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2.1 Novos direcionamentos para o Nordeste brasileiro: em que medida a

2.1.1 Políticas públicas do Rio Grande do Norte e a EcoSol

A instituição da SENAES no âmbito do Ministério do Trabalho subliminarmente evidencia novas perspectivas que o Estado brasileiro passou a assumir no que se refere à

26 O Censo demográfico de 1970 registrou uma população rural de 40 milhões de pessoas contra 38,8

milhões de 1960. Já em 1980 foram contadas 38,6 milhões e 35,8 milhões em 1991 residentes no campo no Brasil, incluindo as áreas rurais da região Norte não cobertas pelas PNADs. O fato da população rural decrescer entre um censo e outro dá uma ideia apenas aproximada do êxodo rural porque a cada censo há uma “expansão” dos perímetros urbanos dos municípios, o que por si reduz a população residente naquelas áreas urbanas periféricas que haviam sido consideradas rurais no censo anterior e que passaram a ser classificadas como urbanas no novo censo. Isso não ocorre com as PNADs que mantêm fixas as áreas tal como definidas no censo utilizado para definir a amostra. Por exemplo, a PNAD de 1990 registrou 37,5 milhões, ou seja, mais de 5 milhões de pessoas a mais residindo nas áreas redefinidas como rurais no censo de 1991 para o Brasil que somaram 32,1 milhões, excluídas as áreas rurais da região Norte. Ver a respeito, Graziano da Silva (1999).

geração de renda, especialmente no âmbito do trabalho autônomo e rural. Nesse sentido, a SENAES encabeçou vários projetos e planos de capacitação e assessoria, voltados para a inclusão produtiva no âmbito rural. No Rio Grande do Norte, em convênio com outras entidades, destacam-se, dentre outras, as seguintes ações:

Projeto dos Catadores de Materiais Recicláveis (2014: Governo Federal, BNDES, SETHAS)

visa a inclusão socioprodutiva de 2.600 catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis e seus familiares atuantes, prioritariamente, nas ruas e nos lixões de 32 municípios do RN.

Plano Juventude Viva (2016: Governo Federal, SEJURN, SENAES)

visa a inclusão produtiva de grupos de jovens do Rio Grande do Norte

Plano de capacitação, fomento e

organização social, formação de redes de produção e comercialização, geração de finanças solidária, incubação de

empreendimentos e assessoria técnica e gerencial (2014: Governo Federal, SENAES)

objetiva a capacitação de 50

empreendimentos do Estado, inclusive a Rede Xique Xique de Comercialização Solidária

Programa Nacional Fomento à Feiras de Economia Solidária

fomenta a dinamização da economia local através de feiras. Beneficia membros da Rede.

Projeto Brasil Local – Desenvolvimento Local (2010-2012)

fomenta a organização de

empreendimentos de economia solidária nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão, por meio de 163 agentes de desenvolvimento solidário. Programa de Desenvolvimento Solidário –

Projeto de Redução e Combate à Pobreza Rural (2009)

visa a redução da pobreza e a promoção do desenvolvimento local sustentável, com a participação das comunidades locais, mediante a provisão de bens e serviços sociais básicos de infraestrutura. Mobiliza e sensibiliza dos atores locais e

organizações comunitárias para

participação no projeto; realização de diagnósticos e/ou pesquisas de campo com recorte de gênero, geração e etnia junto às organizações comunitárias; formação e qualificação dos atores locais e organizações comunitárias.

Programa 1 Milhão de Cisternas (2008-

2012) formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Um Milhão de Cisternas Rurais, por meio de capacitação técnica e construção de cisternas para captação e armazenamento de água de chuva, visando a preservação, o gerenciamento e ampliação do acesso à

água e aos demais meios de produção e direitos básicos no semiárido, executado no estado do RN, nos municípios João Câmara, São Bento do Norte, Taipu, Touros, São Miguel do Gostoso, Macaíba. Assessoria Técnica, Social e Ambiental -

ATES (2007-2008) e ATES (2005-2007)

consiste no apoio técnico-metodológico às entidades de Assessoria Técnica Social e Ambiental à reforma agrária, visando a garantia da qualidade desses serviços para a promoção da sustentabilidade social, econômica e ambiental dos projetos de assentamento no RN. A ação foi desenvolvida em parceria com o Incra/RN.

