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POLÍTICAS PÚBLICAS: DEMANDAS E AÇÕES

No documento Vida cigana (páginas 137-152)

As políticas públicas são direitos assegurados constitucionalmente, ou que se afirmam graças ao reconhecimento, por parte da sociedade e/ou pelos poderes públicos, enquanto novos direitos de pessoas, comunidades, coisas ou outros bens materiais ou imateriais. Apesar da garantia constitucional, foi somente a partir de 2007 – com a publicação do Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro que estabelece a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais106 que os ciganos começaram a ser identificados no conjunto de leis que regem a sociedade brasileira.

A partir do reconhecimento como povo tradicional, os ciganos puderam ter acesso a programas de transferência de renda. Como por exemplo, o programa Bolsa Família107, que é hoje, para muitas famílias ciganas, a única forma de garantir o mínimo para sua sobrevivência. O Bolsa Família integra o Plano Brasil Sem Miséria (BSM), política pública que tem como pressuposto retirar da situação de miséria absoluta milhões “de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 77 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos”108.

O Programa é constituído de três eixos principais: transferência de renda, condicionalidades, ações e programas complementares. “As condicionalidades reforçam o acesso a direitos sociais básicos nas áreas de educação, saúde e assistência social” 109. Uma das condicionalidades do Bolsa Família é a frequência das crianças à escola. Apesar dos propósitos positivos que estão por trás das condicionalidades, existem situações em que as especificidades deveriam vir em primeiro lugar. Se isso não acontece, poder-se-ia pôr em dúvida sobre o que realmente estaria por trás das tais condicionalidades.

106 De acordo com o Decreto 6.040, os povos e comunidades tradicionais do Brasil, são os Povos indígenas, seringueiros, quilombolas, castanheiros, quebradeiras de coco-de-babaçú, comunidades de fundo de pasto, faxinalenses, pescadores artesanais, marisqueiras, ribeirinhos, varjeiros, caiçaras, praieiros, sertanejos, jangadeiros, açorianos, campeiros, varzanteiros, pantaneiros, geraizeiros, veredeiros, caatingueiros, retireiros do Araguaia dentre outros.

107Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda por meio de decreto do governo Lula em 07/02/2007, que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza.

108 Informação disponível na página de internet do Ministério do Desenvolvimento Social: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia. Acesso em 19/06/2014.

109 Informação disponível na página de internet do Ministério do Desenvolvimento Social: <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia>. Acesso em: 19 jun. 2014. (BRASIL, 2013).

No caso dos ciganos, pois, como já exposto anteriormente, tanto os meninos quanto as meninas passam poucos anos na escola por questões culturais. No caso dos ciganos que praticam o nomadismo, como as famílias poderiam assegurar o comparecimento de seus filhos à escola? São situações específicas que precisam ser pensadas a partir de uma perspectiva que contemple os coletivos heterogêneos brasileiros.

De uns anos para cá, lideranças ciganas resolveram reivindicar alguns direitos. Até então o que se tinha eram ações governamentais que não alteravam a realidade dos mesmos. Por exemplo, em 1994 (DHNET, 2007) foi criada a Câmara de Coordenação e Revisão dos Direitos das Comunidades Indígenas e Minorias Ciganas. Posteriormente, em 2006, foi instituída a Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SID/MinC).

Além disso, os Ministérios do Meio Ambiente (MMA) e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, desde 2004, vêm desenvolvendo ações visando à elaboração de uma política nacional voltada para o desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais, dentre elas, a dos ciganos. A ministra da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), Matilde Ribeiro, reconhece que, apesar das iniciativas citadas, pouca coisa mudou. Recentemente foi realizado um mapeamento inicial sobre os ciganos segundo o qual a maioria é de baixa renda e, portanto, necessita de políticas básicas do Governo Federal110.

Apesar das iniciativas mencionadas, observa-se que ainda há muito a fazer. O processo de visibilidade dos ciganos está apenas começando. São séculos de exclusão e isso não se modifica do dia para a noite, como colocou Bartolomeu Martins Lima111, representante do Ministério da Saúde, no estado do Espírito Santo:

Não é que não existisse, é que era ignorada as necessidades desses grupos, ignorava-se, não se parou para pensar, não se deu a devida atenção então à época. Mas é uma situação que o estado através das políticas de saúde está procurando, o estado brasileiro, está procurando dar uma resolução, dentro da possibilidade, colocando isso [...] (CAVALCANTI et al., 2011j).

