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2. Questão ambiental e fontes renováveis de energia

2.2. Questão ambiental em tempos de neoliberalismo: a funcionalidade do

16 O relógio do apocalipse ou do juízo final é um relógio simbólico que indica a proximidade que a humanidade

está de sua autodestruição a partir de uma guerra nuclear (indicada pela meia-noite do relógio). Essa metáfora tem sido incorporada por cientistas climáticos para indicar a proximidade dessa autodestruição em função das mudanças climáticas globais.

Ainda que não mude em suas contradições fundamentais, sob pena de ser substituído por outra ordem sociometabólica, o capitalismo passa por transformações ao longo de seu desenvolvimento que, por sua vez, implicam as formas de relações sociais, manifestações culturais, relações com os ambientes etc. São de interesse especial para este capítulo algumas reflexões sobre o estágio neoliberal em que, sob impacto da crise dos modelos adotados na Europa após a segunda guerra mundial, é imposta uma agenda de reformas em busca de retomar o crescimento econômico nos países centrais. As medidas de combate aos sintomas da crise ganham o corpo da chamada Agenda Neoliberal, sob a batuta do Estado mínimo17, que também ganhou forma como projeto de ação generalizada para a América Latina, no que ficou conhecido como consenso de Washington (Farias, 2006). Em termos práticos significou busca por novos espaços para a acumulação do capital superproduzido18.

Essas reformas tinham como propósito imediato retomar as condições para a acumulação do capital e a restauração do poder de classe dos donos dos meios de produção (Harvey, 2007). A contrareforma neoliberal avançou destrutivamente “sobre as relações estruturais da força de trabalho, relações sociais, políticas de bem-estar social, arranjos tecnológicos, modos de vida, pertencimento à terra, hábitos afetivos, modos de pensar e outros mais” (Harvey, 2007, p. 3), implicou crescimento da acumulação financeira, a intensificação da privatização dos serviços públicos, a comoditização indiscriminada da natureza, recrudescimento da apropriação dos recursos genéticos por parte da indústria

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A concepção de Estado mínimo que caracterizou o pensamento liberal dos séculos XVIII e XIX foi resgatada no século XX passando a figurar no discurso neoliberal para defender que a função do Estado seria garantir as condições para que as leis do mercado pudessem atuar livremente e que as crises de inflação e queda de crescimento dos países se davam pelo excesso de intervenção estatal (Anderson, 1995).

18 “não se trata de um excesso em relação às necessidades sociais manifestas no consumo, mas excessivo em relação às condições objetivas de manter a sua própria taxa de valorização, isto é, a taxa de lucro. Assim, superacumulação de capital em todas suas formas (capital-dinheiro, capital-produtivo e capital-mercadoria) e redução da taxa de lucro são duas faces do mesmo processo” (Carcanholo, 2011, p. 6-7). A crise seguinte, que estourou em 2007 e permanece até o atual momento, tem seu fundamento na superacumulação do capital fictício, justamente aquele que funcionou como mecanismo para “enfrentar” a crise da qual estamos falando.

farmacêutica, além da comoditização de formas culturais, históricas e da produção intelectual (Harvey, 2007).

A partir disso, é possível compreender que a entrada em cena e expansão da ideologia neoliberal “reitera a questão ambiental a partir de diversos sentidos: ético, filosófico, político, societal” (Ribeiro, 2012, p. 218). Não poderia ser de outra forma, uma vez que, como forma de reorganização do capitalismo para um novo ciclo de expansão, o neoliberalismo precisa efetivar-se hegemonicamente como ideologia e não pode mudar as estruturas fundamentais da acumulação de capital, ou seja, as causas últimas da questão ambiental. Ao invés de revertê- la, as expressões ideológicas que daí emergem administram a questão ambiental e ainda se valem da mesma para garantir a expansão dessas estruturas.

