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Como falamos anteriormente, Bakhtin considera o tema como um dos componentes do gênero. A noção nos é apresentada, ao longo da obra do filósofo russo, de maneira, muitas vezes, dispersa. No entanto, é na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem que temos com maior exatidão um esboço de definição do que o pensador considera por tema, conceito que será primordial para nosso quadro teórico.

Um ponto que merece destaque e que, para nós, interfere decisivamente na questão do tema do modelo do círculo de Bakhtin é quanto à abordagem marxista da filosofia da linguagem desenvolvida no pensamento do mestre russo e de seus seguidores. Essa perspectiva marxista é centrada no fato de se dar significativa importância ao processo sócio-histórico, cujas especialidades, segundo Bakhtin, estão associadas aos diversos campos da criatividade ideológica. Para ele, esses campos seriam modelos próprios de lidar com as determinações da estrutura sócio-econômica e

da infraestrutura. O tema é sempre entendido como um elemento singular do sentido do enunciado, assim como elemento dinâmico e complexo que se atualiza historicamente.

Nosso corpus apresenta como configuração temática, seguindo os moldes do pensamento de Bakhtin, o Mensalão. Contudo, não se trata de uma temática isolada na constituição do gênero que o faz ser característico deste. O tema do mensalão desencadeia uma série de coerções de natureza histórica, principalmente com relação à formação dos enunciados, uma vez que o tema se configura pelos aspectos externos.

Bakhtin considerou o caráter relativamente estável do enunciado dentro dos campos ideológicos. Para nós, essa busca de estabilidade se organiza em certos tipos estáveis, os quais se caracterizam por serem compostos por conteúdos temáticos, um estilo e uma construção composicional determinada. O tema, nesse contexto, deixa de ser eminentemente singular e também se constitui dessa estabilidade. Nas Sessões Plenárias, por exemplo, várias são as temáticas abordadas em diversificados momentos, mas, em todas, segue-se o estabelecimento de conteúdos que sempre serão presentes nos discursos dos parlamentares e que acabam interferindo na organização estilística do gênero, assim como nas unidades que o compõem.

Ponto importante sobre o tema, dentro do pensamento de Bakhtin e dos que integraram o seu círculo, é a relação que se estabeleceu entre esse conceito e o de significação. No capítulo 7 da obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, há a apresentação desse paralelo que, para muitos pesquisadores, fez-se de modo obscuro. Não entraremos nessa questão e nos limitaremos em apresentar, em linhas gerais, como seria esse componente na obra de Bakhtin.

No pensamento de Bakhtin, a significação estaria relacionada ao potencial significativo que o signo possui, o que o autor considera uma característica própria dos signos linguísticos e das estruturas formais dele. Já o tema estaria relacionado à própria atuação da significação, levando-se em conta um determinado contexto histórico e social. O tema seria, desse modo, dinâmico e inconstante, o que o configuraria como um elemento que não pode ser analisado separado da enunciação. A principal consequência disso é quanto à consideração de que o tema se organiza a partir de elementos linguísticos específicos, que participam diretamente da composição do discurso, sendo que esses elementos podem ser de natureza verbal e não verbal, dentro da situação

comunicativa. A dinamicidade desse componente é que nos faz pensá-lo de modo dinâmico e, desse modo, pode ser atualizado historicamente.

Os conceitos de tema e de significação são flutuantes nos trabalhos bakhtinianos. Em Problemas de Dostoiévski, por exemplo, os sentidos desses termos não são tão convergentes e estão mais próximos daqueles utilizados atualmente nos estudos sobre linguagem. O termo significação é complementado por diversos adjetivos – ideológica, semântica, objetiva e concreta - no intuito de esclarecer melhor o seu sentido. O tema é tratado como um dos possíveis feixes de sentido depreendidos a partir de uma obra ou de várias obras literárias.

Importante lembrarmos que o interesse de Bakhtin era o de procurar, de alguma maneira, desvendar como se produz o sentido e a significação de um dado enunciado. Essa busca fez com que ele pensasse em meios de analisar de que forma a palavra pode ser significada em sua plenitude. Para nós, é nessa questão, em particular, que mora a diferenciação entre a noção de tema e a de significação. Para tentar estabelecer essa diferença, ele parte, embora que indiretamente, da questão inicial de que um sentido definido e único é uma propriedade que pertence a cada enunciação como um todo.

A visão de linguagem bakhitiniana é dialógica. O conceito de dialogismo não chega a ser um componente do gênero, mas é um dos elementos que o constituem, uma vez que, segundo a visão desse autor, os enunciados sempre dialogam com enunciados anteriores e também com outros posteriores. O dialogismo é o grande pressuposto da proposta de Bakhtin, para quem qualquer enunciado já foi, antes, falado, controvertido, esclarecido e julgado de diversas maneiras. Assim, a palavra – realidade efetiva nas diversas condições reais da comunicação verbal – em enunciados concretos nunca é inédita. É por isso que o autor defende que a enunciação de cunho monológico, de certa forma, apresenta-se como uma abstração, já que, em sua essência, todo discurso busca uma resposta a outro discurso já existente. Assim, também o monólogo assume natureza dialógica. Na verdade, Bakhtin defende que toda enunciação monológica constitui um elemento inalienável da comunicação verbal. O enunciado, segundo esse autor, guarda uma série de lembranças de outros enunciados e está sempre inserido em alguma esfera da comunicação verbal. Resumidamente, podemos dizer que o dialogismo apresenta-se como uma espécie de princípio da linguagem e condição de sentido, o que faz com que possamos afirmar que o discurso não é individual.