Quadro 8 Distribuição de projetos de EcoSol no RN

Fonte: Elaborado pela autora, segundo dados da SETHAS e da AACC

O Rio Grande do Norte tem território equivale a 3,42% da área do nordeste e a 0,62% da superfície do Brasil, possui 167 municípios, dos quais 147 estão no semiárido27. É o décimo sexto Estado mais populoso do Brasil, e tem como característica o clima semiárido em parte do litoral norte, e é responsável pela produção de mais 95% do sal brasileiro.

Sua economia se diversifica entre os vultosos negócios com turismo, produção de frutas via agronegócio, exploração de petróleo, camarão e sal marinho, de um lado, e as pequenas produções rurais, geralmente derivadas de assentamentos da reforma agrária.

O município com melhor IDHM no Estado é Parnamirim (0,766), seguido de Natal (0,763), ambos no litoral do Estado. Já os piores IDHMs são dos municípios de João Dias (0,530), Parazinho (0,549), Ielmo Marinho (0,550) e Lagoa de Pedras (0,553), todos localizados no semiárido.

Do ponto de vista da institucionalização da economia solidária no Rio Grande do Norte, atualmente ela está a cargo da Secretaria de Estado do Trabalho, da Habitação e da Assistência Social (SETHAS), que desenvolve alguns programas a partir da perspectiva da área da economia solidária, com apoio da SENAES.

Algumas ações de inciativa do Rio Grande do Norte encampam princípios da EcoSol, na medida em que têm o propósito de viabilizar o trabalho de agricultores/as,

27 Disponível em: <http://datasus.saude.gov.br/nucleos-regionais/rio-grande-do-norte>. Acesso em 8 mai

de catadores de material reciclado e de artesãos em geral (SETHAS, 2015) que trabalham a partir dessa racionalidade, são eles:

Programa Objetivo

Programa Café do Trabalhador Trata-se de política da Sethas voltada para o trabalhador de menor renda no Estado. O programa beneficia diariamente cerca de 900 trabalhadores com o café da manhã ao preço de R$ 0,50 (cinquenta centavos). O cardápio varia entre café, pão, leite, bolacha, frutas e produtos da terra. O café é servido nas seguintes Centrais do Trabalhador: Natal (Cidade da Esperança), João Câmara, Mossoró, Ceará-Mirim, Angicos e Assú.

Programa de artesanato potiguar Atua como uma ferramenta de valorização, divulgação e comercialização dos trabalhos realizados por artesãos independentes, associações, cooperativas e grupos de produções dos 167 municípios do Rio Grande do Norte. Já são mais de seis mil artesãos cadastrados em todo o Rio Grande do Norte. O Governo do Estado, através da Sethas, tem como objetivo, contribuir com a tarefa de resgatar a dignidade do artesão, através de um conjunto de ações para reduzir as desigualdades territoriais e sociais e incentivar o empreendedorismo local. Dentre os tipos de artesanatos produzidos, destaca-se: cerâmica utilitária e decorativa, fibra vegetal, palha, renda, bordado e trabalhos manuais (esculturas em papel, madeira e arame, crochê, trabalhos com tecido ou materiais recicláveis, entre outros). O artesão que deseja obter sua carteira deve procurar a sede do Programa de Artesanato Potiguar (Proart), na Sethas, apresentar a documentação e, munido com seu material de trabalho, deverá desenvolver uma peça na presença dos técnicos do Proart, que atestarão a habilidade do artesão.

Projeto de Inclusão Socioprodutiva de Catadores(as) de Materiais Reutilizáveis e Recicláveis do Rio Grande do Norte

Objetiva promover a inclusão socioprodutiva de 2.600 catadores(as) de materiais reutilizáveis e recicláveis e seus familiares atuantes, assim como fomentar empreendimentos econômicos solidários, novos e existentes, nos 32 municípios selecionados, mediante um conjunto de ações focadas na disponibilização de acesso a políticas públicas, máquinas e equipamentos, assessoramento técnico e qualificação profissional. Consta na execução de suas metas e atividades a prestação de assessoria

técnica a grupos e empreendimentos formados por catadores(as) na perspectiva dos princípios da economia solidária e na implantação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, através da construção de parcerias entre os entes públicos, privados e a sociedade civil organizada.

Projeto Economia Solidária Através de parceria firmada, desde 2011, entre o Governo do Estado e a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), o projeto tem como finalidade promover ações integradas e articuladas que possibilite a construção de alternativas de geração de emprego e renda para 1 mil famílias que se encontram em situação de extrema pobreza, através de ações de capacitação, fomento e organização social, formação de redes de produção e comercialização, geração de finanças solidária, incubação de empreendimentos e assessoria técnica e gerencial para 50 empreendimentos.

