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3. Da pesca artesanal ao turismo

3.2. Turismo e produção capitalista do espaço

O turismo predominante no estado do Rio Grande do Norte é do chamado setor sol e mar e vem se estabelecendo progressivamente ao longo da costa do estado. Uma característica

caráter urbanizante. Ele costuma cumprir um papel de catalisar processos de urbanização, incluindo aí a transformação do espaço e dos modos de vida de diversas localidades. Esse processo não se dá à toa, mas articulado às especificidades do capitalismo de nossa época, em que tal atividade passa a se destacar como atividade econômica em todo o mundo e como especial potencial para o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos. Assim, para compreender tal relação entre turismo e urbanização e as consequências para os lugares em que tal atividade ganha vigor, é importante, antes, apontar algumas características do próprio desenvolvimento urbano capitalista.

Se é fato que outras sociedades desenvolveram cidades, nenhuma foi dependente do desenvolvimento e expansão dessas como são as sociedades sob o modo de produção capitalista. Como apontado anteriormente, o processo de acumulação primitiva implica um intenso êxodo rural e o consequente crescimento populacional urbano. A cidade, nesse processo, passa a concentrar uma massa de trabalhadores desempregados fundamentais para a regulação do mercado de trabalho, o exército industrial de reserva (Lorena, 2012). Esse processo corresponde à relação que passa a ser estabelecida entre campo e cidade, em que o campo é paulatinamente submetido às necessidades de desenvolvimento urbano, que são as necessidades do desenvolvimento do próprio modo de produção capitalista (Lorena, 2012).

Nesse movimento, a cidade e a acumulação de capital estabelecem uma relação dialética em que, ao mesmo tempo em que a primeira é produzida sob as relações capitalistas, a crescente urbanização e a forma pela qual ela se dá, são condições de possibilidade para a reprodução da segunda. Assim, a urbanização, junto a fenômenos como os gastos militares, participa de modo ativo no processo de valorização do capital, absorvendo excedentes produzidos e que necessitam de valorização perpétua (Harvey, 2012).

É importante recordar que tal necessidade de valorização exige a criação de valores de troca, e o espaço urbano atende a essa necessidade sob alguns aspectos determinantes. O

capital investe sobre as atividades que passam a se concentrar na cidade e na própria produção do espaço como forma de dar sentido à valorização (Damião, 2014). Dessa maneira, o meio urbano concentra meios de produção e força de trabalho, o trabalho já realizado sob a forma de máquinas, espaços e produtos urbanos, necessários para a exploração da força de trabalho e produção de mais-valia, além de aprimorar a divisão social do trabalho, prestando papel determinante na socialização das condições de produção (Lorena. 2012). Concentrando a produção, a mão de obra, e os produtos necessários para a reprodução da força de trabalho, a cidade também concentra os meios de consumo, aproximando os processos mais centrais da reprodução capitalista (Lorena. 2012). Assim, o espaço urbano está presente tanto na produção dos valores, como em sua realização/consumo, intermediando também a circulação. Não à toa, o desenvolvimento urbano e suas grandes transformações sempre estiveram associados a processos de deflagração e recuperação de períodos de crise do capital (Harvey, 2012).

Ademais, o processo de produção da cidade é determinado pelas necessidades do modo de produção capitalista. A cidade é, então, modelada, de acordo com essas necessidades e sujeita às transformações contingenciais dessa estrutura de reprodução social ao longo dos anos (Lorena, 2012).

Por tratar-se de uma sociedade dividida em classes, essas relações são expressas no espaço sociofísico. Ainda que não se resuma a esses grupos, donos dos meios de produção, latifundiários urbanos e promotores imobiliários são privilegiados no que tange à organização infraestrutural e dos serviços oferecidos nas cidades, enquanto as massas de trabalhadores e não proprietários são prejudicados ou impossibilitados no acesso a determinados bens urbanos (Damião, 2014).