Ana Maria Costa, diretora do departamento de apoio à gestão participativa do Ministério da Saúde, vai um pouco além ao afirmar:

110Disponível em: http://www.fatorbrasis.org. Acesso em: 18 fev. 2013.

Em relação à saúde [ o cigano] é vitima de uma exclusão crônica, se tomamos o caso dos ciganos que vivem, são nômades, que vivem diversos espaços territoriais, essa condição já os retira, já os extrai da condição de residente do município. E a população residente do município, licenciada pelo IBGE é a base de cálculos do repasse de recursos em saúde para aquele município, portanto por esse raciocínio linear, dessa forma, a população cigana já está excluída.112(CAVALCANTI et al., 2011j).

Ela destaca, por exemplo, o caso do estado do Espírito Santo, que na área da saúde tem feito um trabalho diferenciado em relação aos ciganos. Esse trabalho é o mapeamento das comunidades ciganas e, mais do que isso, o atendimento imediato das necessidades. A partir dessas ações, Ana identifica que “aquela população que antes passava por invisível, que as pessoas não reconheciam, não viam, não percebiam, passa a ser de repente objeto da ação pública de saúde113”.

Outro aspecto importante é que a elaboração de políticas de saúde, como já foi observado também em relação às de educação, tenham atenção no que diz respeito às especificidades dos povos ditos tradicionais. Isso implica que as políticas de reconhecimento à diversidade cultural têm que ser amplas. No Espírito Santo, município de Fundão, localizado a 50 km de Vitória, diante da dificuldade dos ciganos de acessarem os equipamentos de saúde, a prefeitura elaborou um cadastramento, a princípio em Praia Grande, um distrito da cidade, como contou Saulo Faucheto, secretário de saúde do município de Fundão, ES114:

Nós cadastramos todas as famílias, botamos um agente de saúde, estendemos a área dele até o acampamento cigano, ele é responsável por aquela área. Foi realizado a princípio um minimutirão, levamos médico, assistente social, enfermeiro. Médica do PSF já fez vários atendimentos no dia, passaram por uma triagem previamente, os pacientes foram todos, aferimos a pressão de todo mundo, verificamos leucemia capilar de todo mundo, identificamos muitos ciganos hipertensos, que não sabiam que eram hipertensos, diabético, então já fizemos cartão do hiper dia, já estamos realizando o hiper dia local dentro do acampamento cigano. A médica assumiu aquilo ali como área território dela também (CAVALCANTI et al., 2011j).

Ana Maria Costa115explicou quais seriam as causas da não utilização dos serviços de saúde pelas comunidades ciganas:

Eles não são pessoas que frequentam cotidianamente o serviço, salvo nas situações de emergência, e quando é emergência, a emergência deles é mais

112Episódio n. 10. Cf. CAVALCANTI et al., 2011j. (O Povo Cigano no Brasil, 10). 113Episódio n. 10. Ibid.

114Episódio n. 10. Ibid.

ainda, porque eles têm pressa porque tão de passagem, porque vão pegar a estrada, então eles não podem, por exemplo, eles dizem pra gente: “a gente não pode precisar de um oculista e demorar quatro meses”. O oculista pra eles tem que ser para agora, porque a vida deles é uma vida ágil, digamos assim, territorialmente (CAVALCANTI et al., 2011j).

Conhecedora das especificidades culturais dos ciganos, ela acrescentou que “uma mulher cigana não pode ser tocada por um homem nem para examiná-la, qualquer especialidade, ela não pode ser tocada. Uma mulher cigana que venha ao serviço de saúde ela só pode ser examinada por uma mulher, não pode ser por outra pessoa”.

Vanusa, cigana que tem acesso a esse tipo de atendimento a domicílio e diferenciado, falou da importância do mesmo.

A gente tem tudo certo, tem a medicação, tem a médica, a própria médica doutora, vem pergunta, pergunta se a gente tá precisando de alguma coisa, alguma medicação, exame de sangue, quando a gente precisa de alguma, elas dá um jeito e faz lá pra gente, então é muita vantagem pra nóis.116 (CAVALCANTI et al., 2011j).

