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2. Questão ambiental e fontes renováveis de energia

2.4. Política energética e energias de fontes renováveis no Brasil

As políticas energéticas, ou seja, o conjunto de medidas governamentais no que tange a geração e distribuição de energia, estão inseridas no tabuleiro político e econômico em que as nações se inserem e sujeitas ao jogo de forças em questão. Dessa forma, as medidas adotadas no Brasil relativas à questão energética são resultado de decisões pressionadas pelo contexto internacional (balança mundial de petróleo, políticas de austeridade, bolhas de crescimento etc.) e pelo contexto nacional (recursos naturais disponíveis, projetos governamentais, contexto de extrema desigualdade social etc.).

Assim, o modelo energético brasileiro está intimamente ligado à contrarreforma neoliberal que tomou fôlego em boa parte do mundo ocidental na década de 1980 e no Brasil na década de 1990. A reestruturação do setor energético brasileiro alavancada nos anos 1990 e os elementos de transição para a adoção mais ampla de fontes renováveis se inserem nesse marco político-econômico, dentro da conjuntura da chamada globalização.

Sob a batuta do Consenso de Washington, o avanço da ideologia neoliberal e seu aparato doutrinário sobre os países da América Latina vão ter impacto fundamental sobre o modelo energético brasileiro. Tanto no nível da avaliação quanto das diretrizes, tomados pela ascensão ideológica do neoliberalismo, as especificidades dos países não foram levadas em conta e, sob a bandeira do Estado Mínimo, esse conjunto de medidas contra a intervenção estatal, em favor da desregulamentação da economia e do predomínio da livre concorrência nos setores infraestruturais chegava, assim, às políticas energéticas.

Não é demais lembrar que o avanço privatista e financista sobre os serviços básicos são uma resposta do capital à sua crise deflagrada nos anos 1970 nos países centrais e que, por característica própria do capital, ocorre a busca por espaços de valorização. A América Latina possuía potencial de crescimento, ativos energéticos para serem comprados, um amplo e crescente mercado de energia elétrica e um processo de liberalização que abarcava boa parte

dos países da região. Tudo isso a tornou alvo das medidas de cunho neoliberal para o setor elétrico.

Aliado a isso, esse setor vinha em processo de crise junto com as contas públicas (Farias, 2006). O Estado brasileiro enfrentava dificuldades por conta da crise do petróleo e para investir em projetos de infraestrutura, com baixo crescimento, descompasso no mercado de energia (Goldenberg & Prado, 2003), contenção dos investimentos e uso das tarifas de energia para conter a crescente inflação (Menkes, 2004).

É nesse panorama que a reforma do setor elétrico passa a ser uma das plataformas das reformas de Estado na América Latina. Esse ponto é fundamental para entender que não se tratavam de projetos pensando a geração e distribuição de energia em si mesmas, mas sim uma discussão de âmbito político-econômico que, com fórmulas de viés político-econômico, investiu sobre o setor elétrico. “Os mentores dessa reforma entendiam que a crise do Estado é devidaao próprio Estado” (Farias, 2006, p. 35).

No final da década de 1980 e início dos anos 1990, o Banco Mundial passou a recomendar a reformulação do setor elétrico brasileiro e isso envolvia a privatização de empresas, reforma estrutural e regulatória. Até então o setor elétrico do país era constituído por uma estrutura vertical, com a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica controladas pelo Estado de forma hierarquizada. Esse modelo, organizado especialmente nos anos 1960, permitiu o planejamento e construção das hidroelétricas de grande porte e da conexão dos sistemas – o que permite a permuta entre diferentes regiões - e, de acordo com Goldenberg e Prado (2003), um processo participativo, a partir de fóruns. Contudo, o tamanho das obras e o programa de geração termelétrica baseada em energia nuclear, projetos infraestruturais símbolos do período ditatorial brasileiro (1964 a 1985), foram alvos de críticas por seus enormes impactos ambientais, sociais, e econômicos (Menkes, 2004).

A reforma proposta na década de 1990 visava a uma estrutura privada, baseada na concorrência do mercado, com geradores e distribuidores independentes e transmissão mista (Farias, 2006). A reforma partia do princípio de que inovação e eficiência são produtos da concorrência de mercado. Daí a proposta para a privatização da indústria do setor elétrico, bem como do modelo de administração das empresas (Menkes, 2004). O Estado, então, entraria como regulador, coordenando o próprio processo de privatização, mas, sobretudo estabelecendo as regras que garantissem o funcionamento da nova lógica.

