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Segundo Popper (1999), tanto as ciências sociais e naturais, quanto o senso comum resolvem problemas da mesma maneira, usando o método de tentativa e erro, a partir da formulação de um problema. A semelhança entre a maneira com que a natureza resolve os seus problemas, seja em organismos simples, como a ameba, ou organismos de constituição mais complexa, como o ser humano, se baseia no fato de que os organismos mais complexos podem aprender pela tentativa e erro. Ele apresenta de forma análoga um processo de aprendizagem para a ciência muito similar ao que havia sido proposto no capítulo anterior:

1. O ponto inicial é sempre um problema ou uma situação problema

2. Seguem-se diversas tentativas de soluções, que consistem de teorias, hipóteses ou conjecturas frequentemente erradas.

3. Os cientistas aprendem, da mesma forma que na Natureza, pela eliminação de erros, o que leva à eliminação de falsas teorias.

Neste ponto, Popper (1999) levanta a seguinte pergunta: se o método é o mesmo, o que distingue uma ameba de um grande cientista como Newton ou Einstein? A resposta que ele nos traz é que, na ciência, há intencionalidade, pois no estágio 3 atuamos de forma crítica consciente e ativa, fato que explica o rápido avanço da ciência em relação ao processo evolutivo. A ciência pressupõe uma linguagem humana discursiva, com a qual é possível construir argumentos que podem ser objetivamente apresentados de forma a se tornarem objetos de investigação. A externalização de uma teoria mostra uma clara diferença entre um pensamento puramente subjetivo ou privado e o mesmo pensamento quando tem que ser colocado para escrutínio e testes experimentais.

Esta conduta nos leva a dois tipos de conhecimento, subjetivo e objetivo. A ciência, como um produto da mente humana, é objetiva quando tem seu conteúdo lógico de proposição colocado para ser discutido de forma crítica. A novidade do método científico e de sua abordagem é que somos ativamente envolvidos na eliminação ao submeter as teorias às críticas, ou seja, a diferença entre conhecimento científico e pseudo conhecimento é a falseabilidade provocada (POPPER, 1999).

A ciência é um empreendimento coletivo que envolve relações sociais, pois congrega pessoas a favor e contra a teoria durante as dinâmicas relacionadas às discussões científicas e racionais. Entretanto, muitas vezes o cientista pode defender exaustivamente sua teoria, o que Popper (1999) chama de soluções ad hoc, fato que dificulta o avanço do conhecimento.

O ponto mais alto da discussão é o aprendizado que se amealha como resultado da falsificação, pois entendemos as causas mais profundas envolvidas. Nessa iteração, surge um novo problema com mais foco que o anteriormente formulado.

Diante desse re-enunciado do problema, Popper propõe um quarto estágio para o método científico:

1. Problema inicial

2. Formação de hipóteses

3. Tentativa de eliminação através de discussão crítica e testes experimentais 4. Novos problemas que florescem a partir da discussão crítica

A abordagem deste modelo é sistêmica, não linear, pois permite que o cientista comece em qualquer um dos quatro estágios.

Um dos objetivos da ciência é a criação de teorias que expliquem fenômenos de forma satisfatória ou a partir do colapso de teorias vigentes. Esse aspecto cíclico e iterativo da ciência demonstra seu caráter dinâmico e infindável, ou seja, um fenômeno para ser entendido é um desenvolvimento permanente, nunca definitivo ou pétreo. Aqui reside uma diferença importante entre as teorias científicas empíricas e as outras, pois os resultados podem ser refinados ou abandonados a partir dos resultados de testes experimentais (POPPER, 1999).

Esta ideia que o filósofo apresenta sobre as teorias da ciência como aproximações da realidade é atraente, pois define a ciência como um sistema de produtos da intencionalidade das ideias humanas sujeitas a falhas quando submetidas a testes em relação à realidade. Popper, com sua postura lógica, cita 3 valores importantes, que regulam as discussões entre teorias competidoras: primeiro, a ideia da verdade nos leva a eliminar falsas teorias; segundo, quanto mais elaborado e arriscado o conteúdo lógico e empírico de uma teoria, maior a facilidade de falseá-lo; por último, a verdade de uma teoria e sua aproximação da verdade pressupõem um visão mais realista do mundo.

