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Outro aspecto a ser considerado é a situação comunicativa em que o Locutor está inserido, que também contribui para a argumentação. Esse conceito, inclusive, fora tratado por Maingueneau como momento de realização empírico. Se o Locutor busca contextualizar seus argumentos a partir de um contexto sócio-histórico mais amplo em que ele está inserido, levando-se em consideração a época em que está vivendo, ele busca também usufruir do contexto comunicativo de produção em que o texto é proferido para validar a sua tese a partir de argumentos consistentes e, para isso, ele necessita saber qual o público que está a escutá-lo no embate discursivo, por exemplo.

A situação comunicativa exige que o Locutor busque entender o cenário em que o texto será produzido para, após isso, poder usar as melhores técnicas de persuasão. Para isso, ele deve ter como falante da língua uma previsão de qual o auditório que receberá o seu texto, já que essa informação será crucial para se definir as intenções do texto, assim como as possibilidades de aceitação em que o auditório poderá ter deste.

Nota-se, dessa forma, que a intenção do Locutor e a aceitabilidade do auditório, de alguma maneira, podem estar relacionados ao contexto em que o texto está inserido. Nas Sessões Plenárias, por exemplo, essas noções de aceitabilidade e de intencionalidade são fundamentais, pois normalmente os textos não são necessariamente

aceitos do ponto de vista temático, já que a palavra de um Locutor pode ser recusada por um Locutor oposicionista ou vice-versa. A aceitação pode ser percebida quando um Locutor, quando está com a palavra, recebe um “aparte” de outro Locutor. Normalmente, o Locutor que quer fazer o “aparte” precisa ser aceito para isso, ou seja, deve receber a permissão do Locutor que está na tribuna.

Por causa disso, considerar a situação comunicativa como um fator que possa ser determinante para a argumentação é considerar que o processo argumentativo necessita conter aspectos que estejam relacionados ao contexto de produção textual ou, pensando de maneira mais ampla, a um possível contexto em que o texto será inserido. É por meio disso que defendemos que não se pode pensar em um texto sem que se saiba a situação comunicativa em que ele foi produzido. Inseri-lo em uma situação faz com que o texto possua deixe definidas as coerções da cenografia em que ele acontece e em que os interlocutores polemizam seus argumentos. Observemos, assim, o trecho do discurso abaixo, de nosso corpus:

“O SR. NILSON LEITÃO (PSDB-MT. Como Líder. Sem revisão do

Locutor.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, eu não venho a esta tribuna com a intenção de tripudiar ou mesmo humilhar o fato ocorrido a que o Brasil inteiro assistiu nesses últimos anos, a expectativa de fazer um divisor de águas, transformar o “mensalão” nesse divisor entre o tempo do julgamento do político e antes desse julgamento (DISCURSO 4- PSDB)”.

No discurso anterior, como pode ser observado, o Locutor apresenta-nos o local em que será produzido o seu texto, no caso, “venho a esta tribuna”. O lugar de comunicação é primordial no gênero discurso de Sessão Plenária. Primeiro, o Locutor, em qualquer Casa Legislativa, necessita que seu pronunciamento seja realizado em uma tribuna, momento em que ele fica em total visibilidade e destaque frente aos seus pares. Segundo, na tribuna, ele está em uma situação comunicativa em que não se pronunciará para qualquer público, mas para uma série de “colegas” deputados, todos cientes dos protocolos e dos procedimentos especiais para o desenvolvimento das práticas discursivas em que os textos necessitam para se tornarem argumentativos. A tribuna, de certa forma, representa o espaço em que o Locutor pode expor seus argumentos em favor de uma tese sobre determinado tema. No caso do Discurso 4, o Locutor objetivava “transformar o ‘mensalão’ nesse divisor entre o tempo do julgamento do político e antes desse julgamento”.

Defendemos que o lugar de produção, dependendo do gênero e dos objetivos almejados pelo Locutor, é determinante na construção do processo argumentativo. Na verdade, a situação pode influenciar as palavras a serem usadas, as expressões linguísticas mais apropriadas aos propósitos de dizer, o gênero mais adequado. Nas Sessões Plenárias, por exemplo, dependendo do tema a ser discutido pelos parlamentares e das questões levantadas pela opinião pública, o Locutor seleciona de forma coerente os argumentos que mais são passíveis de serem aceitos. Importante que se mencione que não se trata de apenas adequar a linguagem, mas também de conseguir um alinhamento a toda a complexidade que envolve o ato argumentativo a partir de uma previsibilidade da situação comunicativa. Para isso, ele deve usar o lugar a seu favor.

Devemos esclarecer que estamos chamando de lugar de produção o ambiente em que o Locutor está inserido no momento em que profere sua investida argumentativa a fim de convencer seu auditório. Nesse contexto, fica evidente que o lugar pode garantir a escolha de uma estratégia argumentativa mais adequada.