É importante reafirmar que o programa de privatização do setor elétrico foi parte de um projeto de reforma do Estado, para atingir o que eram consideradas as causas do problema fiscal do país e não pensando em questões estritamente energéticas. Isso implica que as distorções do setor, que faziam antever a crise de 2001, conhecida como “apagão”, não entravam na equação, a não ser por ressonância (Leme, 2010).

Um consórcio foi contratado em 1996 para montar um novo desenho para o mercado elétrico brasileiro que passou a se chamar “Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro”. Por esse projeto o Estado passaria a regulador e fiscal e abriria mão dos meios de produção, garantindo a livre competição na geração e comercialização de energia elétrica (Pegollo, 2007).

A reforma se propôs, de acordo com Farias (2006), a quatro grandes objetivos, os quais, ao longo dos anos que se seguiram, se mostraram longe de terem sido alcançados. São eles: (a) transferir, do Estado à iniciativa privada, o ônus dos investimentos necessários à expansão da oferta de energia; (b) assegurar a eficiência econômica do setor, de modo a garantir a modicidade tarifária; (c) estimular a participação dos consumidores nos processos regulatórios; e (d) universalização do acesso à energia elétrica. Os objetivos não foram efetivamente alcançados. O Estado brasileiro arcou, especialmente por meio do BNDES, com boa parte do custeio das operações de privatização e os mecanismos criados logravam ao

Estado arcar com custos que favoreciam sempre os detentores das concessões, o aumento do desempenho não resultou em redução de tarifas como vislumbrado, a participação nos processos deliberativos ficou bastante restrita às concessionárias, e a universalização começou a galgar alguns degraus, mas insuficientes.

As avaliações do setor alguns anos após o processo de privatização e o novo marco regulatório para o setor elétrico apontam para uma falha inerente ao próprio método adotado (Farias, 2006; Goldenberg & Prado, 2003; Menkes, 2004). Além do alto custo para o Estado, houve um descompasso entre o ritmo das privatizações das empresas e a organização e regulamentação do setor, uma vez que a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), responsável pela tarefa, só foi criada em 1997 e a coordenação da Eletrobrás ficou paralisada (Goldenberg & Prado, 2003; Leme, 2010; Menkes, 2004). Isso se deu pelo já mencionado interesse na reforma do Estado guiado pelas premissas de reforma fiscal neoliberais.

O processo de privatização não foi uma opção de política nacional planejada e discutida publicamente com toda sociedade civil na intenção de consolidar mecanismos democráticos na gestão do setor elétrico brasileiro em sentido estrito e do Estado em geral [...] [As privatizações] ficaram marcadas por um processo unidirecional que respondeu menos aos interesses dos cidadãos/consumidores de energia elétrica do país do que à conveniência das empresas concessionárias – maioria estrangeira – que vêm explorando, em sentido lato, o mercado nacional de energia elétrica (Leme, 2010, p. 109).

“Excetuando o Governo, todos os estudiosos do assunto foram unânimes em afirmar que a crise de energia elétrica que ocorreu no país no ano de 2001 foi uma crise previsível” (Menkes, 2004, p. 104). Mais do que isso, muitos concordam que o chamado “apagão” e a necessidade de medidas emergenciais a partir do ano de 2001 foram o resultado de um processo desastroso de reforma do setor. “Porque as metas de investimentos assumidos pelas empresas privatizadas não foram cumpridas” (Goldenberg & Prado, 2003, p. 229), por não ter levado em conta a especificidade das fontes brasileiras que implicam custos e necessidades de

investimento de ordem distinta de outros países, por quebrar a grande malha de transmissão regional e inter-regional, por entregar o desenvolvimento do modelo na mão de consultores que não estavam familiarizados com o contexto nacional (Goldenberg & Prado, 2003), e por ausência de planejamento passando a responsabilidade de expansão do setor da noite para o dia para o programa do “mercado”, o sistema chegou ao limite em 2001.