Quadro 9: Programas desenvolvidos no Rio Grande do Norte que assumem princípios da EcoSol Fonte: http://www.sethas.rn.gov.br/#

No Rio Grande do Norte foram realizadas formações acerca da aplicação dos princípios da EcoSol para a geração de renda na região em vários municípios, tais como Macaíba, São Paulo do Potengi e João Câmara. Dentre as áreas de qualificação, destaca- se a produção, o beneficiamento, a comercialização e a certificação de frutas nativas, com enfoque em agroecologia no semiárido; apicultura; gestão da produção artesanal com enfoque em gênero, cidadania e economia solidária; qualificação da produção e da comercialização de artesanato em rede, com enfoque no desenvolvimento local (FBES, 2015), dentre outras.

No Rio Grande do Norte não existe um Centro Público criado especificamente para a comercialização de produtos da EcoSol, tal como existe em outros estados da federação. Não há, inclusive, consenso entre os envolvidos nas redes sociais de EcoSol e agroecologia sobre os reflexos positivos de criação de um centro específico de comercialização, já que para uns, criar um centro significa dizer que é preciso uma pessoa específica exclusivamente para realizar as vendas, e para outros, o que deve ocorrer é a ocupação das praças e demais espaços públicos para comercializar produtos da EcoSol e da agroecologia. As feiras livres, porém, ocupam espaços de uso comum nos municípios, favorecendo as trocas sociais de modo mais abrangente, ao passo em que um centro de comercialização tem como foco específico a compra e venda de produtos.

Em 11 municípios do Estado foram criados pontos fixos de comercialização solidária, além de lojas de comercialização de excedentes da produção - criadas em 6 municípios, em decorrência da implantação do Programa Nacional de Feiras de Economia Solidária, instituído para apoiar a comercialização via feiras estaduais, nacionais e internacionais.

Outra iniciativa do Rio Grande do Norte com a perspectiva da EcoSol foi a instituição de políticas de apoio técnico ao comércio justo e solidário conferido pelo Programa de Promoção do Desenvolvimento Local e Economia Solidária (PPDLES/Brasil Local). Tal programa visou disseminar a EcoSol e acompanhar empreendimentos econômicos solidários por meio da atuação de agentes de desenvolvimento local, responsáveis por visitar empreendedores com vistas a dar suporte técnico.

Houve, ainda, a implantação dos Núcleos Estaduais de Assistência Técnica em Economia Solidária (NEATES). O núcleo do Rio Grande do Norte foi implementado em parceria com a Associação de Apoio as Comunidades do Campo do Rio Grande do Norte (AACC/RN) e com a Rede de Comercialização Solidária Xique Xique, onde funcionou um escritório do NEATES. Sua meta consistiu em selecionar, via edital, 30 empreendimentos econômicos solidários do Estado para suporte na elaboração de planos de ação, planos de negócio, estudos de viabilidade econômica e consultorias. Uma das políticas do projeto, por exemplo, foi a elaboração, apresentação e distribuição de cartilhas sobre culinária alternativa e boas práticas de produção de alimentos, desenvolvidas por consultoras.

Figura 6: Formação sobre alimentação alternativa e boas práticas de produção de alimentos. Fonte: Arquivo disponibilizado pela Rede Xique Xique.

Em decorrência da necessidade de formação continuada dos grupos que trabalham sob a perspectiva da EcoSol, a SENAES propôs a criação de Centros de Formação em Economia Solidária (CFES) – Nacional e Regionais, visando a formação de educadores e agentes que atuam na área. Nessa perspectiva, foi instituído o Centro de Formação em Economia Solidária do Rio Grande do Norte (CFESRN) que oferece periodicamente oficinas e cursos para cidadãos interessados, além de lançar cartilhas educativas sobre temáticas correlacionadas com a área, tais como, “Um novo olhar sobre a prática”, “Consumo responsável e compras públicas”, “Comercialização e certificação participativa” e “Produção agroecológica e cadeia solidária”. Tal contexto evidencia que o Rio Grande do Norte e as organizações localizadas neste Estado participaram de políticas públicas de EcoSol, algumas inclusive instituídas e articuladas pelo próprio governo estadual.