Para que isso ocorra, no entanto, o Locutor deve levar em conta, também, qual o auditório em que tentará persuadir. Assim, o interlocutor do ato comunicativo também pode ser considerado como outro elemento primordial na construção da argumentação. De fato, saber qual o auditório que se buscará convencer é, sim, um elemento que se enquadra na situação da argumentação.

No discurso 4, o Locutor sabe que o seu público serão colegas deputados. Ele sabe também que pode ter, entre esses sujeitos, pessoas que dialogam com a sua opinião, assim como sujeitos que discordarão dos temas a serem tratados, ou por motivos pessoais ou por questões político-partidárias. Afnal, o jogo situação x oposição é muito comum no Brasil). Desse modo, um discurso é produzido esperando-se certa previsibilidade de aceitação do público. Se o assunto for mais polêmico, como é o caso do tema escolhido por nós para seleção dos corpus (“mensalão”), provavelmente ocorrerão embates ideológicos acirrados.

O entendimento da prática argumentativa, levando-se em conta os elementos externos ao texto, exigirá que o pesquisador busque entender qual o contexto de produção em que os textos são produzidos. Ciente disso, como nosso corpus retrata um dos assuntos mais polêmicos do Brasil contemporâneo, resolvemos abordar alguns aspectos que consideramos serem essenciais para a organização de nossas análises, a

saber: entender o que, de fato, foi o “mensalão” e quais têm sido os impactos do seu julgamento para a sociedade e a opinião pública brasileira e mundial. Também analisamos qual o histórico das bases ideológicas dos principais partidos envolvidos nos embates sobre o tema no Congresso Nacional (Partido dos Trabalhadores e o Partido da Social Democracia Brasileira).

4.2.1 O contexto situacional da produção dos textos das Sessões Plenárias

Nas Sessões Plenárias, o contexto em que os Locutores estão envolvidos exige uma série de protocolos e características fixas, rígidas e necessárias. Um dos pontos principais de um discurso político em uma Casa Legislativa é com relação ao decoro parlamentar, pois os Locutores não podem fazer ofensas deliberadas a qualquer um dos seus pares. Assim, a linguagem e algumas questões importantes são reguladas por uma conduta regimentar que exige postura e respeito sempre, mesmo quando ocorrerem divergências intelectuais e ideológicas em embates no plenário.

Assim, os Locutores todos desempenham a mesma função (parlamentares eleitos pelos seus estados ou pelo Distrito Federal), representam uma determinada região, são normalmente filiados a uma sigla partidária, que, por sua vez, possui uma linha ideológica própria. Nas sessões, normalmente os membros da mesa se apresentam, em seguida, chamam os “inscritos no dia”, pessoas que, com antecedência, devem avisar que irão se pronunciar na sessão. Assim, é estipulado um tempo determinado, segundo a quantidade de Locutores inscritos para a sessão. O Locutor, desse modo, deve acomodar o seu discurso em um tempo determinado, o que acaba gerando um texto mais objetivo, conciso e eficiente do ponto de vista informativo. Em alguns momentos, podemos observar os apartes (comentários com que se interrompe um discurso, uma conferência, uma fala formal) e os debates entre lideranças de partidos ou de blocos de partidos.

O contexto situacional condiciona diretamente um dos aspectos mais salientes no texto político: a formalidade. De fato, o ambiente em que o Locutor está inserido requer, em princípio, muita polidez, embora isso nem sempre aconteça.

Dessa forma, a situação comunicativa em que os textos são produzidos sempre são regidos por uma alta formalidade que o gênero discurso de Sessão Plenária exige, que vai desde os parlamentares estarem sempre trajando vestimentas específicas (terno e

gravada para os homens e roupas formais para as mulheres) até serem comedidos no que falarão, sob o risco de ferirem o decoro parlamentar, uma prerrogativa regimental que os faz limitarem-se quanto ao que deve ser falado nas discussões. Isso deveria, em princípio, forçar os debates a estarem em um alto nível intelectual e sem confrontos de teses que induzam a caminhos da vida pessoal dos parlamentares, o que resultaria em ataques ofensivos. As práticas discursivas, no entanto, nem sempre mantêm o decoro.

No momento em que o Locutor possui a “palavra”, todas as atenções se voltam para ele. Os outros parlamentares, quase sempre, escutam os discursos e, se necessário, ocorre o confronto de ideias entre os que estão inscritos para serem Locutores da sessão que transcorre.

Na nossa perspectiva teórica, o gênero discurso de Sessão Plenária está totalmente condicionado ao contexto sócio-histórico em que os fatos da nação vão acontecendo. Os discursos dos Locutores são calcados, muitas vezes, nesses acontecimentos. Dessa maneira, a época em que os fatos no país ocorrem (ou no mundo) fomenta os debates a serem travados nas sessões e, por conseguinte, condiciona as discussões temáticas. Um fato importante no mundo pode ter desdobramentos significativos nas Sessões Plenárias a partir de Locutores discursando e opinando sobre a temática, logo não se pode separar e nem analisar esse gênero sem que se volte um olhar muito atento ao contexto externo que o cerca.

