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5. LIMITES, POTENCIALIDADES E DESAFIOS IDENTIFICADOS

5.2. Política social dos jesuítas

5.2.1. Oportunidade e estratégia de formação para a vida solidária

O projeto social em estudo e análise foi para um número significativo de jovens a única oportunidade de acesso a ensino superior. Pela manifestação dos jovens entrevistados, o projeto respondia também a um sonho de formação para a vida. Portanto, as oportunidades com proposta clara de formação realizam a transformação de pessoas e realidades.

Nas entrevistas 77% dos participantes destacaram a formação pessoal proporcionada pela vivência no Projeto social em questão, sempre se reiterando o acesso ao ensino superior e ao mundo do trabalho como perspectiva inicial, fundamentais, na medida em que à época não existiam políticas públicas de acesso ao ensino superior público, as escolas públicas não preparavam seus alunos para ingressar em uma universidade pública e a população pobre não contava cm recursos para pagar cursinhos, normalmente com alto valor de mensalidade.

Alguns relatos dos entrevistados demonstram que, além de obterem a formação inicialmente desejada, de caráter instrumentalista, os participantes puderam usufruir de uma preparação maior para a vida; como destacado a seguir:

“Realizei o sonho de ser profissional em educação.. isso pela ajuda do projetos dos jesuítas, até então eu só era vendedora”.

“O ingresso na faculdade foi um marco muito importante na minha vida.. através do projeto social dos jesuítas consegui esse crescimento pessoal e profissional”.

“Aprendi muitas coisas participando do projeto... que me acompanharão pelo resto da vida”.

“Esse projeto dos jesuítas é responsável pela transformação de muitas vidas da nossa comunidade”

“Precisamos dar continuidade para formar novos políticos que entendam sua missão”.

Os resultados das entrevistas refletem claramente um processo de transformação pessoal dos participantes - do projeto pessoal voltado aos interesses pessoais iniciais ao compromisso e solidariedade com os demais. Reiteradamente afirmam que seu intuito era a oportunidade de ter acesso a estudo e preparação para trabalho mas que, ao participar, o desejo inicial transcendeu o projeto pessoal e levou à visão da atuação coletiva no apoio à transformação social, participando dos Movimentos Sociais.

Ao correlacionar tais resultados com o marco teórico analisado, enquanto parte da sociedade civil organizada, o projeto social hora em estudo traz a permanente preocupação de ajudar as pessoas e comunidades a criar condições de possibilidades para a autonomia e protagonismo, de formar lideranças para os diversos aspectos da sua vida e organização em sociedade. Não obstante, se fazia notar, nas fases iniciais dos participantes do projeto social dos jesuítas, a tendência de esperar receber ajuda da instituição jesuíta, na esteira da concepção das práticas governamentais e de organizações sociais que não tratam os “beneficiários” como sujeitos de direitos, mas recebedores de beneplácitos, correspondendo a uma troca de favores, na qual se espera que algo seja oferecido em troca do que recebe, principalmente na forma de voto para eleger ou reeleger pessoas de interesse de determinados segmentos.

Tal prática é parte essencial da política neoliberal no trato com os empobrecidos; os próprios programas de transferência de renda governamentais realizam parcialmente essa prática, na medida em que distribuir renda deve fazer parte de um projeto mais

equitativo para o Brasil. A questão é quem define e com que critérios como ocorrerá tal distribuição, ínfima diante das riquezas nacionais. Outro fator de destaque, não abordado no escopo deste estudo, é a natureza e poder de influências de determinados setores econômicos na construção e manutenção de programas sociais, que muitas vezes atendem a outras prioridades que não o cidadão em situação de vulnerabilidade, no atendimento dos interesses capitalistas.

No marco teórico a autora Maria Ozanira Silva e Silva (2001) apresenta um estudo sobre os programas de Renda Mínima como “Sistema de Proteção Social”, que se configura em ação imediata e necessária de transferência de renda à população mais carente. Contudo, a principal necessidade da população mais pobre precisa é o reconhecimento como sujeito de direitos que carece de desenvolvimento social digno, garantido pela Constituição como direito de todo cidadão brasileiro. No entanto, embora no escopo da Proteção Social seja considerado dessa forma, as políticas sociais são definidas de acordo com o interesse econômico neoliberal capitalista e além de não contribuírem para distribuição equitativa dos bens entre a população de forma geral, fortalecem o acúmulo de capital em poder de poucos, resultando em políticas públicas estreitas e fragmentadas para os mais pobres. Outro aspecto ressaltado por Maria Ozanira Silva (2001) é que, ainda que se afirme que os programas de transferência de renda visem a articulação com a educação, não se encontram evidências contribuição da educação para a formação de cidadãos autônomos e protagonistas da vida em sociedade com direitos iguais. O modelo de educação nacional atual, de modo geral, é anacrônico e não se identifica reais e efetivos movimentos para novas formas de formação educacional no país. Não há evidências, nos programas governamentais e/ou assistenciais, de problemas técnicos, o que induz ao entendimento de que o problema se concentra na concepção distante da realidade, no contexto de um sistema produzido sob os condicionamentos da política neoliberal.

