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Por uma educação musical na perspectiva inclusiva: as contribuições de John Dewey

ARTE-EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO ESPECIAL

2. Por uma educação musical na perspectiva inclusiva: as contribuições de John Dewey

A música está por todas as partes e em distintos espaços, e para muitos de nós seria difícil conceber a vida cotidiana sem ela. Para Denora (2000), a linguagem musical tem “poder” pelo fato de atuar sobre o humano de diversas maneiras e por constituir como um meio de comunicação não verbal. A materialidade sonora contida na música é apropriada de distintas formas pelo indivíduo, às quais ele vai atribuir valores e significados a partir de suas vivências sociais e culturais. É nessa relação com o fazer musical do indivíduo e na interface dos objetivos contidos na Educação que assinalamos aqui algumas polifonias que podem emergir na perspectiva de uma EM inclusiva com o apoio do ideário Deweyano.

O educador americano John Dewey (1859 – 1952) foi um importante pensador e filósofo da Educação da Era Moderna. Na defesa da democracia e da liberdade de pensamento como alicerces para uma Educação pautada no desenvolvimento crítico intelectual e emocional das crianças, Dewey foi considerado um dos grandes representantes do pragmatismo, ele concebia como instrumentalismo, por conta de seus pressupostos sobre ideias como instrumento

16 Educador musical que buscou como premissa nos seus estudos “O ser humano como objetivo da educação

musical”. Natural de Freiburg, Alemanha, Koellreutter veio para o Brasil em 1937, devido a problemas

decorrentes do nazismo. Atuou dinamicamente como flautista, compositor, regente, ensaísta e educador, colaborando com a formação de muitas gerações de músicos e educadores musicais. H.J Koellreutter desenvolveu um projeto de educação musical visando à formação integral do ser humano. Ampliar a percepção e a consciência, superar preconceitos, pensamentos dualistas e posturas individualistas, dentre

outros pontos, eram também objetivos a serem alcançados, lado a lado aos aspectos musicais”. (BRITO,

para a resolução de problemas reais. Conhecer o significado de “natureza humana” é essencial para situar os principais temas da filosofia deweyana: democracia e Educação.

A educação é o processo da renovação das significações da experiência, por meio da transmissão, acidental em parte, no contacto ou no trato ordinário entre os adultos e os mais jovens, e em parte intencionalmente instituída para operar a continuidade social” (Dewey, 1959, p. 356).

Especificamente, no campo da Música, consideramos dois importantes aspectos assinalados por Dewey (1936) para a promoção de uma Educação com qualidade: a eficiência social e a cultura enquanto objetivo da Educação. Para entender tais aspectos refletimos sobre as seguintes questões: Como pode a EM cumprir seu papel ou dialogar com outras áreas se não compreendermos os dispositivos sociais, políticos, culturais e pedagógicos que subjazem ao processo educacional? E, trazendo essas questões para minha práxis profissional: sou professor de Música ou ensino para a Música?

No que diz respeito, especificamente, aos objetivos da Educação citados por Dewey (1936), aprofundados na próxima seção, é preciso considerar, no processo educacional, a existência de critérios. O autor defende que o objetivo estabelecido tem que decorrer naturalmente das condições existentes. Ele deve se fundamentar nas considerações do que já está em processo, nos recursos e nos obstáculos da situação.

É comum lermos e ouvirmos um discurso promissor de que Música é para todos. Sim, Música é para todos quando podemos ouvi-la e apreciá-la de distintos modos. Mas no caso de práticas educativas-musicais, essa é para todos? Há estudos que discutem a ênfase no ensino de Música na performance instrumental e que, devido a essa cultura institucional, muitas vezes os professores de música acabam por desconsiderar outras possibilidades, abordagens para pensar e abrir caminhos rumo a uma desmitificação do fenômeno musical.

