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II. DEFINIÇÃO DE SAÚDE E SUA ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL

6. Políticas públicas de saúde

As políticas públicas de saúde não diferem das políticas públicas em geral, de forma que elas devem ser erigidas calcadas nas finalidades e metas estabelecidas na CF. Consoante magistério de Germano Shwartz186, os principais objetivos que as políticas sociais e

185 GIAMBIAGI, Fabio e ALÉM, Ana Claudia. Finanças Pública, cit., p. 24.

186 SCHWARTZ, Germano. O tratamento jurídico do risco no direito à saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p.101.

econômicas devem buscar no que concerne à saúde, em face do estabelecido no artigo 196, são:

a) Redução do risco de doenças e outros agravos. A expressão “risco de doenças” está ligada à idéia de saúde “preventiva” e a expressão “outros agravos” reconhece que nem tudo é previsível em relação à saúde, mas, ainda neste caso, devem ser aplicados esforços públicos no sentido de reduzir o risco de doenças.

b) Acesso universal e igualitário às ações e serviços. Em razão da universalidade do direito à saúde, todos têm direito de serem atendidos pelo SUS, respeitando-se a autonomia individual que lhe faculte ser atendido fora do SUS caso seja esta a sua vontade. Também reforça o entendimento de que este acesso deve ser igualitário, de forma que não pode haver preconceito ou privilégio no atendimento do SUS.

Estes objetivos devem ser concretizados através de ações efetivas que visem:187

a) Promoção da saúde. A promoção deve ser entendida não apenas como cura e prevenção de doenças, mas também como um processo que se constrói e se modifica, sofrendo influência de todos os demais sistemas sociais. Deve ser vista em vinculação com a qualidade de vida.

b) Proteção da saúde. Conectada à idéia de uma atuação sanitária antes mesmo do surgimento da doença, conectando-se com a estratégia de enfrentamento do risco à saúde. c) Recuperação. Ligada à atuação após a ocorrência dos infortúnios, determinando que a saúde deve ser restabelecida mediante um processo “curativo”.

Assim sendo, o direito à saúde, tal como inserido no nosso texto constitucional deve ser assegurado por meio de políticas públicas, que são muito amplas, abrangendo desde a elaboração de lei orçamentária e sua respectiva observância, para atuação preventiva e repressiva da doença, de forma plena, tanto médica quanto hospitalar.

Já Hewerstton Humenhuk associa as políticas públicas sociais e econômicas ao acesso igualitário e universal, dizendo:

As políticas sociais e econômicas, devem também exprimir um acesso igualitário e universal para qualquer ser humano, independente de raça, credo, cor, religião etc. Assim, todo e qualquer cidadão, inclusive o estrangeiro tem direito à saúde, direito de ser atendido pelo sistema Único de Saúde,

justamente por ser um cidadão com direitos fundamentais inerentes a sua pessoa. 188

Observa Maria Paula Dallari Bucci que esses objetivos teriam sido estabelecidos para garantir à população o máximo de garantia de cumprimento do dever de saúde189, no entanto:

Seria de se pensar se isso não desnaturaria seu caráter de política pública, que, como vimos, tem como nota distintiva atingir objetivos sociais em tempo e quantidade previamente determinados. O SUS não é um programa que visa resultados, mas uma nova conformação, de tipo estrutural, para o sistema de saúde, cujo objetivo é a coordenação da atuação governamental nos diversos níveis federativos no Brasil (“rede regionalizada e hierarquizada”, cf. art. 198 da CF), para a realização de três diretrizes: descentralização, atendimento integral prioritariamente preventivo e participação da comunidade.190

Interessante e de certo modo inovadora essa interpretação, contextualizando e adaptando o dever de saúde prestado pelo Estado através do SUS, bem como a estruturação e regulação estabelecido nos artigos subseqüentes em uma diretriz governamental a ser observada pelos responsáveis pela efetivação das políticas públicas e não pura e simplesmente um dever do Estado que deve ser prestado na integralidade e em grau máximo para toda a população.