Outra política fomentada pela SENAES foi o incentivo aos Bancos Comunitários de Desenvolvimento, responsáveis por levar financiamento solidário a milhares de pessoas na promoção do desenvolvimento comunitário. A partir de 2010, foram disseminados e multiplicados em várias regiões do país, em parceria com o Ministério da Justiça, bancos comunitários, que, segundo dados deste ano, totalizavam 150 no país. No município de São Miguel do Gostoso (RN), a Rede Xique Xique acompanhou a instituição do Banco Solidário do Gostoso, no ano de 2012, tendo sido criada uma filial no ano de 2015. O objetivo da iniciativa é desenvolver as atividades econômicas de produção, comercialização, prestação de serviços, troca de produtos, crédito, finanças solidárias, o uso de infraestrutura e obtenção de clientes e serviços, como também conceder crédito e finanças para os empreendedores solidários.

Em 2008, houve a criação no Rio Grande do Norte do Conselho Estadual de Economia Solidária, que em 2015 teve novos conselheiros eleitos. Tal órgão organiza Fóruns Regionais de Economia Solidária com o objetivo de discutir a EcoSol no Estado

e levar demandas, experiências e propostas para o Fórum Brasileiro de Economia Solidária28, além de fazer articulação com demais organizações e o poder público. O Conselho está ligado à SETHAS, baseado na Lei Estadual nº. 8.79829 de 22 de fevereiro de 2006, que criou um programa de política de fomento à EcoSol no Estado e previu a instituição de um Fundo Estadual de Fomento ao Desenvolvimento da Economia Popular Solidária, até então ainda não instituído, mesmo diante de pressões dos movimento sociais.

O nordeste brasileiro foi contemplado com políticas do governo federal de formação, fomento e valorização das práticas locais que se baseiam na lógica da EcoSol. A Rede Xique Xique, por exemplo, é entidade executora de uma política de catalogação dos Empreendimentos Econômicos Solidários brasileiros (CADSOL), que visa criar um selo que será utilizado nos produtos oriundos de empreendimentos solidários com certificação. O protagonismo da região no fomento aos princípios e práticas da EcoSol, contudo, não tem sido suficiente, segundo a entrevista 18, para garantir a efetividade de algumas políticas: “O Fundo Estadual da Economia Solidária até agora não saiu do papel e, pelo que estou vendo, a batalha ainda vai ser grande pra gente conseguir algo”.

Ademais, a lógica produtiva baseada na autogestão e em práticas cooperadas e solidárias de gestão está sendo assimilada pelo Estado do Rio Grande do Norte, mas as ações do Estado não são suficientes, segundo a entrevistada 5: “São necessárias mais políticas de formação técnica, de assessoria produtiva e de geração de renda, considerando o que a gente pode produzir bem na nossa realidade”. O Rio Grande do Norte, pois, ao aderir às políticas da SENAES, instituiu programas locais, o que tem surtido efeitos positivos em nível nacional, sobretudo em razão dos intercâmbios que entidades do Estado desenvolvem com outras redes do país. Há, todavia, questionamentos sobre a eficiência do Estado em relação às políticas de fortalecimento e dinamização das feiras e espaços de comercialização potiguar, a fim de estabilizar os

28 O Fórum Brasileiro de Economia Solidária está organizado em todo o país em mais de 160 fóruns

municipais, microrregionais e estaduais, envolvendo diretamente mais de 3.000 empreendimentos de economia solidária, 500 entidades de assessoria, 12 governos estaduais e 200 municípios pela Rede de Gestores em Economia Solidária.

(Disponível em:

<http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=61&Itemid=57>. Acesso em 14 fev 16).

29 Institui a Política Estadual de fomento à Economia Popular Solidária no Estado do Rio Grande do

espaços de fomento a uma economia que convive, de modo sustentável, com as limitações e as particularidades do semiárido.

A EcoSol, portanto, tem o objetivo de fomentar relações produtivas mais iguais em diversos contextos, do rural ao urbano, do litoral ao semiárido, e de produzir mudanças sociais importantes, inclusive do ponto de vista de gênero, uma vez que as redes sociais formadas a partir da lógica da EcoSol, vêm assumindo demandas feministas, especialmente pela participação expressiva das mulheres nos empreendimentos econômicos solidários. Dessa forma, além de uma estratégia de empoderamento social a partir do trabalho, via geração de renda, a EcoSol vem demonstrando um potencial instrumento de empoderamento feminino, especialmente das mulheres rurais do oeste potiguar, o que produz reflexos significativos para a construção de uma sociedade mais igual, já que tem contribuído para viabilizar a atuação de mulheres em contextos nos quais a sua participação era reiteradamente negada ou invisibilizada.

2.1.2 As redes como novo paradigma para compreender a dinâmica social