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Por uma abordagem teórico-metodológica da argumentação nos gêneros do discurso a

As várias abordagens que lidavam com a argumentação sempre a traziam sob uma ótica metodológica mais limitada, restrita ora às análises aos aspectos eminentemente linguísticos, ora aos aspectos discursivos. Em 2010, Rosalice Pinto, em meio a essas limitações existentes nas pesquisas sobre o tema, lança Como argumentar e persuadir: prática política, jurídica e jornalística, trabalho resultado de suas investigações desenvolvidas no Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, do projeto Gêneros Textuais e Organização do Conhecimento, entre os anos de 2001 e 2006. Esse trabalho é fruto de vários estudos das práticas textuais e do amadurecimento de algumas ideias já presentes em sua tese de doutoramento. Dessa maneira, a autora busca descrever a argumentação em gêneros persuasivos, dentre eles o editorial, a petição inicial e o outdoor, do português europeu, considerando, em suas análises e em seu modelo, aspectos de natureza extralinguística.

Um dos pontos defendidos na abordagem dessa autora é a questão de que os gêneros persuasivos em si trazem consigo uma finalidade de buscar a adesão de um interlocutor a determinada ideia. Para isso, ela defende que se deve respeitar as diferenças entre os gêneros (suas características), uma vez que se deve levar em consideração as várias práticas sociais em que eles estão inseridos, além dos vários recursos de natureza textual (verbal ou não verbal) escolhidos pelo agente produtor a fim de se conquistar a adesão almejada.

Um dos pontos fortes do trabalho Pinto (2010) é a busca, em diferentes propostas discursivas, de subsídios necessários para empreender um modelo de análise da argumentação em que se pudesse conciliar fatores situacionais com a materialização linguístico-textual. Para a autora, o seu grande desafio foi o de tentar resgatar a complexidade do ato de argumentar numa perspectiva da Linguística dos gêneros. Assim, a argumentação ganha uma concepção que não se limitava somente a definições taxinômicas, oriundas da tradição positivista, tinha que ir além disso, constituindo-se como um modelo em que a argumentação fosse o objeto de análise da linguística de textos.

Para dar conta de seu modelo, a autora defende uma concepção de texto como uma prática social empírica, inserida em um determinado discurso/ atividade de

linguagem/ esfera de comunicação. Os textos são construídos, segundo ela, a partir da mobilização de recursos lexicais e sintáticos de uma língua. Para a autora, o texto seria uma unidade comunicativa e estaria inserido em uma determinada prática social. Nesse contexto, a noção de gênero usada por ela está ligada ao uso de fatores contextuais, trazendo para a linguística uma tradição retórico-hermenêutica. Assim, todo texto está inscrito em um determinado gênero. Quanto a esse aspecto, advogamos a favor da autora, uma vez que, assim como ela, achamos ser o texto uma constituição histórica, cognitiva e interacional que se manifesta sempre por intermédio do seu uso em várias práticas sociais.

A proposta teórico-metodológica de Pinto vai buscar na noção de prototipicidade o caminho para apresentar as regularidades existentes nos gêneros selecionados para seu corpus. Para isso, ela considerou que cada um dos gêneros analisados (editorial, petição inicial e outdoors) constituiria uma classe de textos que estariam associados por uma semelhança de família; cada um seria, portanto, um protótipo. Assim, sabendo dessas regularidades e do agrupamento entre os gêneros selecionados, a autora considera que os gêneros, por terem finalidade persuasiva variável, deveriam estar inseridos em diferentes atividades humanas, a fim de se poder fazer comparações estruturais entre eles, o que permitiria gerar as hipóteses básicas a serem consideradas no trabalho.

Desse modo, ela elaborou critérios, tomando como base a noção dos protótipos e, a partir disso, buscou as semelhanças entre eles para a formação das semelhanças de famílias desses gêneros. A noção base de protótipo é a calcada em Kleiber (1990), que já se baseia em Lakoff (1987) e Rosch (1978). Essa noção de protipicidade teve importância, além de teórica, metodológica, já que, de acordo com Pinto (2010, p. 20), “os gêneros podem apresentar certa regularidade, mas também estão abertos a excepções, a uma variedade considerável”.