No entanto, conforme se verá adiante, quando tratar da interpretação que vem sendo extraído tanto pela doutrina quanto pelo Judiciário e até mesmo pelos representantes do Poder Executivo, esse não é o entendimento atualmente prevalente quanto à extensão do dever do Estado de garantir efetivamente o direito de saúde da população.

Ocorre que se entendido que o Estado deve garantir a saúde em grau máximo, incumbindo-se de todas as formas de tratamento, fornecendo todos os medicamentos e tratamentos existentes a toda a sua população, acredita que é evidente que tal não se faz viável

188 HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais. Jus Navigandi, Teresina, ª 8, n. 227, 20fev.2004. Disponível em : <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id-4839>, acesso em: 04 abr. 2006, p. 30.

189 No mesmo sentido Patricia Helena Massa-Arzabe, ao consignar que “A estatuição de princípios e diretrizes em textos normativos tem a evidente finalidade de vinculação dos órgãos dos poderes públicos à sua observância, assim como a vinculação de sua atuação aos órgãos e instâncias controladoras, com a incorporação desses princípios e diretrizes nas ações e burocracias estatais, de sorte que os objetivos visados pelas políticas possam se concretizar”, o que neste aspecto retira o juízo de discricionariedade do Poder Público. In Dimensão jurídica das políticas públicas. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 66.

190 O conceito de política pública em direito. Políticas Públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.) São Paulo: Saraiva, 2006, p. 17-18.

no Brasil e em nenhum outro país. Não existirão recursos para o custeio de tratamentos e medicamentos inovadores para todos, mormente em se considerando que na ciência médica diuturnamente surgem novos tratamentos, medicamentos e equipamentos, inacessíveis de forma imediata.

Essa constatação, conforme já salientado, não o exime do cumprimento do dever constitucional, devendo o Poder Executivo, dentro de suas atribuições, de seu poder discricionário e no exercício desse dever, eleger as situações tidas como prioritárias e estratégicas na saúde pública disponibilizando, nestes casos, maior financiamento e atendimento.191 A guisa de exemplo, foi a partir de escolha política que se estabeleceu o Programa Nacional de DST/AIDS, que viabiliza o tratamento integral, incluídos exames e medicamentos gratuitamente a toda a população atingida pela enfermidade, bem como são investidas pesadas somas em campanhas de prevenção da doença, em razão da conclusão de que se trata de doença grave, com potencial para graves prejuízos não só à saúde, mas também à economia do país.192

Para o fornecimento igualitário e eficaz de medicamentos, em geral, são realizados protocolos de saúde pelos maiores especialistas da saúde, para serem seguidos pelos médicos públicos quando do tratamento da enfermidade, tal como ocorre com relação à Hepatite C, às doenças cardíacas, a diabetes, osteoporose, neoplasias etc.

No entanto, o rol dos medicamentos dispensados não deve ser estático, pois em razão da constante evolução no descobrimento de novas doenças e enfermidades, bem como o surgimento de novas terapias e medicamentos, deve haver constante atualização dos remédios disponibilizados, para atender de forma eficaz, as demandas e as necessidades da população. Como exemplos de novas alternativas de tratamento adotadas pelo SUS é possível destacar a

191 Desde o advento da CF foram aprovadas várias políticas publicas sobre diversos temas de saúde, podendo ser destacado: A Portaria 980, de 21⁄12⁄1989 que definiu o Programa de Saúde do Adolescente – PROSAD; a Portaria n. 127 de 08⁄12⁄1995, instituindo o Programa Nacional de Inspeção em Unidades Hemoterápicas – PNIUH; Portaria n. 1.660⁄MS, de 06⁄11⁄1997que aprovou as Normas e Diretrizes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde e do Programa de Saúde da Família; Portaria n. 3.916, de 30⁄10⁄1988 instituindo a Política Nacional de Medicamentos; Portaria n. 1.395, de 09⁄12⁄1999 que aprovou a Política Nacional de Saúde do Idoso; Portaria n. 1.893, de 15⁄102001, instituindo o Programa de Promoção da Atividade Física; Portaria n. 254, de 31⁄01⁄2002que aprovou a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas etc. In: DIAS, Helio Pereira. Direitos e obrigações em Saúde. Brasília: ANVISA, 2002, p.43.

