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A abordagem da biologia da cognição assume a vida como um ativo processo de construção do conhecimento e da aprendizagem que ocorre pelas interações entre os organismos autônomos vivos e o meio, pelo estabelecimento de uma dinâmica circular, na qual um afeta o outro.

O instrumento cognitivo peculiar que diferencia a espécie humana é a linguagem. Com ela, podemos nos comunicar, tornando nossos pensamentos públicos para discussão e ela também nos capacita a refletirmos, ou seja, a pensarmos sobre os pensamentos, num processo de conhecer como conhecemos. Esta capacidade, que é categorizada por Kaufman como um sistema de segunda ordem, que tem a capacidade de refletir, é um ato introspectivo que nos possibilita identificar as nossas lacunas de conhecimento e desafiar as nossas certezas e crenças mais basais. Esse exercício reflexivo só é possível através da linguagem, pois com ela podemos elaborar uma proposição explicativa que nos permite recriar as observações de um fenômeno e nos diferencia de outras espécies pela nossa capacidade de auto-referência.

Uma explicação é sempre uma proposição que reformula ou recria as observações de um fenômeno, num sistema de conceitos aceitáveis para um grupo de pessoas que compartilham um critério de validação. A magia, por exemplo, é tão explicativa para os que a aceitam como a ciência o é para os que a adotam. (MATURANA, 2011, p. 34)

A nossa capacidade cognitiva depende da estrutura de nosso organismo e, como seres vivos, somos descendentes por reprodução de nossos antepassados humanos e de nossos ancestrais há mais de 3 bilhões de anos, fato que caracteriza uma interdependência fundamental e molda nossa tradição biológica. Isso nos permite compartilhar uma fenomenologia biológica de um mundo comum, no qual além dessa herança biológica, como humanos, temos diferentes heranças linguísticas. Tais

interações entre organismo e meio e entre organismos moldam a recorrente transformação ontogenética de uma unidade.

O acoplamento estrutural ocorre quando duas ou mais unidades interagem de forma estável e repetida, resultando em alterações estruturais mútuas, porém, compatíveis.

Como observadores, distinguimos a unidade que é o ser vivo de seu pano de fundo, e o caracterizamos com uma determinada organização. Com isso, optamos por distinguir duas estruturas, que serão consideradas operacionalmente independentes entre si - o ser vivo e o meio - e entre as quais ocorre uma congruência estrutural necessária. Nessa congruência estrutural, uma perturbação do meio não contém em si uma especificação de seu efeitos sobre o ser vivo. Este, por meio de sua estrutura. é que determina quais as mudanças que ocorrerão em resposta. (MATURANA, 2011, p. 108)

Maturana se afasta novamente de Darwin ao definir adaptação como o fenômeno de acoplamento estrutural mútuo entre os organismos e o meio, este que age como seletor das mudanças estruturais que a unidade experimenta em sua ontogenia e vice versa. E, para que ocorra acoplamento, é condição necessária haver adaptação entre o meio e os organismos. Desta forma, para Maturana, não há sobrevivência do mais apto, mas o que ocorre é a sobrevivência do apto quando há compatibilidade entre o organismo e o meio.

Utilizando alguns experimentos em sapos que sofreram a rotação de 180 graus de um olho ou o caso das meninas lobo narrado sobre um acontecimento ocorrido em 1922, Maturana e Varela (2011) afirmam que o sistema nervoso dos organismos é fechado e propõem que ele apresenta um funcionamento em clausura operacional. Desta forma, eles encontraram uma alternativa elegante para cortar o nó górdio das polaridades entre o representacionismo e o solipsismo. Eles propõem que, como observadores, temos a alternativa de ver uma unidade em diferentes domínios; por um lado, podemos analisar o sistema no domínio das relações internas do organismo, de maneira que o ambiente se torna irrelevante; por outro lado, podemos analisar as interações entre a unidade e o meio, descrevendo a história das inter-relações da unidade com o meio, de maneira que a dinâmica interna pode ser desprezada. Essa correlação entre essas duas alternativas propostas é feita pelo observador, a partir de sua perspectiva externa. Importante que aqui a compatibilidade entre o meio e a unidade deve ocorrer.

Com esta abordagem de operação do sistema nervoso, não há dentro nem fora, o que acontece é uma co-deriva, na qual a unidade e o meio perturbam-se mutuamente pelo acoplamento estrutural, sendo ambos sistemas fechados. Desta maneira, o organismo como um todo e o seu sistema nervoso são definidos por sua organização e determinados por sua estrutura.

Como já vimos no capítulo 3, a necessidade de movimento desenvolveu e transformou nosso sistema nervoso, porém o comportamento não é apenas influenciado pelo sistema nervoso, mas pelo organismo inteiro. Desta forma, os organismos vivos, além de interagirem com o meio ambiente, dependem do movimento para se reproduzirem e se alimentarem.

Sobre o comportamento, Maturana nos explica que as condutas que os organismos apresentam têm um componente inato e outro que pode ser aprendido. Os inatos independem da ontogenia do organismo, sendo comportamentos instintivos relativos a uma mesma espécie. Entretanto, quando envolve a história das interações da estrutura do sistema unitário, tais comportamentos são aprendidos através das dinâmicas sociais a que o organismo estará exposto. O sistema nervoso, por ser fechado, não faz tal distinção entre esses dois comportamentos e o mesmo acontece com o observador externo (MATURANA, 2011).

O sistema nervoso humano, agindo com clausura operacional, consegue expandir o domínio de interações de uma unidade ao realizar o acoplamento das superfícies sensoriais e motoras mediante uma rede de cem bilhões de interneurônios, entretanto, como observadores, colocamos nossa atenção apenas para as perturbações externas, fato que erroneamente nos leva a crer que elas sejam as únicas determinantes.

A clausura operacional do sistema nervoso também tem uma dinâmica circular de maneira que todo estado de atividade leva a outro estado de atividade num ciclo fechado. Pelo fato do mecanismo do sistema nervoso estar permanentemente em mudança estrutural, fruto das perturbações externas que modulam os equilíbrios internos, ele possui uma plasticidade decorrente de uma deriva estrutural continua que garante o acoplamento estrutural da unidade com o meio.