Essas determinações acabam constituindo espaços segregados, com barreiras físicas e/ou simbólicas, e expressam a divisão social do trabalho e a condição de classe, que tem

como base a retirada dos meios de produção (instrumentos e solo) de parte dos sujeitos. A propriedade privada do solo também garante a concentração do excedente nas mãos de uma classe, enquanto a outra se submete ao regime do salário (Damião, 2014). A partir disso, o solo urbano passa para a condição de mercadoria e, como tal, é o meio pelo qual se dá a concentração de recursos. Tal qual a transformação dos recursos naturais, a transformação do solo urbano é controlada pela classe detentora dos meios de produção, assim como o ritmo e a direção dessa transformação. O espaço da cidade é submetido à condição de lugar de investimento, estratégia de valorização ou desvalorização do capital (Damião, 2014).

Quando os donos dos meios de produção, os grandes latifundiários urbanos e promotores imobiliários são protagonistas ante um Estado – cada vez mais mínimo – e os grupos sociais excluídos coadjuvantes, a cidade passa a ser vista como mercadoria e tratada como um espaço de produção, onde cada ação é investimento e cada política pública uma estratégia para diminuir as tensões das classes e grupos sociais excluídos do processo de construção e acesso a cidade de fato (Damião, 2014, p. 62).

Em essência, não há nada de novo que já não tenha sido investigado em termos da forma de apropriação dos espaços naturais pela expansão do capital em busca de espaços de valorização. À produção de espaços que sejam mercantilizáveis e que facilitem o próprio processo de valorização do capital se articula, nas cidades, a mercantilização de modos de vida (Harvey, 2012), transformando constantemente os estilos de consumo de acordo com a possibilidade de cada classe, estrutura na qual o acesso ao consumo só mexe superficialmente. Com a crise do capitalismo iniciada no fim dos anos 1960, entra em cena nos países centrais - mais tarde se espalhando pelos países periféricos - um conjunto de práticas visando à recuperação econômica, que se notabilizou como neoliberalismo, conforme discutido em tópico anterior. Essa reorganização do capitalismo teve um conjunto de implicações sobre a reprodução do espaço urbano e das relações sociais de produção, e o aspecto central da urbanização nos moldes neoliberais é que a política urbana é transformada em um grande

mercado, em que o acesso a terra se dá pelo poder de compra e competitividade, e “a participação social é fundada no reconhecimento dos agentes como clientes/consumidores, agindo por interesses privados” (Junior, 2014, p. 155).

Do ponto de vista da oferta de bens e serviços urbanos, a cidade fica por conta das estratégias de empreendedorismo e marketing urbano, que vão desde a condominização e fortificação da vida social até a turistificação das cidades (Alverga, 2011), abrindo espaço para a reestruturação urbana que ganha sua expressão mais agressiva recente nos megaeventos. Assim, abre-se no solo das cidades um grande balcão de negócios, onde setor público, especuladores, grandes empresas de construção civil, agências de produção de eventos culturais, planejadores, companhias de turismo, redes transnacionais de hotéis e resorts, e vendedores de sonhos de uma vida calma entre muros, submetem às leis de mercado cada centímetro quadrado do urbano.

Nesse processo, o mercado imobiliário foi um dos grandes agentes contra a crise dos anos 1970, absorvendo grande parte do excedente por meio da reconstrução de centros urbanos e financiamento habitacional, especialmente nos Estados Unidos (Harvey, 2012). A superurbanização da China, além das pomposas obras urbanas que transformaram em um dos principais destinos para os turistas mais ricos algumas cidades do Oriente Médio, também serviram para impulsionar essa retomada do capitalismo (Harvey, 2012).

Dentro das cidades, o que se passou a observar foi a intensa mercantilização dos espaços comuns e a consequente degradação dos espaços públicos. Ser cidadão passa, então, a significar poder de compra sobre os espaços da cidade. Como consequência desse processo, os bens e serviços urbanos, como lazer, segurança, transporte, são cada vez mais mercantilizados e privatizados.

A homogeneização dos espaços como mercadorias, o espaço abstrato (Lefebvre, 2000), supostamente acessíveis a todos, também mascara as contradições inerentes à

apropriação do solo urbano, uma vez que bastaria uma ascensão de renda para que seja possível consumir os mesmos espaços. Essa lógica esconde as contradições de classes expressas na cidade. Nesse sentido, o acesso pelo consumo é uma aparente e momentânea superação de tais contradições.