Um bom exemplo disso é a gestão ambiental na esfera privada. A aposta das empresas em um “giro sustentável”, investindo sobre a gestão dos resíduos, por exemplo, responde a uma demanda social e lhes garante um conjunto de vantagens no mercado competitivo (Silva, 2010). Representantes do empresariado, assim, passam a absorver o meio ambiente na justificativa de suas práticas, sejam em termos de marketing, comercialização ou administração. Dessa forma, sob o manto do comprometimento com o ambiente, tocam superficialmente nos reais impactos ambientais da produção industrial e do consumismo. É um mercado que é bem mais efetivo em termos de publicidade do que no enfrentamento da questão ambiental. É a chamada “lavagem verde cosmética” (Ribeiro, 2012, p. 222). Essa análise não diz respeito a um juízo moral sobre a subjetividade do empresário, mas ao entendimento do papel ideológico da gestão ambiental da reafirmação da estrutura de classes.

A atuação do Estado tampouco escapa à lógica de administração da questão ambiental. Diante do quadro de degradação, os governos aplicam mecanismos que buscam intervir, ora corrigindo o que às vezes consideram distorções do mercado, ora favorecendo os mecanismos

de mercado - como no caso do mercado de carbono - considerando que podem ser efetivos no enfrentamento dessa problemática.

É nesse contexto de afirmação do neoliberalismo como modelo hegemônico que a questão ambiental ganha visibilidade e entra na agenda política dos países, especialmente a partir da conferência de Estocolmo. Se, por um lado, o ambiente impõe questões urgentes ao modelo de desenvolvimento adotado até então predominantemente nos países ocidentais, “esta projeção adquirida se consolida no mesmo contexto de transição política e econômica que eleva a ideologia neoliberal como novo paradigma de ‘desenvolvimento’” (Ribeiro, 2012, p. 212). Mais do que isso, as rédeas políticas do processo de enfrentamento à então alardeada crise ambiental são tomadas pelos responsáveis pela propagação dessa ideologia, que passam a esboçar os planos e estabelecer as diretrizes para lidar com a questão. “O discurso ambiental se instrumentaliza à razão econômica e reforça o viés prospectivo imbricado à mercantilização da natureza e de elementos verdes” (Ribeiro, 2012, p. 212).

Dessa maneira, a evidente necessidade de responder às manifestações da questão ambiental tem seu solo histórico na globalização neoliberal e as propostas de enfrentamento ganham suas determinações mais gerais nesse contexto. Por essa razão, o desenvolvimento sustentável se propõe como ideologia suprapartidária que “unifica os interesses dos trabalhadores, dos empresários e do Estado em torno da defesa de uma pretensa sustentabilidade ambiental, social e econômica” (Freitas, Nélsis, & Nunes, 2012, p. 46).

Trata-se então de um conceito de caráter a-histórico, asséptico, que ignora as determinações históricas da questão ambiental, as lutas de classe no seio do desenvolvimento econômico capitalista, e que cumpre função ideológica clara de mascarar tais determinações, unificar os discursos legitimando o modelo econômico como único possível, direcionando a luta política para uma suposta luta de todos contra a crise ambiental, e, ainda, propagar a ideologia da responsabilidade individual e garantir a mercantilização dos efeitos da questão

ambiental, de forma a garantir novos espaços para a acumulação capitalista e enfrentamento da crise então presente.

É emblemático desse contexto que os países participantes da Conferência de Estocolmo tenham estabelecido acordos no mesmo momento em que exportavam parte de suas plantas produtivas para os países periféricos, além dos capitais especulativos. Em termos ideológicos, o desenvolvimento sustentável era uma chave importante, uma vez que era fundamental garantir que os países mais pobres se desenvolvessem enfrentando a pobreza e o crescimento populacional, consideradas explicações para a degradação ambiental para algumas correntes ambientalistas (Silva, 2010). Os capitais transnacionais, então, avançaram sobre os bens públicos e ambientais dos países periféricos intensificando a condição de dependência e, em muitos casos, travestidos do discurso do desenvolvimento sustentável.

É de notável importância que as diretrizes para o trato da questão ambiental para os países signatários da Agenda 21, documento desenvolvido na Rio 92, estivessem vinculadas às agências de financiamento, articulando formalmente as políticas ambientais ao modelo da contrareforma neoliberal a aos acordos do Consenso de Washington. Nesse sentido, tais agências participaram do incentivo ao desenvolvimento e às medidas de proteção ao ambiente dos países periféricos com financiamentos que tinham como contrapartida um conjunto de reformas estruturais com o viés privatista e liberalizante. Assim, mais do que nunca, as soluções via mercado passaram a ser a forma dominante de enfrentar as mazelas da crise ambiental, seja pelas iniciativas de regular a exploração dos recursos naturais pelas leis de mercado, ou pelo fortalecimento da indústria das tecnologias “verdes”, como é o caso das tecnologias para geração de energia a partir de fontes renováveis.