Num país de dimensões continentais, repleto de desigualdades, com amplos espaços a serem incorporados ao sistema interligado, atribuir à vontade dos novos capitais que recém adquiriam as empresas distribuidoras foi, no mínimo, temerário (Araújo, 2009, p. 144).

A jornada de reforma do setor elétrico (e do Estado) brasileiro foi guiada por um contexto ideológico balizado pelas experiências europeias. “Muito além da inserção dos setores econômicos numa realidade mundial, o país parece passar por um comportamento de globalização das mentes” (Araújo, 2009, p. 27). As evidências disso estão no fato de que a combinação de diagnóstico e remédio não pareceu coerente com a realidade. O setor público continuou sendo o responsável pelo maior aporte de investimentos na distribuição, transmissão e geração de energia (Farias, 2006, p. 57). O que ficou claro é que a premissa liberal de que o Estado não tinha como ser o alavancador do desenvolvimento nacional era uma falácia. O processo foi, na verdade, “formas do Estado reproduzir a acumulação do capital” (Farias, 2006, p. 60).

Essa evidência sobre a ideologia neoliberal não se restringe ao contexto brasileiro. A verdade é que a agenda neoliberal não logrou sucesso em boa parte de seus anseios. Se foi exitosa em controlar a inflação e aumento dos lucros das corporações, especialmente combatendo os movimentos sindicais e aumentando a exploração da força de trabalho, houve crescimento do desemprego, da desigualdade, os países não recuperaram as taxas de

crescimento anteriores à crise dos anos 1970 e o custo do Estado continuou alto, ainda que tenham reduzido os investimentos nas políticas sociais (Anderson, 1995).

É importante ressaltar o impacto negativo que as medidas emergenciais para a crise do setor elétrico brasileiro tiveram para o meio ambiente. O prazo de licenciamento para as obras de geração de energia diminuiu, forçando menor restrição do ponto de vista ambiental, o programa de termelétricas trouxe o enorme impacto da construção de usinas de geração a partir de fontes não renováveis, houve incentivo ao uso de gás natural, à construção de novas Pequenas Centrais Hidrelétricas e antecipação de funcionamento de algumas usinas hidrelétricas, tudo alijando as restrições que seriam impostas pela avaliação de impacto ambiental e social (Menkes, 2004).

Também, no âmbito geral, a reforma do setor não incentivou a adoção de medidas de eficiência energética, uma vez que isso colidiria com o funcionamento de mercado. Nesse sentido, a crise de 2001 pode trazer à luz esse tipo de perspectiva de eficientização, tanto que foi aprovado o projeto de lei que tratava da eficiência energética após onze anos no Congresso Nacional (Menkes, 2004), o que mostra novamente uma dissonância histórica entre questões de meio ambiente e de energia.

A partir de 2003 foi instituído o Novo Modelo para o setor energético, que buscou rever o modelo praticado até então, com objetivos declarados de garantir tarifas mais baixas e afastar o risco de racionamento, tendo como princípios a modicidade tarifária, a garantia da segurança do suprimento de energia elétrica, a garantia da estabilidade do marco regulatório, e a inserção social por meio do setor elétrico (Leme, 2010; Pegollo, 2007). Na esteira desse novo marco foi instituído, em 2004, o programa Luz para Todos, com vistas a promover acesso à energia elétrica para doze milhões de pessoas do meio rural até 2008 (Farias, 2006). Também foi criada a Empresa de Pesquisa Energética com o propósito de subsidiar o planejamento do setor (Pegollo, 2007).

É concomitante ao estabelecimento do Novo Modelo que passa a haver, na política energética nacional, uma preocupação com a diversificação da matriz energética brasileira visando, dentre outras coisas, uma produção mais “limpa”. Por ter sua matriz largamente constituída pela fonte hídrica, o Brasil se destaca no sentido de “limpeza”, ou seja, de não gerar emissão de gases do efeito estufa e outros poluentes. No entanto, há um grande impacto ambiental e social na construção das barragens, pela inundação de grandes áreas, e a expansão do setor elevaria a patamares ainda mais drásticos tais impactos.

A utilização de fontes renováveis de energia está dentro do imperativo internacional de diminuir os impactos socioambientais da geração de energia, algo já abordado anteriormente. A centralidade da produção energética nesse tema foi sendo construída ao longo dos últimos anos a partir do desenvolvimento das pesquisas acerca, principalmente, das mudanças climáticas globais. Isso implica que o objeto tradicionalmente interpretado a partir de bases geopolíticas e econômicas vem se tornando cada vez mais associado ao meio ambiente.

