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Política Social de tradição marxista

1. MARCO TEÓRICO

1.2. Fundamentos e conceitos de Política Social

1.2.2. Política Social de tradição marxista

A visão de política social atual não é a mesma dos tempos de Marx, no entanto suas abordagens com base nas transformações sociais ocorridas na sociedade burguesa e seu movimento de produção e reprodução ainda sinalizam que a desigualdade social está estruturalmente atrelada às relações sociais (MARX, 1988; MARX, 1997). A tradição marxista contribuiu para a análise das transformações ocorridas no século XX, fase à dinâmica da economia e da política, trazendo à análise sobre o significado de política social com ampliação e limites, no cenário do capitalismo passado e presente. A concepção de Marx explica a relação entre o sujeito e o objeto, em razão de ambos estarem situados em determinado momento de uma determinada realidade social como exigência para o estudo de um fenômeno como resultado concreto de um acontecimento.

Behring aponta o método crítico-dialético como alternativa de análise no surgimento e desenvolvimento de políticas sociais de forma a garantir o bem estar e justiça social no contexto capitalista:

[...] o método crítico dialético traz uma solução complexa e inovadora do ponto de vista sujeito-objeto: uma perspectiva relacional, que foge ao empirismo positivista e funcionalista e ao idealismo culturalista. (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 36).

Sob a perspectiva de tal método Behring e Boschetti buscam a apreensão da política social a partir da contribuição metodológica de Marx:

A análise das políticas sociais se dá como processo e resultado de relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado e a sociedade civil, no âmbito dos conflitos e luta de classes que envolvem o processo de produção e reprodução do capitalismo (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 36).

Na abordagem de política social sob o ponto de vista da relação sujeito/objeto, Behring e Boschetti (2011, p. 38-39) revelam a existência de “um sujeito ativo, inquieto, que indaga o objeto, procurando extrair o que se passa nele, seu movimento real”. Portanto, para Behring ao realizar a análise da política social pela tradição marxista, se elimina a neutralidade entre sujeito e objeto, historicamente situados e relacionados, sendo necessário reconhecer tal relação para determinar as visões sociais de mundo imanentes.

O método adotado por Marx ainda contempla a aproximação e a apropriação do sujeito pelas características do objeto, através dos processos sociais situados ao longo da história.

O método, na perspectiva marxiana, não se confunde com técnicas ou regras intelectivas [...] é uma relação entre sujeito e objeto que permite ao sujeito aproximar-se e apropriar- se das características do objeto. Deste modo, o conhecimento não é absoluto, mas é possível apreender as múltiplas determinações dos processos sociais historicamente situados, porque o ser social se objetiva – a sociabilidade é objetivação. (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 39).

Segundo Behring, a análise marxista não fica na superfície dos “fatos”, ela procura ir à essência do fenômeno; dessa forma, as políticas sociais não são apenas expressão “fenomênica”, há um movimento social a ser captado. “O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde [...], por isso fazemos uma aproximação a partir de certos ângulos e aspectos que captam o fenômeno de “modo parcial”:

Desse modo as políticas sociais não podem ser analisadas somente a partir de sua expressão imediata como fato social isolado. Ao contrário, devem ser situadas como expressão contraditória da realidade, que é a unidade dialética do fenômeno e da essência (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 39).

O fenômeno aparentemente indica algo que não é ele mesmo, mas sua essência, que deve ser considerado naquele momento histórico e de acordo com sua significação sobre si mesmo e sobre o contexto:

Assim, descobrir a essência dos fenômenos, na perspectiva crítico-dialética, pressupõe situá-los na realidade social sob o ponto de vista da totalidade concreta que, antes de tudo, significa que cada fenômeno pode ser apreendido como um momento da totalidade. Um fenômeno social é um fato histórico na medida em que é examinado como momento de um determinado todo e desempenha uma função dupla: definir a si mesmo e definir o todo, ser ao mesmo tempo produtor e produto, conquistar o próprio significado e ao mesmo tempo conferir sentido a algo mais (SWEEZY, 1983, apud BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 40).