Na cidade de Porto Seguro, BA, os ciganos confirmam as palavras de Ana Maria, pois mesmo reconhecendo que são bem atendidos nos postos de saúde dessa cidade, reclamam da falta de conhecimento dos profissionais de saúde no que diz respeito às suas especificidades, como enfatizou o cigano Zanata Dantas:

Uma família mais conservadora eu acho que a mulé teria que se atendida por uma medica mulé, então é nessa parte que os ciganos têm a parte de reivindicar. Mas em relação à saúde eles não têm nenhuma discriminação assim de ser atendido, de ser cigano, ser índio, ser negro, não, até agora não houve. Já houve alguns casos isolados, mas coisas que não se leva muito a sério (CAVALCANTI et al., 2011j).

Esse fator é responsável pelo distanciamento das mulheres ciganas de qualquer atendimento médico, como no caso das mulheres ciganas de Porto Seguro117, que por não terem acesso a uma consulta ginecológica com uma profissional de medicina que seja mulher voltam para suas casas sem atendimento.

Sobre o conhecimento dessas especificidades, Ivonete Carvalho118, diretora de programas para as comunidades tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), reconheceu que:

116Episódio n. 10. Ibid.

117Episódio n. 10. Ibid.

É um processo em construção, nós temos de fato uma gestão sensível, mas a gente tem muitos passos ainda a dar em relação a isso, que é ir aos poucos moldando esse modelo de políticas públicas de forma que ele dialogue com especificidades de cada público, respeitando sua especificidade cultural. Esse exemplo da questão cigana também se repete, por exemplo, na questão indígena.119(CAVALCANTI et al., 2011j).

Uma ação importante em relação à saúde foi a portaria do Ministério da Saúde que assegurou a todos os ciganos nômades ou sedentários o cartão do Sistema Único de Saúde. O cartão SUS foi instituído a princípio para indivíduos com residência fixa. No que se refere às políticas públicas de educação para ciganos, Ivonete Carvalho confirmou que já foram enviadas algumas demandas para o Ministério da Educação e que o mesmo está estudando uma forma de atendê-las. Ela diz que o Ministério da Educação tem buscado dialogar com a Secretaria de Diversidade Identidade (SECAD), e que, apesar de ainda não haver uma proposta concluída, eles já estão trabalhando conjuntamente na perspectiva de instituir um curso de formação para professores.

O curso teria por objetivo preparar professores para atuarem com a população cigana. Outro estudo que está sendo viabilizado é o que discute a frequência da criança cigana nômade à sala de aula. Esses elementos, na opinião de Ivonete, são desafios. Ela explica: “Existe todo um mecanismo que precisa ser trabalhado, tem o Conselho Nacional de Educação. Então o que eu posso afirmar é que já existe uma movimentação para que isso aconteça” (CARVALHO, 2009). Nesse sentido cabe ressaltar dois exemplos onde vontade política, aliada a desejo de aprender, vem causando mudanças significativas na vida dos ciganos em Sobradinho, DF e Itumbiara, GO.

Em setembro de 2011, o Governo do Distrito Federal lançou o Programa DF Alfabetizado: juntos por uma nova história120.O programa de fato inaugurou uma nova história para um grupo de ciganos que vive há cerca de três anos em Sobradinho, DF, composto por 150 ciganos de várias etnias (calons; sintis; roms). Essa comunidade viu um de seus maiores anseios ser realizado no dia 3 de junho de 2013, com a inauguração da Tenda Escola, como enfatiza Elias Alves, líder da comunidade: “Este momento de aprender a ler e escrever sempre foi esperado pelos ciganos. Estamos por aqui, desde a construção de Brasília”121(ALVES, 2013). A Tenda funciona na própria comunidade, o

119Episódio n. 10. Ibid.

120O Programa faz parte do Programa Brasil Alfabetizado do Ministério da Educação/MEC, que tem como objetivo promover a superação do analfabetismo entre jovens a partir dos 15 anos, adultos e idosos, além de buscar contribuir também para a universalização do ensino fundamental no Brasil. 121Disponível em: http://www.se.df.gov.br/?p=12984. Acesso em: 05 jun. 2013.

que explica, em parte, o êxito do projeto. Com duas turmas de alfabetização as aulas são ministradas por duas professoras voluntárias. Nos primeiros seis meses a maioria de alunos foi de mulheres, frequentando a tenda escola acompanhadas de seus filhos pequenos.

