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Política Educacional: Um Campo de Disputa de Poder

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2 POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE (1988-2016): CONCEITUAÇÃO

2.2 Política Educacional: Um Campo de Disputa de Poder

Uma releitura atenta da história de formação de professores permite perceber como a educação se deu enquanto um processo político complexo e cheio de reviravoltas, por meio de disputas de poder entre grupos que almejavam através da conquista de mais espaço e hegemonia no campo educacional, controlar a definição das finalidades da educação. As políticas de formação docente trazem em si as peculiaridades de cada época, revelam as pressões sociais e as disputas de interesses dos grupos que participaram de sua formulação.

Nas sociedades antigas, como a grega, poder e política já existiam inscritos na maneira como os sujeitos definiam seus interesses e configuravam a vida em comum. O Estado ideal ou real representava o monopólio intelectual e político da classe dominante, sendo concebido a partir da visão de mundo de um grupo específico. Mesmo com a aspiração pela coletividade e pela perseguição do bem comum foram impressas na história marcas de uma sociedade desigual, que não compreendia os direitos como constitutivos de todos, mas privilégios de alguns, como a educação e a participação política.

Nas sociedades atuais onde já estão bem delineados os Estados, os governos, as leis e os sistemas políticos, a radicalidade filosófica da questão da polis no sentido da fecundidade e da profundidade do conhecimento político se desfigurou em outra radicalidade onde a disputa político-partidária pelo poder e pela dominação definem o destino da vida cotidiana e reforçam as barreiras necessárias para a existência da desigualdade.

Através da noção de campo é possível pensar o mundo social de maneira que as relações imediatamente visíveis entre os agentes envolvidos podem disfarçar o fato de que a posição por eles ocupada é que determina estas interações (BOURDIEU, 2005). A posição que os agentes ocupam, a quantidade de poder que acumulam e a autoridade que reveste suas ações a partir do momento que passam a ocuparem cargos diferenciados na estrutura político- administrativa, influenciam diretamente o processo decisório e elaboração de políticas educacionais.

Pensar as políticas de formação como constitutivas de um campo (político- educacional) significa considerar que elas não estão isoladas do conjunto de relações que o caracterizam (BOUDIEU, 2005). Relações estas, que, neste caso, estão baseadas em uma busca pelo monopólio de poder e nesta busca o campo e a trajetória dos agentes vão sendo estruturadas.

A estrutura do campo [...], que está no princípio das estratégias destinadas a transformá-la, está ela própria sempre em jogo: as lutas cujo lugar é o campo têm por parada em jogo o monopólio da violência legítima (autoridade específica) que é a característica do campo considerado, quer dizer em última análise, a conservação ou a subversão da estrutura [...] (BOURDIEU, 2003, p.120).

O poder é a capacidade, a disposição de meios e recursos que provém de um acúmulo de força a partir da posição que os agentes ocupam na estrutura político-administrativa e de todas as vantagens que ela proporciona. O poder se configura como uma capacidade de intervenção qualificada pela autoridade em diferentes níveis; teoricamente quanto maior a

56 autoridade, maior a capacidade de influenciar e intervir. O poder confere ao agente em menor ou maior grau a possibilidade de voto, de realizar ações de influência e pressão sobre as decisões, a posse de instrumentos e mecanismos operacionais para atingir seus objetivos e defenderem seus interesses, uma série de recursos como “[...] influência, capacidade de afetar o funcionamento do sistema, meios de persuasão, votos, organização, etc” (RUA, 1998, p.236).

No universo educacional de Seropédica, município locus desta investigação, a disputa de poder investigada é a que se dá entre a Secretaria de Educação e o Sindicato dos Profissionais de Educação em torno das políticas de formação docente. Este foi o universo de participantes escolhido para identificar as repercussões destas políticas no município. Com posições tradicionalmente opostas, estas instituições estão em constante disputa para definirem a formação docente e como as políticas públicas desta área são pensadas, aplicadas, avaliadas e modificadas. Este campo interage com um maior, que é o da política-educacional nacional, de onde são estabelecidade determinações e diretrizes para a organização, gestão e política da educação.

A política da educação constitui um campo de lutas de diferentes grupos pela definição, conservação e transformação das estruturas que asseguram práticas e tomadas de decisões.

É somente com referência ao espaço de disputa que as define e que elas visam a manter ou a redefinir, enquanto tal, mais ou menos completamente, que é possível compreender as estratégias individuais ou coletivas, espontâneas ou organizadas, que visam a conservar, transformar, transformar para conservar ou, até mesmo, conservar para transformar (BOURDIEU, 2007, p.175).

A questão dos limites do campo serviu para facilitar o recorte teórico desta pesquisa e para traçar a dimensão de investigação do objeto de estudo; “[...] o limite do campo é o limite dos seus efeitos ou, em outro sentido, um agente ou uma instituição faz parte de um campo à medida que nele sofre efeitos ou que nele os produz [...]” (BOURDIEU, 2005, p.31). Todavia o conceito de limite no sentido restrito afeta as instituições e os agentes envolvidos diretamente com as políticas de formação (SMECE e SEPE-SP). No sentido amplo, envolve toda a população do município, principalmente por sofrer os efeitos deste campo. Obviamente que no campo educacional existem outros atores, como os dirigentes escolares, os professores, os estudantes e suas famílias, não necessariamente organizados, mas estes não foram o foco deste estudo.

