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PORTUGAL

No documento Feminismo e direito penal (páginas 106-114)

5.1 ALGUMAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS NO DIREITO ESTRANGEIRO

5.1.3 PORTUGAL

Em 1982 foi promulgado em Portugal um novo Código Penal, fruto de prolongadas análises e revisões de dois projetos elaborados por Eduardo Correia ainda na década de 1960. Os debates jurídico-penais de Portugal estavam afinados com o que de mais atualizado se discutia no cenário internacional. Não por outro motivo, a Introdução do

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PASAMAR, Ángel Boldova; MARTÍN, Maria Ángeles Rueda. Op. cit., p. 18. 37

María Viviana Caruso Fontán observa que “la intención del legislador a la hora de elaborar este tipo podría resultar a primera vista contradictoria, ya que por un lado pretende ampliar el ámbito de condutas criminalizadas, mientras que, por otro, parece elevar las exigencias de la conducta requiriendo un resultado. No obstante, esta aparente ambivalencia podría encontrar sentido interpretando el tipo de acuerdo al objetivo prioritario de proteger a la víctima de cualquier ataque a su libertad, independientemente del carácter de la relación que tenga con el agresor, o de que este ataque se materialice solicitando una condición de forma expressa”. FONTÁN, Maria Viviana Caruso. Op. cit., p. 401.

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Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o novo Código, lamentava: “pena foi que não tivesse sido mais rápida a aprovação desse projecto, pois muitas das suas disposições teriam um carácter altamente precursor - relativamente ao direito alemão e a outros projectos estrangeiros”.

Com efeito, o novo estatuto adotou a capitulação dos “crimes sexuais”, em substituição à anterior classificação dos crimes contra a honestidade, antecipando de modo ainda tímido a tendência de abandono dos conteúdos morais no ordenamento jurídico, que alguns anos mais tarde efetivamente se consolidaria.

Além disso, o Código Penal de 1982 fez questão de ressaltar, já na Introdução, seu esforço em considerar os interesses da vítima, temática que ganhou relevância no pós 2ª Guerra Mundial.

Sobretudo no domínio dos crimes sexuais, o estatuto admitiu a necessidade de se cuidar para que o sistema penal não acabe por “funcionar mais contra a vítima do que contra o próprio delinquente”, daí que tenha se multiplicado o número de crimes cujo procedimento passou a depender de queixa do ofendido, cujos interesses eram, até então, desconsiderados.

Nesse sentido, o Código de 1982 inaugurou a previsão do crime de maus tratos conjugais, acrescido ao texto do já existente artigo 153º39, servindo como fundamentos, “além das experiências estrangeiras, a consciencialização de que a violência frequente entre pessoas relacionadas, em regra dependentes e fragilizadas, é um grave problema social que, por ser corrente e censurável, cumpre combater por meios específicos”40.

Dessa forma, o Código Penal de 1982 movimentou-se no sentido de reconhecimento das circunstâncias especiais que envolvem os crimes praticados no âmbito da violência doméstica, dando um primeiro passo na busca de soluções para esse tipo de conflito por meio da via penal.

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Que assim ficou redigido: “Art. 153º

Maus tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados ou entre cônjuges

1 – O pai, mãe, ou tutor de menor de 16 anos ou todo aquele que o tenha a seu cuidado ou à sua guarda ou a quem caiba a responsabilidade da sua direcção ou educação será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa até 100 dias quando, devido a malvadez ou egoísmo:

a) Lhe infligir maus tratos físicos, o tratar cruelmente ou não lhe prestar os cuidados ou assistência à saúde que os deveres decorrentes das suas funções lhe impõem; ou

b) O empregar em actividades perigosas, proibidas ou desumanas, ou sobrecarregar, física ou intelectualmente, com trabalhos excessivos ou inadequados de forma a ofender a sua saúde, ou o seu desenvolvimento intelectual, ou a expô-lo a grave perigo.