Figura 12 - Lançamento do Programa DF Alfabetizado em 2011.

Fonte: SEPIR, 2013.

Cabe salientar a relevância desse fato, tendo em vista que muitas mulheres ciganas são analfabetas, e que boa parte delas sente vontade de ser alfabetizada. Mas, como o ensino para jovens e adultos na rede pública é à noite, é praticamente nula a possibilidade de uma mulher cigana sair de casa nesse período, exceto acompanhada por um familiar ou por um homem da comunidade.

Ainda sobre o projeto Tenda Escola, em 2013 foram entregues 50 certificados de alfabetização. Essa iniciativa do Distrito Federal pode representar o início de uma nova realidade para outras comunidades ciganas do Brasil. Para tanto, faz-se necessário que haja vontade política e que se instituam canais de interlocução, envolvendo as lideranças ciganas, universidades, institutos e a sociedade civil organizada.

Figura 13 - Entrega de certificados da 1ª turma de ciganos alfabetizados.

Fonte: Guelfi, 2013.

Outro exemplo relativo à educação cigana vem ocorrendo na cidade de Itumbiara, situada no sul de Goiás. Trata-se da Escola Municipal Dom Veloso que instituiu uma turma especial para crianças ciganas, com o objetivo de proporcionar um processo de alfabetização reforçado, já que é comum essas crianças apresentarem muitas dificuldades e defasagens nas fases posteriores, nos ensinos fundamental e médio. Isso induz tanto a reprovação como a evasão.

Figura 14 - Alunos ciganos da Escola Municipal Dom Veloso. Itumbiara, GO.

Foto: Adriano Zago122

A secretária de Educação de Itumbiara, Maria Auxiliadora Amorim, defende a adequação curricular aos costumes ciganos e elogia a iniciativa dos professores e coordenadores da Escola Municipal Dom Velloso: “É um trabalho maravilhoso” (AMORIM). O diferencial da escola, além da criação da turma especial, é o tratamento

122Disponível na Internet via: http://g1.globo.com/goias/noticia/2012/09/ciganos-superam-preconceito-e- tradicoes-e-colocam-filhos-na-escola. Acesso em 20 set. 2012. (ZAGO, 2012).

dispensado aos ciganos. Esse tratamento foi o que quebrou a resistência das famílias em colocar seus filhos na escola, e de se esforçarem para garantir a frequência deles. Isso é percebido na fala de Marlene Aparecida: “Eu já conhecia as professoras daqui, e vi que era diferente das outras escolas. Sabia que a gente ia ser bem tratado. Foi a única escola que conheci que nos tratou bem”123(FERNANDES, 2012).

Figura 15 - Pais ciganos, levando os filhos para a escola.

Foto: Adriano Zago (ZAGO, 2012).

A escola de Itumbiara, GO, na realidade, está cumprindo a Resolução n. 3, de 16 de maio de 2012, do Conselho Nacional de Educação (CNE), homologada pelo Ministério da Educação, que institui diretrizes para o atendimento escolar de crianças em situação de itinerância. A resolução considera como itinerantes crianças e jovens que vivem em grupos nessas condições, “por motivos culturais, políticos, econômicos, de saúde, tais como ciganos, indígenas, povos nômades, trabalhadores itinerantes, acampados, circenses, artistas e/ou trabalhadores de parques de diversão, de teatro mambembe, dentre outros” (CNE, 2012).

Observa ainda que:

Visando à garantia dos direitos socioeducacionais de crianças, adolescentes e jovens em situação de itinerância, os sistemas de ensino deverão adequar-se às particularidades desses estudantes. Os sistemas de ensino, por meio de seus estabelecimentos públicos ou privados de Educação Básica, deverão assegurar a matrícula de estudante em situação de itinerância sem a imposição de qualquer forma de embaraço, preconceito e/ou qualquer forma de discriminação, pois se trata de direito fundamental, mediante autodeclaração ou declaração do responsável. No caso de matrícula de jovens e adultos, poderá ser usada a autodeclaração (BRASIL, 2012).

123Disponível em: http://g1.globo.com/goias/noticia/2012/09/ciganos-superam-preconceito-e-tradicoes-e- colocam-filhos-na-escola. (NASCIMENTO, 2012).

