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Popper dedicou parte de sua obra filosófica a dois problemas fundamentais para a epistemologia: o problema da indução e o problema da demarcação na tentativa de traçar uma linha clara que separasse a ciência da pseudo-ciência. Tentou resolver esses dois problemas propondo o falsificacionismo, refutando o argumento frequentemente utilizado de que as inferências utilizadas pela ciência são indutivas. Esta fase de Popper representa um postura extremamente lógica num contexto de justificativas.

5.9.1 O método do racionalismo crítico de Popper

Popper (1972) avaliava a história da ciência como uma sequência de conjecturas e refutações que ocorreram de forma iterativa. Para ele, o progresso científico se dava a partir do momento em que as interpretações científicas eram continuamente expostas à falseabilidade. O filósofo deu início à sua teoria do falsificacionismo a partir do contexto histórico em que vivia. Impactado por uma época de grandes avanços da ciência promovidos pelas teorias de Einstein, começou a desenvolver critérios de demarcação para distinguir ciência de pseudo ciência, através da comparação dos achados da física com os achados da psicanálise de Freud, da psicologia de Adler ou da teoria da história de Marx. O que despertou seu interesse foi o rigor preditivo com o qual as teorias de Einstein eram discutidas pela comunidade científica e as respectivas comprovações, como a feita pela observação de um eclipse, por Eddington, em 1919, quando comparadas com as suposições auxiliares que explicavam sem comprovação as teorias de Marx, Freud ou Adler. Einstein, mesmo ciente de que eventuais fracassos nos resultados dos experimentos sobre a teoria da relatividade poderiam destruir a estrutura teórica por ele idealizada, foi um incansável fomentador dos testes que corroborassem sua teoria ou gerassem falhas, o que lhe traria novas possibilidades de avanços dentro de um processo cognitivo para expansão do conhecimento. Einstein sabia que só podemos aprender a partir do erro, nunca poupando esforços para fazer novas tentativas com o objetivo

de encontrar novos erros e eliminá-los, porém tinha convicção de encontrar uma teoria universal e verdadeira.

Segundo Popper (1972), quanto mais arrojadas as predições de uma teoria, maior a possibilidade de refutá-la e maior o seu grau de testabilidade. Desta forma, o status científico de uma teoria seria sua capacidade de ser refutada ou testada.

Outra maneira de abordar o problema da demarcação foi desenvolvida na década de 30 pelos filósofos que compunham o Círculo de Viena. Losee (2000) analisa o empirismo lógico, ou positivismo lógico, ou neopositivismo do Círculo, baseado no formalismo da lógica, que tentou eliminar a metafísica da ciência pelo fato de a primeira enunciar asserções desprovidas de significado empírico. De acordo com Scruton (1983), os filósofos desse Círculo, fortemente influenciados pelas ideias de Kant, acreditavam que todas as verdades a priori eram analíticas. Estava estabelecido o verificacionismo, também combatido por Popper, por se tratar de um critério demasiadamente exigente. Entretanto, o falsificacionismo de Popper também se mostrou insuficiente, por excluir os enunciados de proposições que não podem ser falsificadas. Com base em uma hipótese inicial ou conjectura, teremos que ter o suporte de um quadro de referências, ou seja, uma teoria, e, só então, partimos para a observação direcionada no espaço onde o problema ocorre. Ele rejeitava a observação neutra.

Popper (1972), para quem os cientistas deveriam apenas usar o raciocínio dedutivo na busca de justificação de suas teorias, escolheu o caminho de falsificá- las, ao invés de prová-las. Seu insucesso, entretanto, se deve ao fato de que cientistas querem provar as falsidades das teorias concorrentes e não das teorias decorrentes da estrutura em que estão inseridos (Kuhn, 2011).

Um exemplo de refutação de grande êxito pode ser creditado ao químico Lavoisier, não convencido da teoria do flogisto de Stahl, desenvolvida em 1723, segundo a qual os corpos em combustão possuíam a matéria que ele batizou de flogisto, liberada para a atmosfera e absorvida pelas plantas durante a combustão de materiais orgânicos ou durante a oxidação de metais. Até então, a teoria em vigor era a de Platão, segundo a qual a combustão tinha um princípio ativo comum a todos materiais. Ela era aceita pela comunidade científica na época por explicar a perda de massa e a necessidade de ar para a combustão devido ao fato de absorver o flogisto e outros fenômenos químicos (Popper, 1972). Essa teoria perdurou até o final do século XVIII, quando foi refutada por Lavoisier, ao perceber que havia ganho de peso

na oxidação de metais. Ele só conseguiu derrubar essa teoria, porém, com a descoberta acidental do oxigênio como um componente do ar, feita por Priestley em 1774. O nome oxigênio foi batizado por Lavoisier, depois de muitos experimentos, em 1789.

Por outro lado, um exemplo que contradiz o falsificacionismo de Popper foi o trabalho de observação da órbita de Urano, feito por dois cientistas em 1846, Adam e Leverrier, que, trabalhando independentemente, sugeriram haver um novo planeta afetando sua órbita teoricamente previsível, de acordo com as leis de Newton. A partir de uma aparente anomalia das previsões dessas leis eles chegaram à descoberta de um novo planeta, Netuno. Se tivessem seguido a proposta de Popper a teoria de Newton teria sido refutada. Esta constatação foi feita por Kuhn (2011), que explica que os cientistas não abandonam as teorias que compõem o paradigma em que vivem; pelo contrário, tentam defendê-las de todas as formas possíveis para eliminar os conflitos que surgem.