Outra característica das abordagens do desenvolvimento sustentável que imprime marcas fundamentais para entendermos a natureza das formas de enfrentamento da questão ambiental é a maneira pela qual a dimensão social é incorporada à mesma. Desde o verdejar

da opinião pública e o acirramento das discussões em torno da questão ambiental, duas concepções de sustentabilidade social vigoraram: a do “círculo vicioso” (de caráter neomalthusiano e culpabilizante), dominante até o início dos anos 1990, e a do “duplo caminho” (que reforça a necessidade de políticas que tenham como foco o enfrentamento da pobreza), hegemônica desde então (Silva, 2010). Essas concepções separam o problema de desigualdade social da questão ambiental no que concerne às suas causas, o que relega ao tratamento dessas questões o tecnicismo alijado da compreensão de seus determinantes histórico-sociais.

Se por um lado a reprodução da questão ambiental está ligada ao modo de reprodução social característico do capitalismo, a busca por mitigação desses efeitos tampouco está dissociada. Do ponto de vista prático, o que temos como iniciativas contra os efeitos da questão ambiental é uma mescla entre tentativas de mudança ética dos indivíduos e a mercantilização dos efeitos da estrutura de reprodução social capitalista. “No plano econômico, o capital transforma a poluição industrial e a rarefação de recursos em novos campos de acumulação e, no espaço político, transfere o peso das degradações para os países periféricos e para as classes subalternas” (Freitas, Nélsis, & Nunes, 2012, p. 48).

O que os desdobramentos dessas perspectivas fazem é creditar ao consumo exacerbado dos indivíduos e à ineficiência tecnológica o foco das ações frente aos problemas. Com a propagação do ideal da sustentabilidade associado ao modelo individualista neoliberal, que tira de vez a questão ambiental do eixo de debate das contradições do capitalismo, especialmente a partir dos anos 1990, gestores, empresários e sociedade civil “passaram a adotar medidas superficiais através de projetos verdes da moda: pontos de reciclagem, reaproveitamento de água da chuva, painéis fotovoltaicos, moinhos eólicos, etc” (Ribeiro, 2012, p. 222).

No entanto, a natureza do capital sob o modo de produção capitalista é sua necessidade de valorização, e isso só acontece mediante sua realização, ou seja, um capital produzido precisa ser consumido para retornar ao setor produtivo onde é valorizado. Por esse motivo a expansão constante das fronteiras do capital, transformando todos os aspectos possíveis da vida humana em mercadoria. Daí que consumir não é alternativa individual, mas um modo de ser da sociedade sob essa lógica.

Isso de forma alguma significa que iniciativas particulares e mudanças nos estilos de vida não sejam significativas eticamente. Porém, por um lado o capitalismo, por tendência, busca espaços, formas novas de garantir sua realização (inclusive destruindo forças produtivas) e isso logo torna inócuos efeitos reais de tais práticas no que tange a impedir o avanço da degradação ambiental. Por outro lado, essas próprias iniciativas são incorporadas ao mercado. Mészáros (2002) polemizando com economistas contemporâneos que defendem a destruição criativa como forma de desenvolvimento econômico, demonstra que é próprio do capitalismo, na sua atual etapa, a necessidade de destruição do que já está construído, para que possa reconstruir, como estratégia de garantir a reprodução do capital atual. Trata-se da mercantilização dos efeitos da questão ambiental.