Como todos os processos de expansão do capitalismo (vide o american dream), houve uma transformação nos estilos de vida e a qualidade de vida torna-se um produto (Harvey, 2012). Assim, paga-se pelo direito à tranquilidade e à indiferença cerrada entre cercas elétricas, as ruas aos poucos perdem o caráter de lugar apropriado, se constituindo cada vez mais como passagem, e os lugares frequentados no dia a dia (shoppings, supermercados, bares, casas de show) evitam ao máximo a surpresa, a diferença, a alteridade. É uma produção do modo de vida urbano que passa a “encorajar a formação de nichos de mercado – tanto hábitos de consumo quanto formas culturais –, envolve a experiência urbana contemporânea com uma aura de liberdade de escolha, desde que se tenha dinheiro” (Harvey, 2012, p. 81).

O resultado desse processo é uma acentuação do individualismo urbano, que, associado a uma aceleração do ritmo de vida, contribui para a dissolução da possibilidade da comunidade em boa parte do solo urbano. O espaço urbano aparece, assim, como homogêneo e fragmentado ao mesmo tempo.

é homogêneo pela dominação que exerce, ao regular a sua ocupação, ora para a proteção, ora para a produção em massa; e é hierarquizado devido à divisão espacial do trabalho [...] fragmentação é uma das características mais evidentes da organização espacial do mundo contemporâneo. Manifesta-se na quebra de espaço em unidades discretas que podem ser privatizadas e comercializadas como commodities e é reforçada pela fragmentação das ciências que esculpem o espaço de acordo com os interesses disciplinares (Almeida, 2015, p. 12).

Grandes capitalistas dispõem, dessa maneira, das cidades para criar nichos de satisfação dos prazeres para as classes mais abastadas (também vendidos como sonhos para aqueles que,

quem sabe um dia, “chegarão lá”). A urbanização ganha grandes parques temáticos, orlas superurbanizadas com infraestrutura espetacular e cara, e grandes obras que reorganizam sua estrutura, atraindo altos investimentos e permitindo a venda em nível global das cidades, são as fantasy cities (Gastal, 2006).

Esta efervescência [consumista], que altera o ritmo das grandes cidades, decorre da financeirização da economia urbana, da monetarização de todas as relações sociais e da ênfase, quase exclusiva, em intervenções na materialidade que objetivam o embelezamento de áreas privilegiadas e a circulação confortável para somente alguns segmentos da população urbana (Ribeiro, 2006, p. 24).

Essa reordenação do espaço urbano para a acumulação capitalista possui um alto custo para a população pobre. A destruição do “velho” para a criação do “novo” implica um conjunto de embates em que o Estado atua intensamente ao lado do capital na realocação de populações, liberando os espaços de interesse do capital. Entra em cena, no espaço urbano, a “acumulação por despossessão”, “o poder financeiro apoiado pelo Estado força a desobstrução dos bairros pobres, em alguns casos, tomando posse violentamente da terra ocupada por toda uma geração” (Harvey, 2012, p. 83). Nesse cenário de mercantilização do solo urbano e do bem-estar na cidade, a intensificação de turismo surge como um empreendimento bastante funcional, já que ajuda a forçar os investimentos em infraestrutura urbana, a reordenação do espaço e a expulsão de moradores(as) das áreas de interesse do capital e da especulação imobiliária.

Assim, quem possui o poder de direcionar a transformação do espaço urbano é um grupo muito limitado de agentes econômicos que, de acordo com seus interesses privados e de acumulação de capital, podem reconstruir as cidades. Nesse sentido, a produção capitalista do espaço urbano não sofreu transformações em essência, a partir dos anos 1970, em relação aos estágios anteriores. A cidade continua intimamente ligada às necessidades de valorização do

capital. O que mudou, foram as formas pelas quais essa valorização se dá e como a cidade serve a este propósito.

É nesse cenário que se observa o incremento do turismo, que pode ser qualificado como uma espécie de “unanimidade apologética” em torno do potencial dessa atividade para o desenvolvimento (Ouriques, 1999). Nos países da periferia do capitalismo, a exploração do potencial turístico de suas culturas e paisagens se tornou algo como um “passaporte para o desenvolvimento” (Ouriques, 2012), que poderia ajudar tais países a superar a condição de subdesenvolvimento e alçá-los a um patamar competitivo, apesar do atraso histórico. Assim, em função do incremento tecnológico nos campos de transporte, informação e com o advento da globalização, além dos novos sonhos de consumo do “exótico”, do “diferente”, o turismo é “entendido como uma das grandes possibilidades de atividade econômica para a sociedade do século XXI” (Moretti, 2007, p. 4) e, a partir da década de 1970, “esta atividade atinge praticamente todos os lugares do mundo e tem significativa importância no comercio internacional” (Moretti, 2007, p. 6).