192 A adoção desta política contribuiu para diminuir de forma relevante as expectativas de aumentos de casos da doença, bem como auxiliou na melhoria da qualidade de vida e aumentou a expectativa de vida dos portadores de HIV.

recente inclusão de tratamentos considerados até então como não convencionais, como a acupuntura, homeopatia, fitoterapia e termalismo.193

Verifica-se uma tentativa de disponibilização do tratamento integral aos pacientes atendidos pelo SUS, respeitando as peculiaridades regionais e pessoais, incluindo diferentes opções curativas, assim como ocorre nos casos de partos nas residências das parturientes através de serviços de parteiras, e os métodos “alternativos” amplamente adotados pela população, como a medicina indígena ou oriental, transmitida por gerações, que utiliza ervas, raízes, chá, além de massagens e terapias com lama.

Amélia Cohn faz uma crítica contundente às políticas de saúde implementadas pela Administração Pública, dizendo que:

A outra face da lógica da capitalização e da lucratividade que rege as políticas de saúde, sobretudo nessas últimas décadas, manifesta-se num modelo de assistência médica de alta densidade tecnológica, particularmente nos procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Em decorrência, a divisão de trabalho entre os setores privado e público acaba por reservar para este exatamente aqueles atos que por serem mais complexos, e portanto de elevado custo, não respondem à rentabilidade do setor privado. Acompanha ainda esse processo, como decorrência da lógica privatista que o rege, a incorporação da assistência médica individual, não hospitalar pelo setor público, na medida exata do desinteresse, de variada natureza, por parte do setor privada. 194 Afirma a autora que, desse modo, o setor público, além das medidas de caráter coletivo, também assume a assistência médica individual eminentemente curativa, crescentemente incorporada através de programas segmentados e não através de políticas integradas por um novo modelo de atenção à saúde, com a contraposição entre as práticas curativas e preventivas. Tal situação gera uma concepção densamente medicalizada da atenção à saúde, que é buscada pela população sem cobertura previdenciária e por segmentos destas descartados pelos hospitais privados, sobrecarregando os serviços públicos de saúde, que além de insuficientes encontram-se em estado de sucateamenteo, fruto da política estatal de favorecimento do setor privado, através da compra de seus serviços ou de financiamento para investimentos de infra-estrutura.195

193 COLLUCCI, Claudia. “Ministério da Saúde bancará homeopatia e acupuntura”, consoante Portaria n. 971 que pode ser acessada no site <www.in.gov.br/materias/sml/do/secao1/2117398.sml>, jornal Folha de São Paulo. Edição de 09 maio 2006, p. C 6.

194 COHN, Amélia (et. al.), A Saúde como direito e como serviço. São Paulo: Cortez, 1991, p. 18 195 COHN, Amélia (et. al). Ibidem, p. 19-20.

Diante disso, as políticas de saúde do País “vão cristalizando um acesso extremamente desigual da população aos serviços de saúde, ao mesmo tempo que estigmatizante” ; e este processo deve ser revertido:

[...] perquirir a equidade, significa não „apenas eliminar privilégios de grupos e pessoas, mas também contemplar a discriminação positiva, a fim de garantir „mais‟ direitos a quem tiver „mais‟ necessidades, dada a própria especificidade da saúde, em que doenças iguais não significam doentes com necessidades iguais. 196

Acredita que ainda hoje se verifica um acesso desigual da população aos serviços de saúde e o privilégio da atenção curativa em detrimento da preventiva, de caráter coletivo. Contudo, desde a época em que a autora realizou a obra, apesar de ainda se encontrar distante da meta estipulada pelo constituinte, muito se caminhou no sentido de concretizar o direito à saúde. A jornada é longa e deve ser supervisionada e acompanhada por toda a sociedade, a fim de que toda a população, especialmente a mais necessitada, possa efetivamente ter o acesso à saúde de forma rápida e eficiente.

Este objetivo, como vimos, deve ser atendido através da implementação das políticas públicas de saúde, cuja função é a concretização dos direitos sociais constitucionalmente garantidos.