De um lado se comercializa um “modo verde de ser” e, de outro, promove-se a “grande indústria das soluções ambientais” e esses mecanismos estão interligados na sociedade. No primeiro caso, temos uma série de produtos e práticas voltados para o cuidado com a natureza, ou de menor impacto, como o consumo de produtos cujos dejetos são recicláveis. O efeito ideológico dessa lógica é enorme. Promove-se o ideal neoliberal de indivíduo que se autodesenvolve eticamente, apesar de a sociedade lhe impor barreiras, o único responsável pelas mudanças em suas ações, seja alcançar sucesso na vida, seja ter uma vida mais saudável e respeitosa para com o meio ambiente. Mesmo as iniciativas que busquem o enfrentamento ético do consumismo e da vida “materialista” em ações de cunho

mais coletivistas, se distanciando em parte do ideal do indivíduo liberal, isola as ações (aqui coletivas) do modo de produção em que se inserem. Muitas acabam promovendo um ideal igualmente isolacionista, mas que tem na formação de comunidades “separadas da sociedade consumista” seu modelo. Há um resgate romântico de uma relação mais orgânica com a natureza.

Além disso, a lógica do “modo de ser verde” reforça a ideia de uma indiferenciação no seio da sociedade, como se o problema do consumo envolvesse uma ética individual consumista de sujeitos psicologicamente isolados ou de pequenos grupos e abstratratamente conceitualizados. Seriam sujeitos igualmente consumistas, sem classe social, e indiferentes às formas históricas de seu tempo, justamente as que impõem o consumo de mercadorias de forma cada vez mais intenso. Assim, responsabiliza igualmente ricos e pobres, trabalhadores e donos dos meios de produção, pelo impacto gerado na natureza.

O foco no consumo como alternativa última para proteger o meio ambiente acaba por negar que as necessidades são históricas e “são elas próprias o resultado da produção e relação sociais” (Marx, 1858/2011, p. 703). O consumo individual é uma parte – certamente importante, mas não a mais fundamental – dos problemas relacionados ao ambiente e à própria vida das pessoas, mas não pode ser dissociado de suas causas.

Vale a pena retomar a ideia de uma realidade fetichizada, em que a relação entre pessoas aparece para os sujeitos como relações entre coisas. Sendo uma sociedade capitalista uma formação social em que a mercadoria assume o centro (uma vez que é a forma pela qual se garante a reprodução do capital), é por meio da relação entre as coisas (sua troca e consumo) que geralmente se pensa a solução dos problemas sociais e ambientais, mascarando que é nas relações sociais que reside a raiz desses problemas.

A questão aqui é que as necessidades possuem fundamento no movimento do capital e, consequentemente, os estilos de vida chamados consumistas. O enfrentamento pela via do

consumo pode lograr algum sucesso, contudo dentro dos limites que a acumulação de capital permitir, e esta voltará a intensificar sua destrutividade sempre que necessário seja retomar seu vigor. É uma proposta ética que desconsidera as causas concretas da obsolescência programada e como ela influi no próprio comportamento de consumo. Ao consumidor, culpabilizado sob essa lógica, não cabe poder decisório sobre os produtos disponíveis no mercado e, ainda que possa influenciar na oferta de produtos mais duradouros ou que produzam resíduos menos nocivos, a tendência perdulária do sistema não é revertida a partir desse conjunto de práticas (Silva, 2010).

No caso da indústria das soluções ambientais, trata-se da confiança depositada no desenvolvimento tecnológico como a fronteira a ser superada na direção de uma sociedade sustentável, como aventado anteriormente. A indústria da reciclagem e o desenvolvimento das tecnologias para a produção de energia a partir de fontes renováveis, que possam preservar o solo de seu esgotamento e o céu de sua saturação com gases poluentes, como caminho para uma necessária transição, são grandes exemplos desse caminho.

Assim como na questão do consumo, trata-se de não considerar esses elementos em si mesmos, como neutros e indeterminados historicamente. “As contradições e os antagonismos inseparáveis da utilização capitalista da maquinaria inexistem, porquanto têm origem não na própria maquinaria, mas em sua utilização capitalista” (Marx, 1867/2013, p. 513). Isso implica que apostar na tecnologia para superar a questão ambiental é colocar nas mãos do capitalismo sua própria superação.

É possível um paralelo com a chamada “revolução verde”. A intensificação da mecanização no campo e o aprimoramento tecnológico se propuseram a elevar a produtividade do campo de forma a superar problemas relacionados à escassez de alimentos e dar possibilidade de valorização aos capitais produzidos nas indústrias alavancadas com a segunda guerra (Andrades & Ganini, 2007; FEAB, 2009/2010). As principais características

desse movimento foram: uso de sementes modificadas, agrotóxicos e insumos industriais; mecanização das atividades produtivas no campo; realocação de pacotes tecnológicos desenvolvidos nas guerras e; privilégio de financiamento a médios e grandes produtores (Andrades & Ganini, 2007).