Nessa linha, são destacadas uma série de vantagens econômicas do desenvolvimento turístico das cidades, a saber: gerar investimentos, empregos e capacidade interna de consumo; compensar o desequilíbrio estrutural da renda; divisão da carga tributaria local com os turistas; qualificação de pessoas, serviços e equipamentos; trabalho que não pode ser facilmente substituído por maquinários, garantindo manutenção e volume (Valduga, 2007).

Contudo, conforme a análise da produção do espaço urbano que vem sendo feita aqui, é importante compreender tal atividade no “contexto geral de consumo e produção da natureza, que é consumo e produção de espaço” (Moretti, 2007, p. 6). Trata-se de uma atividade que mobiliza mais de um bilhão de pessoas viajando internacionalmente por ano e que conta com o interesse de 95% dos países em garantir sua promoção (Netto & Nechar, 2016). Promoção essa que garante uma constante modificação da realidade espacial e

infraestrutural, impactando sobre diversos âmbitos das realidades locais “com a criação de portos, aeroportos, estabelecimentos de hospedagens, ações que promovem a mobilidade, legislação específica, web sites, aplicativos para smartphones, entre outros aparatos a serviço do setor de viagens e turismo” (Netto & Nechar, 2016).

Se por um lado o turismo é transformação do espaço, por outro essa transformação é a garantia do consumo deste, e tal consumo é forma expandida de ocupação do tempo fora do trabalho com atividades que garantam a realização dos valores produzidos na estrutura capitalista. É, então, garantir que o ócio seja convertido em consumo. Os lugares são transformados de forma a atender essa necessidade criada de ocupação consumista desse tempo (Moretti, 2007). Mas já vimos que o consumo é uma das pontas e é manifestação de relações estruturais mais profundas. Em seu nível mais essencial, o turismo é veículo da expansão e modernização capitalista. “Talvez seja essa sua principal função na globalização contemporânea: introduzir as relações sociais especificamente capitalistas, subordinando e mesmo extinguindo, muitas vezes, as formas sociais arcaicas, tradicionais” (Ouriques, 2012, p. 154). Assim, não só é uma atividade que garante novas formas de acumulação, por exemplo, a acumulação por espoliação, como dá nova feição a processos que existem desde a acumulação primitiva, como a supressão de quaisquer formas alternativas a esse modo de produção.

Esse fenômeno é parte da produção e consumo do espaço turístico (Paiva & Vargas, 2010). É uma característica central de tal tipo de atividade econômica que ele precisa determinar um grau de transformação ou apropriação amplo que vai dos espaços (praias, sítios arqueológicos, lugares históricos, espaços naturais) até os hábitos (como a poupança financeira feita para garantir viagens). No primeiro caso, se destaca o incrível potencial de abarcar praticamente qualquer tipo de espaço físico. Nenhuma outra atividade parece ter esse potencial, já que não se resume ao local especificamente utilizado pelo turista, mas todo

conjunto de serviços que carrega junto e que modificam a paisagem e a sociabilidade locais. Junto a isso há produção e consumo simbólico dos espaços, sobre os quais se criam imagens, símbolos a serem consumidos (como os religiosos) e expectativas visando despertar o desejo dos espectadores (Paiva & Vargas, 2010). É importante notar que não se trata só de vender a imagem do lugar, mas de produção de desejo, é a criação de um “olhar turístico” (Alverga, 2011).

Concorrem, segundo Paiva e Vargas (2010), para a produção desse espaço turístico, diversos atores, sendo os principais agentes de produção o Estado, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, os proprietários dos meios de produção e consumo, os residentes e os turistas. O Estado atua na garantia da infraestrutura básica (que muitas vezes é negada à própria população nativa) para o funcionamento da atividade. No caso do nordeste do país, que interessa particularmente aqui, repete-se o ideário de superação do atraso estrutural pela via do desenvolvimento turístico, potencializado pelos elementos naturais.