Não é demais lembrar que essa transformação que sofre a questão energética em termos de significado e representações tem a ver com o que já foi discutido como mercantilização dos efeitos da questão ambiental. A função ideológica desse giro também merece ser ressaltada. Da mesma forma que o suposto supraclassismo do desenvolvimento sustentável se articula com o contexto de dissolução da União Soviética e da cortina de ferro, o unilateralismo das reformas neoliberais no Brasil e a incorporação do debate ambiental em seus novos moldes encontra o contexto de redemocratização e de aparente despolarização política. O “verde”, aos poucos, foi se propondo como uma “via alternativa” frente aos embates ideológicos entre esquerda e direita que pareciam perder sentido após o fim da ditadura civil-militar no país.

Ainda assim, no que diz respeito ao contexto brasileiro, as ações voltadas para enfrentar as manifestações da questão ambiental andaram à margem das reformas

implementadas no setor elétrico, ao menos num primeiro momento (Menkes, 2004). A variável socioambiental não era inserida nos cálculos de custos da geração de energia elétrica até os anos 1980. No Plano Decenal de Expansão desenvolvido em 1989, algumas questões desse jaez passam a ocupar o debate e, no início dos anos 1990 o II Plano Diretor de Meio Ambiente do Setor Elétrico indicou estudos necessários nas questões relativas à inserção regional, remanejamento de grupos populacionais, interferência nas comunidades indígenas, conservação e recuperação de fauna e flora, qualidade de água nos reservatórios, saúde pública, mecanismos de interação do setor elétrico com a sociedade, avaliação integrada de impactos ambientais e a legislação ambiental. No Plano Decenal 2000/2009 já se insere uma análise ambiental sistematizada (Menkes, 2004).

É curioso notar que a crise de energia, com o consequente apagão de 2001, ajudou a desenhar no Brasil o vínculo entre energia e meio ambiente. Se por um lado os elementos do pensamento ecológico já estavam disponíveis e ganhavam força, até mesmo com a investida neoliberal contra as mais antigas lutas sociais, a crise foi fundamental para configurar tal relação e inserir no Brasil um estado de alerta relativo ao consumo e à capacidade de geração energética a partir dos recursos do país.

Dessa maneira, o manejo da crise mostra a correlação de forças do momento histórico em questão, já que as medidas adotadas seguiram guiadas pelo projeto de reforma de Estado já mencionado. É possível ver nesse contexto como as forças históricas pressionam e direcionam as diversas vertentes do pensamento ecológico. Diniz (2015) mostrou como, no Brasil, as gerações da primeira metade do século XX aninhavam o ativismo ambiental no seio de lutas sociais da época (as lutas campesinas, por exemplo) e o ativismo mais recente tem por característica um destacamento dos temas, voltando-se para práticas que reúnem temas ambientais mais isolados, e certa comoção de cunho mais pessoal acerca dos rumos do meio ambiente planetário.

Mesmo levando em conta essa articulação entre energia e meio ambiente, o fator econômico continuou sendo determinante para direcionar a produção de energia. Quando a matriz ainda não se diversificara, a construção das hidrelétricas estava bastante orientada pela obtenção de maior suprimento, mas também por pressão das empreiteiras por grandes obras (Menkes, 2004). A diversificação da matriz energética também se insere nessa lógica e a produção de energia “limpa” está condicionada a iniciativas que diminuam o custo de geração e distribuição.

Uma importância da utilização de outras fontes está na potencial democratização do acesso. As alternativas de energia solar, dos ventos e biomassa são “fundamentais para suprir de energia regiões e comunidades mais isoladas, como, por exemplo, algumas comunidades da região amazônica e da região Norte, comunidades localizadas no Alto Solimões e a ilha de Fernando de Noronha” (Pegollo, 2007, p. 279).