Metodologicamente, a autora teve alguns cuidados para a seleção do seu objeto de estudo, o que ela definiu como momentos da realização de sua pesquisa, os quais apresentaremos brevemente:

1º. Momento- seleção dos gêneros persuasivos e seu estatuto representativo: nesse momento, Pinto (2010) apresentou os critérios para escolha dos gêneros e a seleção das categorias a serem trabalhadas. A seleção desses gêneros tomou como base a finalidade persuasiva deles e sua inserção nas atividades diversas de linguagem, além de um certo

grau de institucionalização, dentro das práticas sociais. Três gêneros atendiam aos critérios elencados, a saber: o outdoor partidário, a petição inicial e o editorial.

2º. Momento- seleção dos textos persuasivos e estatuto representativo deles: como a proposta de Pinto leva em conta que todo texto está inserido em um determinado gênero, e este último pode comportar infinito número de textos, ela determinou, a fim de facilitar suas análises, dois critérios para selecioná-los:

a) 1º. Critério: o conteúdo temático do gênero outdoor partidário ou editorial é o mesmo, pois trata das Legislaturas em Portugal, no ano de 2002. Quanto ao período da seleção, todos os textos de seu corpus foram selecionados um mês antes das eleições gerais. Com relação à petição inicial, manteve-se o mesmo período de tempo, mas o tema não foi o mesmo. Foram escolhidas duas petições iniciais como elementos prototípicos.

b) 2º. Critério: para a seleção dos textos do gênero outdoor partidário, Pinto (2010) escolheu textos dos dois principais partidos que disputavam as eleições: Partido Socialista (OS) e Partido Social-Democrata (PSD); quanto ao gênero petição inicial, os textos foram definidos quanto ao seu grau de dificuldade de acesso aos documentos; quanto aos editoriais, a autora escolheu textos que tratavam do tema exposto na época escolhida em dois veículos de comunicação: Diário de Notícias e Público, totalizando 11 textos do primeiro e 6 textos do segundo jornal.

3º. Momento: seleção dos exemplares do gênero e estatuto representativo dele: partindo da noção de semelhança de família do gênero, já que todos os editoriais buscavam apresentar as propostas dos partidos envolvidos nas Legislaturas em Portugal, os outdoors partidários buscavam convencer o eleitor a votar em um dos partidos, e a petição inicial buscava levar um juiz a rescindir um contrato ou obrigar um pagamento. Assim, ela elencou o elemento prototípico dos textos e levou em consideração os seguintes critérios:

a) Para o outdoor partidário: a interdiscursividade seria elemento marcante, assim procurou-se escolher um outdoor que estivesse inserido na segunda fase da

campanha e que dialogasse com os textos que já haviam sido produzidos na fase anterior;

b) Para a petição inicial: como o gênero é mais ritualizado, a escolha foi aleatória. c) Para o editorial: a característica marcante elencada pela pesquisadora foi o

embate de vozes, assim, selecionou-se um texto que apresentasse o posicionamento partidário dos dois partidos.

4º. Momento: comparação dos resultados obtidos a partir dos estudos de caso com os dos outros textos do mesmo gênero: nesse momento, a partir dos estudos de caso, elaborava-se um quadro teórico que procura descrever os elementos relevantes da argumentação nesses vários gêneros, escolhendo as categorias a serem trabalhadas e, desse modo, fazendo uma “varredura”, como mesmo fala a autora, dos textos que não se enquadrassem no modelo.

Com relação ao percurso metodológico escolhido por Pinto, observamos que a estratégia de usar a teoria dos protótipos foi para determinar um texto prototípico padrão a ser seguido no gênero, o que, com certeza, facilitou nas análises, já que seria complicado apresentar com precisão a temática da argumentação e a quantidade de diversificadas abordagens e categorias que a autora optou por fazer, se fossem realizadas em vários exemplares de textos. Dessa maneira, temos, assim, uma das principais diferenças entre o modelo de Pinto (2010) e o que propomos neste trabalho. Essa diversidade se dá devido ao fato de que optamos por não considerar a teoria dos protótipos e nem a noção de elemento prototípico para fazermos a seleção dos textos e nem determinarmos os critérios de análise.