2 – Da mesma forma será punido quem tiver como seu subordinado, por relação de trabalho, mulher grávida, pessoa fraca de saúde ou menor, se se verificarem os restantes pressupostos do nº 1.

3 – Da mesma forma será ainda punido quem infligir ao seu cônjuge o tratamento descrito na alínea a) do nº 1 deste artigo”.

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Como observa Catarina Sá Gomes, “a inclusão dos maus tratos conjugais no art. 153º encontra a sua razão de ser na percepção de que, muito frequentemente, um dos cônjuges é dominado de facto pelo outro, sendo vítima de maus tratos”41.

Em que pese a atenção desviada ao tema da violência doméstica, e muito embora a própria Constituição Portuguesa de 1976, em seu artigo 13º, proclame que todos os cidadãos são iguais perante a lei, sendo vedada qualquer sorte de discriminação em função de sexo, além de, no artigo 9º, estabelecer como tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade entre homens e mulheres, a verdade é que o Código Penal de 1982 contribuiu muito pouco nessa tarefa.

Com efeito, além dos diversos dispositivos em que é franqueada ao Estado a imiscuição na vida privada dos indivíduos, impondo um padrão moral para os comportamentos, o Código de 1982 deixou transparecer valores impregnados de discriminação de gênero, desenhando a mulher como um ser frágil, indefeso e que possuía um papel secundário na dinâmica familiar, onde o poder de comando e de provisão do homem estabelecia diferentes direitos e deveres entre os sexos.

Não por outra razão, os crimes sexuais foram dispostos, no Código Penal de 1982, na Secção II, do Capítulo I, “Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida social” que, por sua vez, fazia parte do Título III, chamado “Dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade”, o que demonstra que “a concretização do que deve ser o verdadeiro bem jurídico a proteger pelos crimes em causa – a liberdade sexual – não foi integralmente assumida no Código de 1982”42.

Ou seja, apesar de declarar uma intenção de maior atenção à vítima, torna-se forçoso reconhecer que o próprio Código Penal de 1982 focava o bem jurídico tutelado na sociedade, e não na vítima diretamente atingida pelo crime sexual.

Esse cenário começou a efetivamente mudar com o Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março, que trouxe a lume o Código Penal de 1995, ainda vigente, com alterações relevantes para a efetivação da igualdade material entre os sexos.

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A autora acrescenta que “embora se consagre logo em sede constitucional a tutela da igualdade jurídica dos cônjuges (Art. 36º/1 CRP), o mesmo sucedendo na lei civil (art. 1671º/1 Cód. Civil), tal situação está longe de ser uma realidade total, particularmente tratando-se de mais tratos infligidos pelo marido à mulher. Não obstante ser este último fundamento mais evidente da inclusão do crime de maus tratos conjugais no art. 153º, por ser também a situação mais frequente, obviamente que o mesmo artigo também será aplicável às situações de maus tratos da mulher ao marido. Mas, em regra, os maus tratos infligidos pela mulher ao marido revestem a modalidade de humilhações, tendo portanto carácter de maus tratos psíquicos que, porém, não estavam tipificados neste nº 3 do art. 153º”. GOMES, Catarina Sá. Op. cit. p. 14.

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LOPES, José Mouraz. Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual no código penal. De

acordo com a alteração do código pena operada pela Lei nº 99/2001, de 25 de agosto. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 12.

Logo de início, na Introdução do Decreto-Lei nº 48/95, foi assinalada “a deslocação dos crimes sexuais do capítulo relativo aos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade para o título dos crimes contra as pessoas, onde constituem um capítulo autónomo, sob a epígrafe ‘Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual’, abandonando-se na concepção moralista (‘sentimentos gerais de moralidade’), em favor da liberdade e autodeterminação sexuais, bens eminentemente pessoais”.