Os promotores imobiliários (construtores, incorporadores, corretores imobiliários) criam a lógica dos imóveis como produto turístico, que é a combinação do imóvel em si com o próprio lugar como paisagem ou espaço de consumo. No ramo predominante na região nordeste, sol e mar, há uma incidência de promotores imobiliários estrangeiros (Paiva & Vargas, 2010). Já os proprietários fundiários ganham com a renda do solo, valorizado pelo turismo. Muitos desses terrenos viram palco para a construção de grandes hotéis ou resorts.

Os empresários ligados à hotelaria, transportes, entretenimento, cultura, gastronomia e outras atividades relacionadas ao turismo, donos de meios de produção, estão ligados aos donos dos meios de consumo ajudando a garantir a valorização de seus produtos (Paiva & Vargas, 2010). Os residentes, por sua vez, são aqueles que participam da transformação local, usufruindo ou não da infraestrutura e dos atrativos turísticos. Esse aspecto merece destaque, pois as profecias salvacionistas do turismo costumam ser direcionadas para os residentes, com

promessas de desenvolvimento local, emprego, melhoria da qualidade de vida etc. No turismo do tipo sol e mar, trata-se geralmente de colônias de pescadores e comunidades nativas, sobre as quais a produção do espaço turístico incide remodelando seus modos de vida. Os turistas constituem, obviamente, um grupo essencial uma vez que são aqueles que vão consumir o espaço e para quem este é fundamentalmente produzido.

Dessa maneira, a urbanização garantida pela produção do espaço turístico possui direção muito clara.

A infraestrutura criada para incrementar os fluxos do turismo favorece o mercado imobiliário local: tanto os proprietários fundiários, na medida em que grandes glebas de terra localizadas em áreas litorâneas e de interesse turístico passam por um processo crescente de valorização, reforçada pela tendência de transformação da terra rural em terra urbana; como os promotores imobiliários, que têm seus negócios incrementados pela valorização econômica e simbólica de novas porções do território (Paiva & Vargas, 2010, p. 11).

Por estar radicada na estrutura de expansão das fronteiras do capital, essa propagação do turismo reproduz as estratificações de tal sociedade de classes. Assim, a expansão turística nos países periféricos acaba funcionando como mecanismo de manutenção de relações históricas de dependência (Ouriques, 2012).

Analisar criticamente esse processo implica considerar a “introdução da atividade como efeito desestabilizador, de desestruturação das economias preexistentes”, a “modernização econômica como veículo da expansão capitalista nas periferias”, e parte do processo de “transformação de todos os aspectos da vida social em mercadoria” (Ouriques, 2012). Assim, conforme o processo de acumulação por espoliação, a atividade turística vem associada à subordinação ou supressão de atividades e sociabilidade tradicionais, além da intensificação da segregação espacial, destruição ambiental e apropriação cultural.

Além disso, a dispersão de redes hoteleiras, de restaurantes, e atividades comerciais encontra terrenos férteis para a exploração intensa da mão de obra e dos recursos naturais, garantindo os processos de transferência de valor na direção periferia-centro. Em muitos casos, ocorre a introdução de relações salariais em comunidades que não a possuíam anteriormente. Por fim, a criação de um “olhar turístico” e a commoditização da vida cria nichos de mercado cada vez mais inseridos nas vidas pessoais e comunitárias. Não apenas o espaço é vendido, mas tradições, curiosidades, folclore, tudo vira espetáculo para a admiração turística. O outro, seu corpo e seus hábitos, são fotografados e consumidos ao mesmo tempo (Ouriques, 2012).

Mais acima mencionei uma “unanimidade apologética” que qualifica o turismo. Isso se dá em, pelo menos, três aspectos: a capacidade de desenvolver os locais “atrasados”, sua capacidade de garantir emprego e renda e, seu funcionamento como “indústria sem chaminés”, ou seja, que pode desenvolver economicamente sem efeitos deletérios para o meio ambiente. No que diz respeito à capacidade de desenvolvimento trazida pelo turismo, o que se evidencia é que há uma desigualdade na distribuição internacional da renda gerada pelo turismo e boa parte dos recursos advindos dessa atividade fica nos países já considerados desenvolvidos (Ouriques, 2012). Mesmo com a expansão do turismo nos países periféricos, essa situação permanece inalterada. Além disso, se observa que “os principais destinos