuais), independentemente de como se denominam e se classificam (direta, participativa, etc.), possuem o mesmo espírito: as mesmas virtudes e os mesmos defeitos.

S egundo Goyard-F abre ( 2003), a sociedade e os indivíduos, em geral, vê em na democracia um regime político positivo, que traz segurança ao povo e que deve ser adotado. T odavia, a autora sustenta que esse regime já nasceu dotado de ambivalê ncia e assim permanece até hoje, lembrando que foram em regimes ditos democráticos que ocorreram terríveis matanças étnicas em regiões em desenvolvimento (GOY A R D -F A B R E , 2003).

A democracia ateniense, que nã o era o governo de todos e nem o governo da maioria, logo expressou “uma contradiçã o fatal entre sua constituiçã o interna e suas ambições externas” (GOY A R D -F A B R E , 2003, p. 11), visto que, enquanto no âmbito interno adotava-se um regime democrático, no âmbito externo, praticava-se o imperialismo

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.

A lém dessa ambiguidade, muitas outras críticas foram feitas à democracia grega após o seu fracasso, no séc. IV a.C .: Platã o e A ristóteles, por exemplo, afirmaram que havia uma tendê ncia ao anarquismo nesse regime político, pois todos teriam a pretensã o de comandar, de modo que ninguém obedeceria ( GOY A R D -F A B R E , 2003).

A ambivalê ncia que permeia a democracia desde o seu surgimento, bem como as críticas e os elogios (benefícios e malefícios) a esse regime político, permanecem válidos para as democracias atuais, mesmo com suas inúmeras diferenças (G OY A R D -F A B R E , 2003). Goyard-F abre (2003) destaca que dois aspectos principais da democracia se perpetuaram no tempo e nas mais diversas experiê ncias históricas desse sistema, sendo essenciais para entender o que é a democracia: o regime democrático garante a presença dos governados no exercício do poder político, mas, ao fazê -lo, transporta para a esfera política as conflituosas paixões humanas, de modo que “no mesmo movimento que suscita a esperança da liberdade e da igualdade faz pesar sobre a C idade as ameaças de desrazã o que o desejo insaciável do povo introduz na razã o” (GOY A R D -F A B R E , 2003, p. 13).

E ssa ambiguidade presente na ideia de soberania do povo, conforme aduz G oyard-F abre (2003), é geradora de esperanças e ameaças: esperança de que a democracia pode levar o povo e o seu governo a coincidirem, e ameaça de que esse regime possa tornar-se uma anarquia, pois à medida que a soberania pertence a todos, ninguém detém a autoridade

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Imperialismo refere-se a “E xpansã o ou tendê ncia para a expansã o do poder político e econômico de uma naçã o

ou E stado sobre outro; [...] S istema de governo que busca expandir-se e dominar países mais fracos sob o ponto

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política e, logo, ninguém obedece (todos comandam e legislam). D esse modo, parecia impossível que o povo possuísse aptidã o para se autogovernar, criando para si leis justas.

A s democracias atuais sã o dotadas de pluralismo, de modo que todos os indivíduos podem se expressar livremente (por meio do sufrágio ou de outras manifestações políticas) e participam do exercício do poder por meio de seus representantes eleitos. T odavia, Goyard-F abre (2003) sustenta que justamente o pluralismo, que é uma das virtudes da democracia, é também o seu defeito. S egundo ela, as diversidades de individualidades existentes na democracia causam uma desordem, que é o oposto da liberdade. E ntretanto, a imperfeiçã o causada por essa ambiguidade é inerente à democracia, pois é inerente à natureza humana, cuja vontade é o núcleo do regime democrático.

No séc. X IX , a ideia de democracia evoluiu e ganhou novos contornos, enraizando-se de tal forma nas civilizações modernas que passou a designar nã o mais apenas um regime político, mas também um fato social, denominado por Goyard-F abre (2003) como fato democrático, que caracteriza a potê ncia ativa do povo no espaço públi co, uma maneira de ser da sociedade. L ogo, o conceito de democracia, hoje, vai muito além de um governo, sendo um regime, uma forma de vida e um processo (G OY A R D -F A B R E , 2003).

A democracia é, portanto, um processo (histórico) de convivê ncia social (nã o se resumindo, portanto, a um regime político, mas correspondendo também a um modo de vida, em que os indivíduos devem respeitar e tolerar os conviventes) em que o poder emana do povo, sendo exercido pelo povo e em proveito do povo (S IL V A , 2010).

C omo aduz Maia, G. (2011, p. 37), a democracia é um “regime do consenso” necessário para tornar possível a convivê ncia social, sendo mais que um modelo de E stado, um princípio de orientaçã o aos governos.

A liberdade e a igualdade sã o fundamentos da democracia, ao mesmo tempo que representam finalidades que o regime democrático objetiva alcançar. Nas palavras de S ilva (2010, p. 132), “a democracia é o regime de garantia geral para a realizaçã o dos direitos fundamentais do homem”. Para S ilva (2010), a soberania popular (que nada mais é do que o povo como única fonte de poder), e a participaçã o do povo no poder ( o exercício de sua soberania), de forma direta ou indireta, sã o os princípios fundamentais da democracia.

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fundamentais da pessoa humana, como realizaçã o de valores (igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana) da convivê ncia humana.

A democracia é um regime em que o povo ( cidadã os em sentido amplo) participa ativamente da formaçã o da vontade estatal e do exercício dos poderes políticos, devendo ser respeitada a vontade da maioria. T odavia, na democracia, a liberdade e os demais direitos fundamentais de todos ( em sentido amplo) precisam ser respeitados. A democracia é, assim, um regime do consenso, mas também da tolerância e do respeito, em que os direitos fundamentais sã o efetivados.

Para finalizar, S ilva (2010, p. 119-120) resume como deve ser a democracia no E stado D emocrático de D ireito brasileiro:

A democracia que o E stado D emocrático de D ireito realiza há de ser um processo de

convivê ncia social numa sociedade livre, justa e solidária ( art. 3º ,I) , em que o poder

emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por

representantes eleitos ( art.1º , parágrafo único); participativa, porque envolve a

participaçã o crescente do povo no processo decisório e na formaçã o dos atos de

governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e

pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a

possibilidade de convivê ncia de formas de organizaçã o e interesses diferentes da

sociedade; há de ser um processo de liberaçã o da pessoa humana das formas de

opressã o que nã o depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos

individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigê ncia de condições

econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.

2.7 E stado de D ir eito X E stado D emocr ático

A pós as considerações feitas sobre E stado de D ireito e sobre a democracia, é oportuno harmonizar os dois conceitos para se chegar à fórmula E stado D emocrático de D ireito.

C anotilho (online) e Z olo (2006) alertam que há quem acredite que democracia e E stado de D ireito sã o ideias incompatíveis. C anotilho (online) afirma que E stado de D ireito e democracia sã o duas formas distintas de compreender a cidadania e a autodeterminaçã o individual: “indivíduo autônomo perante o poder, eis o tema do E stado de direito; indivíduo livre através da participaçã o autônoma na cidade, eis o lema da democracia” (C A NOT IL HO, online, p. 02). A ssim, aparentemente os valores de liberdade defendidos nesses dois conceitos seriam antagônicos: enquanto no E stado de D ireito tem-se uma liberdade negativa, de distanciaçã o do E stado, limitando-o; na democracia, fala-se em uma liberdade positiva, baseada na participaçã o política do cidadã o.

Referências

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