Para nossos dados, os acontecimentos externos aos discursos dos Locutores era o assunto “mensalão”. As discussões sobre o assunto se intensificaram na sociedade em geral e prosperaram mais ainda na Casa Legislativa Federal. Desse modo, construíram- se dois pilares de discussões: os partidos da base governista, liderados pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e os partidos da base oposicionista, liderados pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Os embates ideológicos entre esses dois blocos políticos se estenderam por dias sobre a temática do “mensalão”.

O contexto sócio-histórico, quando se fala em política, deve ser analisado a partir de um dos fatores primordiais: o Locutor sempre tem que estar filiado a uma agremiação política e dela seguir os preceitos regimentares. Assim, um político deve

respeitar a decisão da maioria dos seus colegas de partido, ter uma ideologia a seguir e estabelecer uma conduta segundo as diretrizes que o partido político recomenda.

Para atender a esse pressuposto de interinfluência entre aspectos sócio-histórico- discursivos e organização textual, elegemos as perspectivas teóricas desenvolvidas por Bakhtin e por Maingueneau e a proposta teórico-metodológica de Pinto (2010) para analisar como fatores sociodiscursivos tinham influência sobre o modo como se argumentava dentro do gênero discurso de Sessão Plenária.

Dessa maneira, a argumentação que o Locutor planeja condiciona a organização do texto no gênero e determina uma série de articulações composicionais que possibilitam a realização desses gêneros nos atos de interação verbal. Concordamos, desse modo, com o aspecto dinâmico que os gêneros, como tipos relativamente estáveis, como define Bakhtin, ganham alguma estabilidade a partir de relação do gênero com o contexto sócio-histórico em que ele está envolvido.

Partindo das constatações de Pinto (2010), que defendeu a importância de um modelo de análise da argumentação em gêneros e que demonstrou como os aspectos de natureza externa tinham influência sobre essas relações, defendemos que o contexto sócio-histórico exerce uma série de coerções sobre o gênero, que, ao materializar-se em textos com propósitos argumentativos definidos, determina escolhas composicionais e a incrementação de recursos retóricos, para um bom desenvolvimento argumentativo.

Tendo em vista essa constatação, elegemos, para nossa análise da argumentação, o Plano Textual, que, para nós, compreende o Componente Genérico e o Componente Sequencial.

Estando inserido em uma situação comunicativa, o Locutor escolhe o gênero do discurso e o plano textual que o caracteriza para materializá-lo como texto e organizá-lo conforme a argumentação que deseja imprimir a ele. Desse modo, um tema vinculado ao momento sócio-histórico se faz presente para o estabelecimento desse gênero, que se organiza a partir da consideração de um estilo, com seus traços composicionais e estruturais. Essas estruturas somadas, em um gênero de cunho persuasivo e em um texto com propósitos argumentativos definidos, podem interferir nas decisões de organização textual-argumentativa, razão por que consideramos o Componente Genérico como um dos elementos responsáveis por estabelecer a argumentação num plano textual. Não se

pode pensar em argumentação sem que se estabeleça a importância do gênero de que estamos tratando no ato comunicativo, já que este traz consigo uma série de características e formas que, de alguma maneira, o Locutor reconhece (ou pelo menos busca reconhecer) e que são fundamentais para a argumentação.

No próximo capítulo, falaremos sobre o Componente Genérico sob o prisma dos estudos de Bakhtin. Demonstraremos as categorias que constituem o gênero, bem como as relações entre as coerções externas ao texto e a configuração do gênero.

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O COMPONENTE GENÉRICO

“A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos”. (Marcel Proust)

Neste capítulo, nosso objetivo é apresentar quais as implicações que o Componente Genérico pode exercer sobre a Argumentação. Defendemos que o gênero, seguindo a visão teórica de Bakhtin, interfere decisivamente em uma série de aspectos relacionados à argumentação, que vão desde as escolhas lexicais por parte do Locutor, até as estratégias argumentativas que este usará para tentar persuadir seu público. Acreditamos que os gêneros possuem em si características relativamente estáveis que possibilitam uma série de coerções sobre o texto do Locutor no momento da situação comunicativa.

Faremos uma breve explanação da noção de gênero sustentada por Bakhtin (também apresentaremos a proposta de Maingueneau, por este autor destacar aspectos externos que interferem na construção da argumentação e que implicam no gênero) e, em seguida, discutiremos de que maneira o Componente Genérico interfere nos textos que constituem o nosso corpus. Para abordarmos a importância desse Componente para nossos estudos, sempre que necessário, apresentaremos o repertório teórico e o ilustraremos com exemplos de nosso corpus, conduzindo nosso capítulo para uma perspectiva teórica e prática sobre o Componente em questão.