Por fim, o documento do CNE também afirma que os conselhos tutelares e os conselhos da criança e do adolescente devem acompanhar a vida escolar desses alunos. As demandas por educação, no entanto, vão além da formação básica, fundamental e média, como as de Zanata Dantas124, de Porto Seguro. Ele pede ao governo que invista na qualificação dos ciganos, criando cursos técnicos e de formação profissional.

É importante que o governo toma conhecimento disso e faça um trabalho voltado a isso, uma capacitação de renda, colocar oficinas que profissionalize, que possa profissionalizar os ciganos, jovens ciganos, que possa mostrar o que sabe fazer. Existe muitos ciganos joelheiro profissional, que na área de joalheria eles são muito bons, na mecânica, construção civil e demais outros (CAVALCANTI et al., 2011j).

Atualmente, as atividades profissionais dos ciganos são autônomas e restringem-se basicamente às vendas e às trocas.

Outra demanda no campo de formação é a de jovens ciganos. Por saberem da existência do programa de cotas, parte da política de ações afirmativas do governo federal125sugere que os ciganos também sejam incluídos no mesmo. Essa solicitação é de Cesar Dantas126, de 16 anos, que pretende se formar em engenharia civil. Ele argumenta: “porque não tem condição de bancar uma universidade federal, ai seria bom né? Se um governante que pense em todo o povo brasileiro, em geral. Acho que sim, podia fazer” (CAVALCANTI et al., 2011j).

Retornando às políticas públicas, percebe-se que tem ocorrido um movimento, mesmo que acanhado, na direção do reconhecimento e principalmente efetivação dos direitos dessa população. A maior dificuldade, no entanto, reside no desconhecimento dos agentes políticos, no que se refere à história e à cultura desse coletivo. Outro elemento dificultador é a imprecisão quanto à sua quantidade, ou seja, quantos são realmente? E onde se localizam os ciganos brasileiros? A localização é importante, considerando que boa parte dos atuais programas do governo federal ocorre via repasse para estados e prefeituras. Alguns agentes alegam que por conta do

124Episódio n. 10. Cf. CAVALCANTI et al., 2011j. (O Povo Cigano no Brasil, 10).

125A construção de políticas de ações afirmativas é um compromisso firmado pelo governo federal. Seu objetivo é ampliar a participação de grupos sociais em espaços tradicionalmente por eles não ocupados, quer seja em razão de discriminação direta, quer seja por resultado de um processo histórico a ser corrigido.

nomadismo, os ciganos não pertencem a nenhum estado ou município, e que por isso fica difícil inseri-los nos programas.

Esses aspectos indicam que a busca por direitos precisa ser vivenciada cotidianamente, e com a mesma força que a luta pela sobrevivência. Caso isso não ocorra, os ciganos correm o risco de delegarem a terceiros a construção de ações, que dificilmente atenderão a suas reais necessidades. Foi com esse anseio que no dia 24 de maio de 2013 eles participaram em Brasília das comemorações do Dia Nacional do Cigano, e também da I Semana Nacional dos Povos Ciganos. O evento foi promovido pela Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e parceiros.

O encontro serviu para, além de comemorar, fortalecer neles a ideia de trabalho coletivo, como enfatiza o representante dos calóns do Distrito Federal: “Nossa luta começou agora porque só nós sabemos, ciganos, o que é a dificuldade da vida cigana. [...] Quero dizer que precisamos buscar direitos e sermos reconhecidos no Brasil porque o cigano estava invisível. É a hora de nos juntarmos. É uma causa só e justa” 127 (BRASIL, 2013). Na ocasião foi elaborada a carta de Brasília com demandas construídas por indivíduos e grupos ciganos presentes. A referida carta foi lida pela secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, Márcia Rollemberg, que se comprometeu em encaminhá-la aos órgãos e autoridades competentes.

3.6.1 Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial

As Conferências de Promoção da Igualdade Racial (CONAPIR) vêm se constituindo em um importante espaço de discussão e participação social na elaboração e controle das políticas públicas. A primeira CONAPIR ocorreu no ano de 2005 e foi um marco importante para a construção das políticas públicas, com foco étnico-racial. A

No documento Vida cigana (páginas 137-152)