A eficiência social, enquanto objetivo da Educação, implica na participação das pessoas em experiências que possam ser significativas para as demais. Desenvolve aptidões para criar, apreciar obras de arte, para se integrar melhor em um estrato social e para uma participação efetiva de cidadania. Para Dewey (1936), é um exercício que deve se apresentar como enriquecimento da significação da experiência do homem e que, assim, deve-se lutar para que a eficiência social e a cultura de cada um sejam aspectos similares, e não contraditórios.

A noção de cultura, pensada de forma ampla e dentro de uma perspectiva da Educação Inclusiva, pode ser compreendida como o modo como indivíduos ou grupos aos quais eles pertencem respondem aos seus anseios, necessidades e desejos simbólicos. A partir da sua capacidade de pensar sobre a realidade que o cerca, o homem vai se (re) significando, se integrando a uma determinada cultura,

num movimento que agrega ações valorativas da sociedade com o poder de desenvolver o potencial humano.

Numa confluência dos objetivos da Educação descritos por Dewey (1936) e os estudos sobre criatividade musical, a autora inglesa Pamela Burnard (2006b) defende a premissa de que o desenvolvimento criativo musical não está na criança, pois depende de fatores sociais e culturais que articulam e interagem na sua formação. A partir de práticas musicais situadas culturalmente, tem-se um suporte para o desenvolvimento da criatividade musical do indivíduo.

Figura 1. A supracultura da criatividade musical de crianças

Fonte: Burnard, 2006b, p. 368.

Em face dessas considerações e na observância das esferas de influência da intercultura dentro da função social da educação, é possível refletir sobre o sentido da experiência na concepção Deweyana, na perspectiva de que uma educação

numa sociedade democrática é uma “ reconstrução ou reorganização da

experiência, que esclarece e aumenta o sentido desta e também a nossa aptidão para dirigirmos o curso das experiências subseqüentes” (DEWEY, 1959, p. 83). Outro ponto fundamental nessa conjectura repousa sobra a noção de experiência apresentada por Dewey e que contribui para essa compreensão.

A experiência, enquanto processo, envolve dois fatores: o agente e a situação. Esses fatores agem um sobre o outro, influenciando-se mutuamente. Assim, o agente vai agir sobre a situação e a situação vai agir sobre o agente, gerando mudança e transformação sobre ambos. Dessa forma, após a experiência, nem a situação será a mesma, constituindo-se

uma nova situação, e nem o agente será o mesmo, constituindo-se em novo agente. (SALES; FELDENS, 2012, p. 126)

Dentro desse entendimento e de uma experiência coletiva, exemplificamos práticas com EM desenvolvidas com alunos com TEA e DI matriculados no Centro Educacional Especializado no município de Macapá que é mantido pelo poder público estadual.

Figura 2. Atividades de Educação Musical Inclusiva – Macapá (AP) – 2015

Fonte: Registros da autora.

O espaço educacional onde ocorrem tais práticas inclusivas na EM, é uma instituição escolar para pessoas com TEA e DI. Essas atividades atuam na direção dos objetivos da Educação propostos por Dewey (1936): a eficiência social e o desenvolvimento da cultura. No pensamento do filósofo americano, cultura implica algo cultivado e que necessita de amadurecimento. Trata-se de uma via contrária a algo que esteja cru, verde ou bruto.

Na Arte, especificamente na Música, a noção de cultura está ancorada no desenvolvimento da liberdade, e da criação e valorada na experiência. A cultura vincula-se a algo pessoal, que, para Dewey (1936), reside no sentido do gosto por ideias, pelas Artes e por aspectos com dimensões amplas compreendidas no modo de ser e experimentar de cada sujeito.

Na ideia do acolhimento e no desenvolvimento da cultura em determinado grupo social, ao buscar uma experiência musical, o aluno já o faz com base em vivências da sua própria musicalidade e os instrumentos sociais e culturais são necessários para o exercício da atividade. Musicalidade é algo que todos podem ter, mas, como cultura, é algo que precisa ser cultivado e amadurecido, trata-se de atributos da natureza humana.