O Novo Modelo para o setor energético brasileiro incorporou o Proinfa, Programa de Incentivo às Fontes Alternativas, criado em 2002, que incentiva a contratação de projetos de biomassa, pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e energia eólica. O programa também prevê o desenvolvimento de equipamentos e tecnologia nacional e geração de empregos (Dutra, 2007). O Proinfa foi pensado em duas etapas, uma de projetos de curto prazo e outra para implementação em longo prazo. Do ponto de vista de diversificação da matriz energética brasileira, pelo modelo estabelecido de contratação, o processo tem sido lento, porém efetivo (Lage & Processi, 2013). Em 2004 foram contratados 1.100 MW de fonte eólica (maior volume na região Nordeste), superando as expectativas (Dutra, 2007). Pelo Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2020), espera-se uma participação de 46,3% das fontes renováveis na matriz brasileira em 2020 (Tolmasquim, 2012). A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) previa a adição de aproximadamente 1,2 MW/ano de energia eólica a partir de 2016 (Lage & Processi, 2013). Nessa direção, entre 2004 e 2016 a energia eólica deveria saltar de 1% para

7% de participação no quadro de geração de eletricidade do Brasil brasileira (Tolmasquim, 2010).

Outra característica relevante é que o formato de contratação da geração de energia se dá por leilões. Baseado na premissa de modicidade tarifária, os leilões são vencidos pela oferta de menor tarifa (Dutra, 2007). Desde 2009 também há leilões para a chamada energia reserva, com vistas à segurança no fornecimento. Com a queda dos preços da energia eólica ela tem se tornado mais competitiva. Há também um conjunto de incentivos fiscais à implementação de parques eólicos no país, além do financiamento do BNDES para a grande maioria dos projetos (Lage & Processi, 2013).

O estado do Rio Grande do Norte, que abriga o presente estudo, é um dos grandes beneficiados com a expansão da produção de energia dos ventos. A construção dos parques eólicos se concentra principalmente no litoral norte do estado, bastante favorecido por suas características naturais, e, a partir dos incentivos do PROINFA, vem em franca expansão. Somados o potencial instalado e em construção, o Rio Grande do Norte é líder entre os estados brasileiros na expansão do setor, com 46 parques construídos e 88 em construção (Associação Brasileira de Energia Eólica, 2015).

Se, como já foi mostrado, há uma associação importante entre produção energética e economia, essa expansão deve ser observada com cautela, problematizando os diversos aspectos envolvidos. O estado do Rio Grande do Norte possui uma tradição política fortemente arraigada nas práticas coronelistas e uma grande desigualdade social, sendo o décimo sexto estado brasileiro no ranking de índice de desenvolvimento humano (IDH). Essas e outras características levantam a questão de que setores são beneficiados com tal expansão, levando em conta as implicações de ter a energia como uma mercadoria submetida aos ditames do mercado.

A questão que se apresenta é a de que essas iniciativas trazem consigo as relações sociais de produção capitalistas que são expressas no caráter de mercadoria da energia e que, por isso, são reprodutores da ordem e não contrapontos a ela. Nesse sentido, tendem a ter expressões locais que se articulam com sua estrutura mais geral.

Esse é o cenário atual da inserção da energia eólica no contexto da política energética brasileira. É importante apontar que não houve ruptura com a reforma dos anos 1990 e a indústria energética brasileira é refém do modelo de mercado. Do ponto de vista ambiental, esse modelo possibilitou iniciar uma diversificação da matriz energética a partir do momento em que aspectos ambientais passaram a ser determinantes para a competição. Por outro lado, se tomarmos o acesso à energia como fundamental para a justiça social, a energia operando como uma mercadoria traz consigo todos os limites impostos pelo próprio sistema, da mesma forma como o acesso ao consumo de outras mercadorias opera inserido na organização de classes. A desigualdade estrutural do capitalismo se expressa também nesse âmbito.

Em função disso, vale destacar que a luta de classes se expressa nesse setor e, no caso do desenvolvimento das políticas energéticas brasileira tal como vêm sendo destacadas aqui, resultou em organização de processos de resistência de singular importância. Inserida na lógica da propriedade privada, como já discutido, a produção e acesso à energia reproduz as contradições fundamentais do capitalismo. Assim, há uma concentração dos recursos energéticos, seja por meio da concentração de capital promovida por esse setor (com a garantia de rendimento de acionistas, por exemplo), seja pela desigual distribuição do bem energético produzido. No segundo caso, em 2009, 30% da energia elétrica produzida é consumida por 665 grandes consumidores. Os chamados “donos da energia” são “segmentos