As autoras ponderam e alertam acerca da complexidade da realidade, suas dimensões e relações entre os fatores econômicos e as políticas sociais, especialmente as determinadas pela estrutura econômica vigente:

[...] o estudo das políticas sociais deve considerar sua múltipla causalidade, as conexões internas, as relações entre diversas manifestações e dimensões. Do ponto de vista histórico, é preciso relacionar o surgimento da política social às expressões da questão social que possuem papel determinante em sua origem (e que, dialeticamente, também sofrem efeitos da política social). Do ponto de vista econômico, faz-se necessário estabelecer relações da política social com as questões estruturais da economia e seus efeitos para condições de produção e reprodução da vida da classe trabalhadora. Dito de outra forma, relaciona as políticas sociais às determinações econômicas que, em cada momento histórico, atribuem um caráter específico ou uma dada configuração ao capitalismo e às políticas sociais, assumindo, assim, um caráter histórico-estrutural. Do ponto de vista político, preocupa-se em reconhecer e identificar as posições tomadas pelas forças políticas em confronto, desde o papel do Estado até a atuação de grupos que constituem as classes sociais e cuja ação é determinada pelos interesses da classe em que se situam (BEHRING e BOSCHETTI, 2011, p. 43).

Resumindo, ao considerar que “... estas dimensões – história, economia, política e cultura – não podem e nem devem ser entendidas como partes estanques que se isolam ou se complementam, mas como elementos da totalidade, profundamente imbricados e articulados.” Behring (2011, p. 43), remete, novamente, à complexidade do fenômeno social e alerta sobre o risco de análises segmentadas da política social. Os elementos histórico, econômico, político e cultural são referências que ajudam a compreender o sentido das políticas sociais e permitem identificar tanto as determinações econômicas quanto as relações de poder, de coerção e ameaça,

legal e politicamente sancionadas, que determinam os limites e o grau de “bem estar social” que a política social tem condições de produzir no âmbito do capitalismo. Por outro lado, são indicações que permitem observar as contradições e os movimentos objetivos e subjetivos que compõem esse processo e situar a política social no contexto dos projetos societários, em especial seu lugar na agenda contra- hegemônica dos movimentos sociais.

De acordo com essa concepção, é importante perceber as forças políticas que se organizam no âmbito da sociedade civil e interferem na configuração da política social, de modo a identificar sujeitos coletivos de apoio a um projeto de transformação social, alimentando as forças sociais em movimentos sociais de defesa dos empobrecidos e excluídos. Contudo, numa visão mais radical, a política social que se gesta e se desenvolve dentro do “sistema capitalista” não é a solução definitiva, mas pode ser parte de um processo de mediação para um projeto de sociedade mais equitativa.

O foco deste estudo não é o aprofundamento em teoria de política social nem tem a pretensão de esgotar os conceitos formulados por Behring (perspectivas funcionalista e marxista); o intuito é elucidar os elementos fundamentais considerados na análise, à luz de sua concepção:

1) A política social é entendida como processo e mediação, ou seja, ela se constrói no âmbito coletivo e ao mesmo tempo assume o papel de mediação entre os atores. O processo vivido como movimento social vai se aprofundando e aperfeiçoando a política social.

2) Neste processo da construção da política social as pessoas vivenciam a atuação como sujeitos sociais, em contínuo processo de emancipação, ou libertação. 3) As pessoas vivem o processo na organização/participação dos movimentos

sociais, o que se constitui em aprendizado individual e coletivo.

4) Para avançar, esta experiência de construção e aprendizado deve passar pela atitude de autocrítica e crítica-histórica às políticas sociais.

No escopo deste estudo, consideramos que o foco da política social deve estar nos sujeitos sociais, fundado na visão que supera os limites de verificação da eficácia da

solução de problemas sociais sem assegurar justiça social e equidade. No tópico seguinte serão apresentados alguns elementos sobre a evolução da pobreza no Brasil, que contribuem para identificar a realidade da política social brasileira, seus avanços e seus limites.