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A política das seringas: ser ou não ser?

No documento Vozes Contra o Silêncio (páginas 64-66)

Como anunciámos no último SOS-Prisões, a Direcção da ACED tomou como seus dois objectivos políticos:

1. Desenvolver a possibilidade de propor um Provedor para as Prisões, com o objectivo de ajudar a reduzir os desmandos do Sistema Prisional, denunciados oficialmente pelo Conselho da Europa e pelo Presidente da República,

2. Encontrar as formas de passar a responsabilidade médica e sanitária nas prisões para o Sistema Nacional de Saúde e o Ministério da Saúde, à semelhança do que já acontece com o Ministério da Educação, no respectivo âmbito de competências.

Pensámos informar as autoridades desse nosso desiderato e atender à sua sensibilidade ao assunto. Como no Ministério da Justiça não somos recebidos, decidimos pedir audiências na Assembleia da República.

Como temos muito pouco recursos, como sucede numa lógica de mercado, qualquer iniciativa sai-nos sempre mais cara do que sairia se fossemos ricos em recursos. Quer dizer: à medida que formos definindo políticas claras e formos persistindo nelas, cada vez será menos difícil atingir objectivos. Para já tudo é muito lento. Ainda não sabemos a quem nos dirigirmos para obter um resultado mais eficaz. Demora muito tempo a obtermos uma colaboração profissional, neste caso de um jurista informado sobre os assuntos em causa, por forma a sermos capazes de produzir propostas legislativas. Assim poder- se-ia “fazer a papa”, digamos assim, aos Srs. Deputados que se dispusessem a apoiar uma e outra iniciativa. Tais objectivos, por razões práticas, porque custariam menos tempo de trabalho e reflexão aos deputados, subiriam na escala de prioridades, com mais hipóteses de serem rapidamente consideradas na agenda política.

Apetece-nos gritar contra os representantes do povo que não nos ajudam! Apetece-nos gritar contra nós próprios por não conseguirmos ser mais eficientes! Como era mais cómodo quando as prisões eram, para nós, apenas uma história de polícias e ladrões das páginas do jornal ou o castigo merecido de um criminoso, em vez de um grito magoado de Reclusão com Direitos, envolto em histórias inconfessáveis que todos conhecem.

Gritemos, então. Mas, além disso, devemos ser corajosos o suficiente para persistir, não largar o osso. Cá vamos publicando o nosso segundo ano de SOS-Prisões e já somos um jornal (a propósito, já contribuiu com as assinaturas de TODOS os seus amigos?).

A mesma receita deve ser seguida na política. Persistir, encontrar as formas de obter alguns resultados, mesmo que mais curtos do que aqueles que ambicionamos. Afinal querer a Liberdade não é uma ambição desmedida?

Estava nestes pensamentos quando toca o telefone. Um jornalista perguntou-me pela Amnistia.

— Foi concedida? — taralhoco como estava, não percebi nada.

Queria saber que medidas íamos tomar pelo facto de ter passado a oportunidade do 25 de Abril e de não ter acontecido a Amnistia. Pareceu-me pergunta para fazer ao Governo e ao Sistema Prisional, que deveriam ser os primeiros interessados em atenuar o problema da superlotação das cadeias. “Vamos persistir até que a Amnistia aconteça. A data para nós não é importante, desde que seja a mais próxima possível”. Então o que é que andam a fazer? Olha, a ver se temos Provedor, a ver se temos Saúde igual aos outros concidadãos. Mostrou-se mais interessado pela Saúde. Conversámos e fez sair uma notícia sobre a nossa conversa.

Temos que nos preparar melhor para utilizar o interesse dos jornalistas para a nossa causa, o respeito dos Direitos Humanos e do Estado de Direito nas prisões. Conforme formos persistindo, mais fácil será, para nós, comunicar com a Comunicação Social.

Este mês, até os deputados mostraram interesse em assuntos prisionais. Há cerca de dois anos estive no Parlamento, no dia da votação da Amnistia. Impressionou-me a impotência dos poderosos, que não se consegue distinguir da hipocrisia. Todos os parlamentares com quem falámos se mostraram conhecedores e sensibilizados sobre a vida que se passa nas prisões. Todos nos responderam que o ambiente político não era propício a defender a dignidade ... nacional. Claro que os primeiros a sofrer são os presos e os guardas. Mas, desde então, a história já mostrou como a autoridade do Estado é humilhada pelas “falhas de informação” prisional. Foi vítima Jorge Sampaio e, ficámos também a saber, que a outros Presidentes antes dele já tinha acontecido o mesmo sem que isso tivesse transpirado para a Comunicação Social.

Que foi feito para melhorar a informação sobre os reclusos depois que o relatório da Provedoria de Justiça denunciou como grave essa falta absoluta do Sistema? É que os primeiros a sofrer com a falta de informação fiável dentro do Sistema Prisional são os reclusos, que por falta de possibilidade de aplicação de critérios racionais e tão neutros quanto possível, à falta de informação, se vêm sujeitos a decisões mal fundadas e arbitrárias, propiciando más utilizações do poder — independentemente da boa ou má-fé dos intervenientes, prisioneiros, guardas ou responsáveis.

A impotência dos poderosos é real. O Sistema Prisional é um sistema fechado, que se pretende manter fechado, por razões de segurança, vespeiro em que poucos se atrevem a tocar. Há trinta anos intocável, produz hoje em dia um sistema aleatório de penas de morte — de facto — dada a incúria com que se tratam as doenças na prisão, como chamou a atenção Luís Salgado Matos no jornal Público. Por isso devemos saudar a iniciativa corajosa e consensual de

um grupo de deputados de todas as bancadas parlamentares para criar condições de exercício do direito aos cuidados de saúde básicos pelos reclusos, através da organização de distribuição de seringas. Eles vão precisar de persistência para ultrapassarem a oposição do Ministério da Justiça. Também os reclusos terão que lutar, de seguida, em condições bem mais difíceis, para que a experiência possa ser um sucesso, apesar das reticências oficiais. Pela nossa saúde ...

ANTÓNIO PEDRO DORES

SOS-Prisões Junho 1998

Não precisamos de anúncios de políticas humanistas;

No documento Vozes Contra o Silêncio (páginas 64-66)