Certamente o aumento da produtividade foi alcançado, contudo, o que se observa é a manutenção da estrutura de desigualdade no acesso ao alimento em todo o mundo, com mudanças contingentes. No caso do Brasil, o que se observou com a “revolução verde” foi a criação de um círculo de dependência do agricultor em relação aos pacotes das transnacionais, a estruturação de um modelo baseado em monoculturas de exportação, constituída por grandes latifúndios e a formação de reservas de especulação, o consequente aumento do desemprego no campo e êxodo rural (Andrades & Ganini, 2007). Ou seja, temos a intensificação dos mecanismos estruturais da falha metabólica, do imperialismo ecológico, da condição de dependência e seus efeitos. Para se ter uma ideia, com esse processo, em 1985, o país tem 52,9% dos estabelecimentos agrícolas menores que 10 hectares ocupando 2,6% da área cultivável, e 0,8% com mais de 1.000 hectares ocupando 43,9% de terra (Andrades & Ganini, 2007).

Certamente esse processo emprestou sua funcionalidade à necessidade de expansão das transnacionais, que expandiram seus capitais imensamente. No Brasil, uma série de transnacionais para produção de insumos e maquinário dominaram o mercado e o lobby político, entre elas: Ford, Shell, Ciba-Geisy, ICI, UNILEVER, Du Pont, Bayer, Basf, Stauffer, Dow Química, Pfizer e Monsanto. Além de garantir domínio monopolista por parte das grandes corporações na indústria agrícola, esse processo implicou uma mudança no padrão alimentar local (Andrades & Ganini, 2007). Tal como as matrizes da questão ambiental no plano da produção de energia, o poder desses determinantes é incrivelmente superior às

iniciativas individuais ou de pequenos grupos em busca de um padrão alimentar mais salutar e responsável para com o meio ambiente.

Por isso mesmo, assim como o consumo consciente, as tecnologias só podem ir até onde a acumulação de capital deixar. “Mesmo as formas existentes de conhecimento científico, que até poderiam combater a degradação do ambiente natural, não podem se realizar porque interfeririam com o imperativo da expansão inconsciente do capital” (Mészáros, 2002, p. 255). Por esse motivo, todo o aparato da indústria das soluções ambientais faz parte de uma engrenagem de dupla processualidade: ao mesmo tempo em que se intensificam os processos de destruição do meio ambiente, especialmente no estágio neoliberal como discutido mais acima, cria-se um mercado de supostas soluções para o problema. A própria indústria possui/cria mecanismos que garantam a obsolescência necessária às mercadorias de forma a acelerar o tempo de rotação do capital (o tempo necessário entre a produção do capital, sua realização e retorno para a produção) (Silva, 2010). Estabelece-se um círculo vicioso que tende a mascarar e postergar o problema por um tempo que a vida no planeta parece não ter.

Outro aspecto digno de análise na questão do tecnocentrismo como corrente ambiental é a inobservância das contradições entre a tecnologia e a força de trabalho sob o capitalismo. Não por acaso, a dimensão social não é articulada de forma real nas teses do desenvolvimento sustentável. O desdobramento das relações baseadas na propriedade privada dos meios de produção e o trabalho assalariado é raiz da exaustão do solo e da capacidade do trabalhador (Marx, 1867/2013). Sob estas mesmas relações sociais de produção, a máquina se opõe ao trabalhador, no preciso sentido em que seu incremento é parte do mecanismo de exploração da força de trabalho.

Em suma, no capitalismo, por um lado, o aumento da produtividade por meio do incremento tecnológico reduz o valor da força de trabalho, uma vez que reduz o valor dos

produtos necessários para sua reprodução, o que permite o incremento da mais-valia apropriada pelo capitalista. Por outro, a mecanização reduz a necessidade de trabalho humano em algumas atividades, o que aumenta o exército industrial de reserva19, que cumpre função no mercado de trabalho regulando os salários. As consequências ambientais desse processo