Isso, de fato, foi um avanço. Como destaca Renato de Mello Jorge Silveira, abandonou-se a concepção moralista que se dedicava à tutela dos “sentimentos gerais da moralidade” para tratar dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. Dessa forma, é superada a visão moralista que antes dispunha sobre os “crimes contra a honestidade”, adotando-se uma visão centrada estritamente no indivíduo, ou seja, na medida das violações à sua liberdade e autodeterminação sexual – concebidas, a partir de então, como “crimes contra as pessoas”43.

Assim, além da eliminação dos crimes que continham descabido conteúdo moral, foram criados tipos penais para garantir a ampla tutela do bem jurídico consagrado pelo novo Código Penal, como os crimes de coação sexual44 e fraude sexual45. Outrossim, foi sistematizada uma ordem de tutela específica ao direito à autodeterminação sexual dos hipossuficientes. Por fim, como observa Renato de Mello Jorge Silveira, não foram incluídos nessa nova abordagem penal, deliberadamente, os atos sexuais livremente consentidos entre adultos.

Todavia, não foi apenas no campo do Direito Penal sexual que o novo Código Penal foi refrescado. É de se ressaltar o esforço de expungir do texto legal toda sorte de discriminação sexista, ao menos no nível formal. Com efeito, o termo “mulher” passou a constar apenas dos dispositivos referentes ao aborto e às hipóteses de interrupção da gravidez não puníveis (artigos 140º a 142º), do crime de violação (artigo 164º) e do crime de procriação artificial não consentida (artigo 168º).

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SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Crimes sexuais... Op. cit., p. 51. 44

Art. 163º Coacção sexual

Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.

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Art. 167º Fraude sexual

Quem, aproveitando-se fraudulentamente de erro sobre a sua identidade pessoal, praticar com outra pessoa cópula, coito anal ou acto sexual de relevo é punido com pena de prisão de até 2 anos”.

Posteriormente ao Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de março, o Código Penal ainda sofreu algumas alterações dignas de comentário, conforme o interesse deste trabalho.

A Lei nº 65/98, de 2 de setembro, reformou em alguns pontos o Código de 1995, fazendo incluir em seu artigo 163º, nº 2, a figura do assédio sexual46.

José Mouraz Lopes contextualiza essa inovação, afirmando que a criminalização dos comportamentos discriminatórios em função do sexo surgiu essencialmente no direito norte americano, mas veio a ser rapidamente adotada pelo direito europeu, com a ressalva de que “o legislador português foi, no entanto, para além da relação de poder derivada de uma relação laboral”, punindo, igualmente, o aproveitamento do poder de fato resultante de uma relação hierárquica ou econômica, que não exclusivamente laboral47.

Além disso, uma modalidade específica do crime de assédio sexual foi também acrescentada na segunda parte do artigo 164º, que trata do crime de violação, a fim de incluir a conduta daquele que, abusando da autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, econômica ou de trabalho, constranger outra pessoa a praticar cópula, coito anal ou oral48.

Os crimes de coação e violação sexual, inclusive nas hipóteses de configuração do assédio sexual, podem agora ter como sujeitos ativos e passivos tanto a mulher como o homem, fato que corrobora a adoção, efetivada pela Lei nº 65/98, do caráter bissexual dos crimes sexuais.

Com efeito, Renato de Jorge Mello Silveira menciona que essa lei “igualou, no critério de violação, a conjunção carnal, os coitos anal e oral, bem como as possibilidades de sujeitos passivos homem ou mulher”49.

No mesmo sentido, José Mouraz Lopes avalia que “se social e culturalmente à violação estão necessariamente ligadas consequências que ultrapassam o atentado à

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“Artigo 163º Coacção Sexual 1.[...]

2.Quem, abusando de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, econômica ou de trabalho, constranger outra pessoa, por meio de ordem ou ameaça não compreendida no número anterior, a sofrer ou a praticar acto sexual de relevo, consigo ou com outrem, é punido com pena de prisão até 2 anos”.