Um ponto que chama bastante atenção nos critérios metodológicos determinados pela autora diz respeito ao gênero petição inicial. Uma das grandes determinações das pesquisas que lidam com exemplares de textos, principalmente quando o pesquisador busca elencar critérios de seleção precisos de seu corpus, é quanto à quantidade de objetos a serem analisados.

Além do aspecto metodológico, teoricamente a proposta de Pinto (2010) chama bastante atenção por unir várias perspectivas diferentes e, em muitos casos, até divergentes, principalmente nas análises textuais. Para muitos teóricos, essa mistura de perspectivas não é favorável, comprometendo, em muitos momentos, a análise mais precisa. No entanto, assim como Pinto (2010), achamos que as correntes da Linguística,

apesar de terem métodos e propostas diferentes, compartilham, muitas vezes, do mesmo objeto, com visões muito próximas, em determinadas circunstâncias. Essa aproximação que Pinto (2010) usou para estabelecer uma base teórica com diferentes correntes, como Análise do Discurso, Linguística Cognitiva, Linguística de Texto e Teoria da Argumentação na Língua (proposta recente da Teoria dos Blocos Semânticos) apenas reforça a necessidade de se analisar os fenômenos da linguagem de forma mais clínica, sem as “paixões” acadêmicas por determinada área ou perspectiva teórica. Quanto a isso, Pinto (2010) foi além de uma simples pesquisa sobre argumentação, pois lançou um modelo complexo em que muitas abordagens são usadas a fim de explicar os fenômenos presentes. Obviamente, apesar dessa mistura (se é que podemos falar assim) de perspectivas teóricas, os limites entre o que a Linguística de Texto e a Análise do Discurso buscam estudar, por exemplo, foi respeitado, tanto que a autora não chega a problematizar sobre a questão da junção dessas abordagens, que, de uma forma ou de outra, visam estudar o mesmo objeto (o texto), mas com propostas, às vezes, bastante divergentes, dependendo do que se pretende averiguar.

Obviamente, o motivo maior de unir diferentes abordagens sob uma metodologia “amarrada” da teoria dos protótipos tinha um objetivo: descrever a argumentação em diversos gêneros a partir de teorias linguísticas. A partir dessa decisão, a autora propõe uma Teoria da Argumentação nos Textos, visando sempre aos textos de caráter persuasivo, sejam eles verbais ou não verbais, dos quais a autora escolheu, como vimos anteriormente, os gêneros editorial, petição inicial e o outdoor partidário.

Para definir a argumentação, a autora fez um estudo histórico, desde Aristóteles, o qual influenciou parte de seus pressupostos, já que a sistematização aristotélica “foi fundadora e de extrema relevância para os estudos actuais sobre argumentação” (PINTO, 2010, p. 31). Nossa pesquisa inspirou-se nesse percurso para fazer um retorno semelhante às origens da argumentação. Em seguida, Pinto apresentou os trabalhos de Perelman e Olbrechts-Tyteca (1988), Toulmin (1993), Barthes (1970), Plett (1981) e Genette (1970). Todos esses trabalhos foram resenhados apenas para comprovar como a argumentação vem mudando de perspectivas teóricas e abordagens, já que nenhuma dessas abordagens, excetuando Aristóteles, é, de fato, usada no modelo proposto pela autora. Além desses teóricos, Pinto descreve os modelos de Ascombre e Ducrot (1988), Carel (2001, 2003 e 2005) e Ducrot (2001; 2004), além dos trabalhos de Adam (2001).

Esses últimos serão usados no modelo proposto pela autora, principalmente Ducrot (2001 e 2004) e Carel (2005) nas análises.

Na abordagem desenvolvida pela autora, percebemos uma preocupação em fazer um longo percurso teórico sobre as categorias por ela consideradas. Diante disso, conceitos como os de gênero, texto, estilo, argumentação nos são apresentados sob a ótica de muitas outras abordagens de natureza textual e discursiva, para chegar à definição de cada termo por ela empregado na pesquisa.