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II. DEFINIÇÃO DE SAÚDE E SUA ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL

1. Prestação de serviço público

Antes de falar em serviço público de saúde, cumpre em primeiro lugar, ainda que de forma breve, abordar o que seria o serviço público, mormente porque mais adiante procurar- se-á discorrer quanto à prestação dos serviços públicos e a aplicabilidade da legislação consumerista.

A partir do conceito extraído da disciplina do direito administrativo416, José Cretella Júnior defende que serviço público é toda e qualquer atividade exercida pelo Estado, diretamente ou por quem lhe faça às vezes, com o fito de satisfazer necessidades públicas.417

Assim, em sentido amplo, serviço público é “toda atividade exercida pelo Estado através de seus Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) para a realização direta ou indireta de suas finalidades”.418

Já para Hely Lopes Meirelles:

Serviço Público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado.419

416 É perfeitamente viável extrair conceitos de outras áreas do direito que tratem mais especificamente da matéria em comento, mormente porque o direito é uno, e a divisão por disciplinas, existe mais por motivos didáticos, para facilitação do estudo de determinada matéria, não se traduzindo em existência de áreas estanques.

417 CRETELLA JUNIOR, José. Manual de Direito Administrativo. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 207. 418 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 101.

Não é simples, no entanto, identificar as atividades que constituem “serviço público”, pois as necessidades dos Estados variam em conformidade com as exigências de cada povo e de cada época. Nem sempre são as atividades coletivas “vitais” que caracterizam os serviços, porque ao lado destas, existem outras, sabiamente dispensáveis pela comunidade, que são realizadas pelo Estado como “serviço público”, por exemplo, as loterias do Brasil. Igualmente, não é a atividade em si que tipifica o serviço público, pois mesmo a de inegável interesse público pode ser exercido tanto pelo Estado, como pela iniciativa privada, independentemente de delegação estatal, como é o caso do ensino e a prestação de serviços de saúde.

Verifica-se que o conceito de Hely Lopes Meirelles não é tão amplo quanto aos elaborados por Cretella Júnior e Edmir Neto de Araújo, supra mencionados, eis que ao referir- se unicamente à Administração Pública, afasta a atividade legislativa e judiciária, sem, contudo, distinguir os serviços públicos de outras atividades administrativas, como o exercício do poder de polícia.

Anota Maria Sylvia Zanella di Pietro que é mais restrito420 que os dos autores anteriores o conceito de Celso Antonio Bandeira de Mello, para quem o serviço público é a atividade prestada pelo Estado, direta ou indiretamente, que proporciona utilidade ou comodidade material capaz de atender os interesses da coletividade em geral, mas desfrutável diretamente pelos administrados, sob regime de direito público. Este conceito de serviço público se ampara em dois elementos:

a) material, consistente no oferecimento de comodidade material, como fornecimento de água, luz, telefone, colocados à disposição dos administrados em geral, mas fruível individualmente, prestados pelo Estado em razão de sua importância para a sociedade em dado momento histórico;

b) formal, que implica na submissão do serviço público a regime jurídico administrativo e aos princípios dele decorrentes, para o resguardo do interesse público, como a supremacia do interesse público sobre o particular, impessoalidade, continuidade, modicidade das tarifas etc.421

420 Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 95-96.

421 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 634 e segs.

Já Odete Medauar reconhece no serviço público a atividade prestacional realizada no âmbito das atribuições da Administração Pública, portanto, do Poder Executivo. A atividade é prestacional porque o Poder Público presta algo necessário à vida coletiva, proporcionando diretamente benefícios para os administrados. Tal não ocorre com relação às atividades instrumentais para o oferecimento do serviço público, conhecidas como atividades-meio, como a arrecadação de tributos e a vigilância de repartições públicas.422

Conforme se confere, não existe um conceito único do que seria serviço público, existindo doutrinadores que dão uma conceituação mais ampla, abrangendo todas as atividades exercidas pelo Estado no desiderato de satisfazer as necessidades públicas, e outros que a restringem às atividades exercidas pela Administração Pública (Poder Executivo) para proporcionar benefícios aos administrados.

Acredita que a conceituação mais restrita favorece o estudo da matéria, principalmente considerando-se a finalidade aqui buscada, qual seja a de estabelecer a relação entre a prestação de serviço público de saúde e a relação de consumo.

Desse modo, entende pertinente considerar serviço público a atividade desenvolvida pela Administração Pública, direta ou indiretamente, para oferecer à população comodidade ou utilidade que lhes sejam diretamente fruíveis.

A fruição da comodidade ou utilidade ofertada pela Administração Pública através de serviço público, consoante divisão feita por Hely Lopes Meirelles, pode ser feita pelo administrado de maneira:

a) uti universi ou gerais que são aqueles prestados pela Administração sem ter usuários determinados, atendendo a coletividade como um todo, como os de polícia, iluminação pública etc., que são indivisíveis e mantidos por imposto;

b) uti singuli ou individuais que têm usuários determinados e utilização particular mensurável para cada destinatário, como ocorre com os serviços de telefone, água e energia elétrica domiciliar, remunerados por tarifas.423

Essa classificação interessa para auxiliar a estabelecer as peculiaridades dos serviços públicos e definir se podem se submeter ou não à legislação consumerista, para beneficiar os usuários de seus serviços.

422 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 369. 423 MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo..., p. 271-272.