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LOPES, José Mouraz. Op. cit., p. 19. 48

“Art. 164º Violação

1 – Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

2 – Quem, abusando de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, econômica ou de trabalho, constranger outra pessoa, por meio de ordem ou ameaça não compreendida no número anterior, a sofrer ou a praticar cópula, coito anal, consigo ou com outrem, é punido com pena de prisão de até 3 anos”. 49

liberdade sexual da mulher (e só desta) maxime consequências atinentes à própria procriação é a consequente valorização da maternidade, o tipo criminal agora estabelecido deixa de valorizar essas representações sociais, ao contrário da versão aprovada em 1995, porquanto vítima do crime pode ser agora homem ou mulher”50.

Por sua vez, o crime de maus tratos conjugais previsto no artigo 152º, nº2 também sofreu uma modificação. A fim de combater a inércia da vítima contra os atos violentos de seu cônjuge, ficou estabelecido na nova redação dada pela Lei nº 65/98, que o procedimento criminal se iniciaria independentemente de queixa quando “o interesse da vítima o impuser”, salvo se esta se opuser antes de ser deduzida a ação51.

Catarina Sá Gomes afirma que esse poder concedido ao Ministério Público é resultado da conscientização ético-social de que os maus tratos praticados contra o cônjuge, apesar de criminalizados, na prática permaneciam impunes.

Como foi observado pelo legislador, muitas vezes, a vítima deixava de apresentar a queixa com medo de que o consequente procedimento criminal acarretasse a ruptura definitiva da relação, o que poderia ser indesejado tanto no nível afetivo do relacionamento, quanto no âmbito de sustento econômico da família.

Dessa forma, essa alteração legislativa visou atribuir ao Ministério Público o poder de agir pela vítima, quando essa se encontrasse imobilizada pelo complexo contexto da violência doméstica. Conservou-se, porém, o direito da vítima de se opor à atuação ministerial, desde que se insurgisse antes de deduzida a ação.

Contudo, as alterações do Código Penal no tocante ao tema da violência doméstica não estancaram com a Lei nº 65/98. Em 27 de maio, a Lei nº 07/2000 tornou completamente pública a iniciativa para desencadear o procedimento criminal pela prática do crime de maus tratos conjugais52.

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LOPES, José Mouraz. Op. cit., p. 36. O autor esclarece que “na exposição de motivos da Proposta de lei nº 160/VII que esteve na origem da Lei nº 65/98, de 2 de setembro, refere o legislador que ‘estas formas de

penetração sexual constituem, de acordo com os estudos de psiquiatria, violações da liberdade da vítima identicamente intensas e estigmatizantes’.”

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“Art. 152º

Maus tratos e infracção de regras de segurança (...)

2 – A mesma pena é aplicável a quem infligir ao cônjuge, ou a quem ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos. O procedimento criminal depende de queixa, mas o Ministério Público pode dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser e não houver oposição do ofendido antes de ser deduzida a acusação”. GOMES, Catarina de Sá. Op. cit.,p 23.

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“É que, a maioria das violências praticadas no sei da relação conjugal ou concubinária, ainda que reiteradas, eram insusceptíveis de punição, devido ao facto de a vítima não encontrar coragem para desencadear o procedimento criminal, ou por, mais tarde, acabar por desistir do mesmo. Através da natureza pública do crime ultrapassa-se estes problemas, permitindo que o procedimento criminal tenha lugar mesmo na ausência de manifestações de vontade do ofendido nesse sentido e, mais importante do que isso, não

Assim, a persecução penal do agente de maus tratos conjugais tornou-se questão de interesse maior do Estado, que se impõe, inclusive, sobre a vontade da vítima.

Para amenizar essa ostensiva sobreposição de interesses, a Lei nº 07/2000 alterou o Código de Processo Penal em seu artigo 281º, nº 6, permitindo que a livre requerimento da vítima, levando-se em especial consideração a sua situação, e desde que antes não tenha sido aplicado o mesmo benefício por infração da mesma natureza, o processo seja suspenso, aplicando-se ao agressor determinadas condições e regras de conduta53.