Em relação ao contexto universal e latino americano da organização jesuíta, conforme apresentado no capítulo 2 deste trabalho, o projeto social, objeto deste estudo, na região de Perus/SP respondia às diretrizes e documentos orientadores e inspiradores da instituição. Na retomada das referências, entendemos que o marco

principal que respalda a posição institucional também do projeto social hora em análise é a carta dos superiores provinciais da América Latina contra o neoliberalismo, que afirma que tal modelo gera as desigualdades sociais, o acúmulo do capital em mãos de poucos, a destruição das culturas e do meio ambiente e afeta profundamente a dignidade humana, dentre outras: “...comprometidos com a sorte do nosso povo e, em particular, dos mais pobres, algumas reflexões sobre o modelo econômico conhecido como neoliberalismo”32.

Diante desse cenário, a organização jesuíta afirma sua caminhada com as “vítimas deste sistema” e de trabalho em diversas frentes - cultural, educacional, intelectual, social, dentre outras - para apoiar as populações mais afetadas pelo sistema. De alguma forma a postura condena um sistema e sugere outro modelo de sociedade, pautado em valores de convivência solidária, mesmo que atualmente não se vislumbre outro modelo econômico no horizonte.

Na mesma lógica de trabalho com os empobrecidos, no capítulo II foram abordadas as várias referências de documentos, cartas, entrevistas e a mais recente organização do trabalho social em Rede articulado pelos Centros Sociais Jesuítas, do qual o Santa Fé é integrante. Neste momento se aborda somente o programa de formação política cidadã, por sua direta relação com o escopo deste trabalho. Além de conteúdos comuns de formação, tal programa desenvolve sistematizações e promove intercâmbios de processos e de difusão, incidência e construção de pensamento coletivo no âmbito da América latina e Caribe; localmente o projeto social, objeto deste estudo, da Região de Perus/SP ajuda na implantação deste programa.

De forma prática, confirmando a relevância do projeto social em estudo na vida das pessoas, constatamos que os pesquisados, outrora empobrecidos, sem condições de pagar estudos - portanto, excluídos do acesso a ensino superior e de recursos públicos - tiveram oportunidade de desenvolvimento social e econômico pelo projeto social em questão: hoje são formados e se situam na classe média, além de engajados em compromissos sociais concretos. O número de jovens que

conseguiram emprego naquela década por terem feito cursos de informática e técnicas administrativas, dentre outros, chega a 95%.

Saliente-se que a formação participada permitia a obtenção de empregos antes de finalizar o curso, o que, se por um lado é positivo, por outro, lado perverso, porque muitas vezes estes jovens não podiam conciliar o estudo com o novo trabalho, muitas vezes informal e incompatível com o desenvolvimento profissional pretendido. No entanto, ficou patente que havia um valor adicional caso o candidato tivesse feito formação para o trabalho no Centro Santa Fé e mesmo nos casos em que o trabalho obtido não fosse formalizado, o projeto social funcionou como referência de mediação para conseguir trabalho, garantindo, em muitos casos, a possibilidade de alimentar a família.

5.2.2. Limites identificados

No âmbito interno, a instituição não tem conseguido formar novos quadros jesuítas que se especializassem em ciências sociais e políticas, para adquirir a capacidade de dirigir projetos/obras sociais com a visão libertadora e transformadora.

Outro fator limitador é o financiamento; sem buscar novas fontes os jesuítas não poderão atuar com a autonomia que tiveram e que se faz necessária para projetos mais ousados e arrojados do ponto de vista político. Esse limite traz a dificuldade de replicar e multiplicar projetos sociais como o analisado, ressalvadas as necessárias mudanças em novos contextos socioculturais.

Outro limite recorrente no relato dos pesquisados/entrevistados é que não se provocou, neste projeto, com forte inserção e participação dos jovens em Movimento Social, uma política mais voltada para a juventude, aspecto a ser trabalhado futuramente.

5.2.3. Potencialidades

As lideranças leigos(as) formadas são um potencial para o projeto social, objeto deste estudo, e para outras obras/projetos sociais da região. Existe um potencial, capacidade nas pessoas formadas para liderar trabalhos sociais em continuidade ou ajudar noutros projetos sociais com a mesma intencionalidade transformadora.

A proposta de projeto Social experimentada e consolidada é replicável, condicionada à existência de fontes de apoio para este tipo de formação de conotação mais política e prática em movimentos sociais.

O carisma e presença dos jesuítas no campo social, somada a opção institucional pelos empobrecidos e marginalizados pode e deve ser atualizada para os diversos contextos de potencial replicação.