Como campo de poder, o campo educacional constitui-se em um microcosmo, um sistema estruturado de posições de influência.

Entendo por tal as relações de forças entre as posições sociais que garantem aos seus ocupantem um quantum suficiente de força social [...] de modo a que estes tenham a possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do poder [...] (BOURDIEU, 2005, p.28-29).

Apesar de Bourdieu (2005) apontar uma ruptura com a teoria marxista, tece considerações importantes sobre as lutas de classes existentes na sociedade, que se relacionam

57 com as relações estabelecidas no campo político-educacional.

Com base no conhecimento do espaço das posições, podemos recortar classes no sentido lógico do termo, quer dizer, conjuntos de agentes que ocupam posições semelhantes e que, colocados em condições semelhantes e sujietos a condicionamentos semelhantes, têm, com toda a probabilidade, atitudes e interesses semelhantes, logo, práticas e tomadas de posição semelhantes (BOURDIEU, 2005, p.136).

Em se tratando da luta de classes, é preciso considerar, inevitavelmente, que com a Revolução Industrial e a formação do Estado capitalista houve a necessidade de mediação dos conflitos entre capital e trabalho, com a tendência hegemônica de favorecer sempre o capital, que foi colocado como centro da agenda política-educacional.

É assim que a evolução recente do trabalho industrial no sentido limite indicado por Marx, isto é, no sentido do desaparecimento do trabalho <<interessante>>, da <<responsabilidade>> e da <<qualificação>> (com todas as hierarquias correlativas) é percebida, apreciada e aceite de modo muito diferente, consoante se trate daqueles que, pela sua antiguidade na classe operária, pela sua qualificação e os seus <<privilégios relativos>>, são levados a defender <<as conquistas>>, quer dizer, o interesse pelo trabalho, a qualificação, mas também as hierarquias e, deste modo, uma forma de ordem estabelecida; ou daqueles que, nada tendo a perder por não serem qualificados e já estarem próximos de uma realização popular da quimera populista [...], são mais dados à radicalização das lutas e à contestação de todo o sistema; ou ainda daqueles que, também eles totalmente desprovidos – como os operários de primeira geração, as mulheres e, sobretudo, os imigrantes -, têm uma capacidade de tolerância à exploração que parece ser de outra época (BOURDIEU, 2005, p.98-99).

A partir daí as posições ocupadas pelos agentes e as relações de trabalho se tornaram importantes caminhos para compreensão das ações dos governos no campo educacional, a forma como o trabalho passou a ser concebido ocasionou sua descaracterização; descaracterização do trabalho educativo e do trabalhador em educação.

Deste modo as condições de trabalho mais alienantes, mais repugnantes, mais próximas do trabalho forçado, são ainda apreendidas, assumidas e suportadas por um trabalhador que as percebe, as aprecia, as ordena, as acomoda e se lhes acomoda em função de toda a sua história própria e até mesmo da sua descendência. Se a descrição das condições de trabalho mais alienantes e dos trabalhadores mais alienados soa frequentemente a falso – e, antes e mais, porque ela permite que se compreenda que as coisas sejam e continuem a ser o que são – é porque, funcionando na lógica da quimera, ela não consegue explicar o acordo tácito estabelecido entre as condições de trabalho mais desumanas e os homens que estão preparados para as aceitar por terem condições de existência desumanas (BOURDIEU, 2005, p. 96).

Assim, com a introdução da racionalidade técnica e econômica na organização das relações de trabalho e devido à primazia que a escola possui na formação dos sujeitos para atuarem no mercado de trabalho, o campo político-educacional tornou-se um espaço

58 privilegiado de imposição de uma ordem do mundo social e as políticas de educação podem significar a materialização da imposição de modelos de formação dos sujeitos, criados para corresponderem às necessidades do mundo do trabalho e aos mercados que visam à geração riqueza e o lucro. Neste sentido, o espaço social pode ser compreendido como

[...] um espaço multidimensional, conjunto aberto de campos relativamente autônomos, quer dizer, subordinados quanto ao seu funcionamento e à suas transformações, de modo mais ou menos firme e mais o menos direto ao campo de produção econômica: no interior de cada um dos subespaços, os ocupantes das posições dominantes e os ocupantes das posições dominadas estão ininterruptamente envolvidos em lutas de diferentes formas (sem por isso se constituirem necessariamente em grupos antagonistas) (BOURDIEU, 2005, p.153).

Tendo sido feitas as aproximações entre o conceito bourdieusiano de campo de poder e política educacional, no próximo subcapítulo serão feitas as considerações para o entendimento das políticas de formação em um ciclo composto por contextos específicos, que se interrelacionam e que se caracterizam a partir das ações de grupos de influência ou de interesse.

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