De alteração em alteração, remendando-se o Código Penal, chegou-se ao momento de reformular toda a questão da violência doméstica, como já estava acontecendo ao redor do mundo.

Assim, em 4 de setembro de 2007, entrou em vigor a Vigésima Terceira alteração ao Código Penal português, nos termos da Lei nº 59/2007. Diferentemente da maioria dos países que entraram nessa específica onda reformista, Portugal não editou uma lei de proteção integral para os casos de violência doméstica, mas apenas adequou o tratamento do aspecto criminal do tema no Código Penal, mantendo a abordagem multidisciplinar em leis complementares54.

O artigo 132º passou a prever a hipótese de homicídio qualificado pela circunstância de o agente praticar fato contra cônjuge, ex-cônjuge ou pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1º

grau.

O artigo 154º, que trata do crime de coação, estabeleceu que se o fato tiver lugar entre cônjuges, ascendentes e descendentes, adotantes e adotados, ou entre pessoas, de outro ou do mesmo sexo que vivam em situação análoga às dos cônjuges, o procedimento criminal dependerá de queixa.

obstante as manifestações de uma vontade contrária ao procedimento criminal”. GOMES, Catarina de Sá.

Op. cit.,p 53.

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“No fundo, dá-se ainda alguma relevância à vontade da vítima de maus tratos, embora sempre condicionada à concordância do Ministério Público, do juiz, do arguido e do assistente, atendendo à situação em que se encontra”. GOMES, Catarina de Sá. Op. cit., p. 54.

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A título de exemplo, menciona-se a seguinte legislação complementar: Lei nº 61/91, de 13 de agosto,, que garante proteção adequada às mulheres vítimas de violência; Resolução da Assembleia da república nº 7/2000, de 26 de janeiro, que prevê a concretização de medidas de proteção das vítimas de violência doméstica; Lei nº 107/99, de 03 de agosto, que dispõe sobre a criação da rede pública de casas de apoio a mulheres vítimas de violência; Decreto-Lei nº 323/2000, de 19 de dezembro, que regulamenta a Lei que cria a rede pública de casas de apoio às vítimas de Violência Doméstica; Lei nº 6/2001, de 11 de maio, que adota medidas de proteção das pessoas que vivam em economia comum; Lei nº 7/2001, de 11 de maio, que adota medidas de proteção das uniões de fato.

As maiores alterações, contudo, foram no artigo 152º, que passou a tratar exclusivamente do crime de violência doméstica, tendo sido a matéria do crime de maus tratos deslocada para o artigo 152º-A55.

Como se observa, a alteração e criação de tipos penais pela Lei nº 59/2007 não limitou a configuração da violência doméstica aos casos em que vítima seja apenas a mulher, e o agressor seja seu cônjuge, ex-cônjuge ou equivalente. Ou seja, O Código Penal português tutela as relações domésticas de forma neutra, sem estabelecer tratamentos discriminatórios em função do sexo e gênero dos envolvidos.

Com isso, não só as mulheres restaram protegidas contra o comportamento machista do homem no contexto das relações familiares. Todos que dele sejam vítimas justificarão uma maior reprovabilidade da conduta do agente, fazendo incidir o tipo penal específico, sejam os filhos, as filhas, os ascendentes, ou mesmo outro homem, na hipótese de união homossexual.

Por fim, observa-se que foi mantida pelo Código de Processo Penal a previsão de que, “em processos por crime de violência doméstica não agravado pelo resultado, o Ministério Público, mediante requerimento livre e esclarecido da vítima”, pode determinar a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem a ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza e

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“Art. 152º Violência doméstica

1 – Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) ao cônjuge ou ex-cônjuge;

b) a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;

c) a progenitor de descendente comum em 1º grau; ou

d) a pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência econômica, que com ele coabite;

é punido com pena de prisão de uma a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.

No documento Feminismo e direito penal (páginas 106-114)