Nosso acesso à realidade (GLEISER, 2014) é muito restrito. Mesmo quando aumentamos nossa percepção sensorial com modernos aparelhos, como os telescópios, microscópios e demais instrumentos de exploração, nosso alcance é ainda muito limitado e temos acesso a uma pequena fração da realidade. Para Popper, a realidade é problemática para todos nós, e é por este motivo que estamos constantemente enviando sinais ao meio ambiente para constatarmos que não estamos sonhando e que vivemos em um mundo real. Quando nos enganamos com algo que vemos é porque nossas percepções estão parcialmente dominadas pelas nossas expectativas e interesses momentâneos. Estamos, dessa forma, constantemente ativos e procurando por coisas, como qualquer outro organismo vivo, seja ele um morcego ou um besouro, checando em todas as direções. Encontramos o caminho usando nossos sentidos e estamos frequentemente checando, com nossos órgãos, a realidade à nossa volta. Testamos tudo o tempo todo, usando o método da tentativa e erro, da mesma forma que faziam os animais e as plantas mais primitivos. Este é o cerne do método empírico de tentativa e erro. Em resumo, do ponto de vista biológico o conhecimento animal ou humano consiste de expectativas

inconscientes ou potenciais. Popper (1999) acredita, de forma exageradamente alta, que 99% do conhecimento seja biologicamente inato.

But I would argue that our knowledge is 99 per cent, or let us say 99.9 per cent, biologically innate. The rest is a modification, a revolutionary overturning of some previous knowledge, just as that knowledge was itself once a revolutionary overturning of something that went before. But in the end all knowledge goes back to innate knowledge and to its modification. (p. 53)

O pouco que resta é produto de uma modificação do nosso conhecimento prévio. O filósofo é categórico ao afirmar que não existe o conhecimento certo, mas apenas o conhecimento conjectural.

Nossa tarefa como seres humanos, de acordo com Popper (1999), é procurar pela verdade absoluta e objetiva. Como não a possuímos, estamos frequentemente procurando uma aproximação a esta. Se a verdade fosse absoluta e objetiva, não seria possível errarmos. Essa constante busca se traduz em inventarmos a priori nossas teorias, nossas generalizações e, inclusive, nossas percepções, que, por sua vez, não passam de uma conjectura, ou seja, a interpretação do que vemos; e, pelo fato de ser uma interpretação, trata-se de uma hipótese. Comparamos continuamente essas hipóteses ou conjecturas com a realidade, para, desta forma, dela nos aproximarmos. Popper, da mesma forma que Darwin que relatou diversas vezes em seu livro “A Origem da Vida”, acredita que infelizmente sabemos muito pouco de tudo ou quase nada de nada, e, mesmo assim, ficamos surpresos quando nossas expectativas inconscientes são frustradas. Apesar de toda esta incerteza de caráter hipotético, entretanto, muito do nosso conhecimento será verdade objetiva, ou seja, corresponderá aos fatos objetivos, caso contrário, não teríamos sobrevivido como espécie.

Devemos distinguir claramente entre a verdade de uma expectativa e sua certeza, ou seja, a ideia da verdade e a ideia da certeza. As verdades certas podem ser exemplificadas como aquelas que são matematicamente demonstráveis. O que ocorre é que há muita verdade em nosso conhecimento, porém pouca certeza, e, por este motivo, devemos abordar nossas hipóteses criticamente e testá-las incansavelmente.

There is much truth in much of our knowledge, but little certainty. We must approach our hypotheses critically; we must test them as severely as we can, in order to find out whether they cannot be shown to be false after all….Truth is objective: it is correspondence to the facts. (POPPER, 1999, p. 60)

Temos que ser muito cautelosos para não sermos dogmáticos quanto à certeza de nosso conhecimento. Neste sentido, podemos ter um forte sentimento de verdade e de convicção, sem perdermos de vista o fato de que temos um conhecimento insuficiente.

Popper (1999) sustenta que todos os organismos vivos são guiados por leis de regularidades que geram expectativas em relação às mudanças no meio, e isto se aplica também aos seres humanos. Ele foi muito crítico de uma teoria que afirmava que a ciência tinha início a partir de nossa percepção ou do nosso senso de observação, pois, sem um problema, não há observação. Essa antiga teoria da indução era dependente do conceito de senso comum, ou seja, que todo o nosso conhecimento do mundo externo é inteiramente derivado das nossas impressões sensoriais. Entretanto, sob a lente da epistemologia, o conhecimento de senso comum não é confiável. Do ponto de vista evolutivo, os nossos sentidos são ferramentas que surgiram para resolver problemas biológicos. A ciência, produto da mente humana, tem início com a invenção de um método crítico não dogmático, visto que pressupõe uma linguagem humana descritiva e objetiva para discussão pública e testes experimentais.