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CAPÍTULO I – O PORTUGUÊS LÍNGUA NÃO MATERNA EM ANGOLA

1.3. O Português enquanto língua não materna

1.3.3. Português Língua Estrangeira

A expressão “estrangeira”, segundo um dicionário da língua portuguesa (Casteleiro, 2001, p.) “refere-se àquilo que não é do país em que está, aquele que é natural de país estranho a quem se lhe refere, falando ou escrevendo, não pertencendo a outra nação e de terra estranha daquela em que está”. Levando essa realidade ao contexto linguístico, podemos afirmar que LE está diretamente relacionada com aquilo que é estranho (língua estranha), uma língua que não pertence ao território em

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que está a ser aprendida ou estudada e muito menos tem um estatuto social dentro do território. Embora existam casos de aprendentes em contexto de uma realidade onde a língua é oficial, há necessidade dos aprendentes, a adquirirem como LE e não L2, dependendo do contexto de aprendizagem e do contexto linguístico do aprendente.

Nesta visão, argumenta Girard (1976, p. 37), a aprendizagem de uma LE não é um processo natural, mesmo no caso de imersão na língua (o que acontece com muitos imigrantes) que é o que mais se aproxima das condições de aquisição da primeira língua. Em conformidade com essa linha de pensamento, Leiria (2004, p. 2) afirma que “o termo língua estrangeira deve ser usado para classificar a aprendizagem e o uso em espaços onde essa língua não tem qualquer estatuto sociopolítico”. Por isso se realça a expressão aprendizagem e não aquisição, porque não se trata de um processo natural, mas sim de um processo que implica uma organização sistemática e que põe em causa a atitude do sujeito a respeito da língua.

Não há nenhuma relação entre a aquisição da LM e a aprendizagem de uma LE, na medida em que estas duas atividades se desenvolvem em condições muito diferentes. Entretanto, “aprender uma língua estrangeira é aprender a dominar as leis fonológicas e morfossintáticas que regem um segundo sistema linguístico, de modo a poder comunicar por meio deste segundo sistema (receção e produção) como se faz já com o primeiro” (Girard, 1976, p. 38).

É sabido que um indivíduo que aprende uma LE já tem o domínio de um primeiro sistema linguístico, o que faz com que o aprendente não adquira todas as propriedades linguísticas dessa nova língua, tal como um falante nativo, e por mais que o mesmo faça constantemente o uso da língua, haverá sempre efeitos perturbadores de interferências da sua LM principalmente os sons mais vizinhos da sua própria língua.

Em conformidade com Flores (2013, p. 43), percebe-se que “apesar da literatura fazer uma distinção entre a L2 e a LE não é unânime quanto aos critérios que estão na base desta diferenciação, uma vez que o ser humano possui apenas uma forma de assimilar conhecimentos linguísticos não nativos”. Muitos são os investigadores, principalmente nas escolas generativas, que não distinguem estes dois conceitos, fazendo equivaler a aprendizagem de uma LE ao processo de aquisição de uma L2, isto é, de uma língua adquirida em fase posterior a uma LM.

Mas Flores (2013), nas suas pesquisas, apresenta uma relatividade quanto ao que ocorre na aquisição/aprendizagem de uma L2. Esta autora afirma que um dos fatores distintivos é o contexto no qual a L2 é adquirida. Assume-se que há uma diferença entre a aprendizagem da L2 circunscrita ao

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contexto formal da sala de aula, por um lado, e a aquisição da L2 em contexto naturalístico, isto é, através da imersão no meio ambiente dessa língua.

De acordo ainda com Flores (2013), pode notar-se que, no primeiro caso, a língua é objeto de estudo, mas num contexto de sala de aula, já no segundo, é, além do mais, um meio de comunicação indispensável na socialização do falante. Por isso, como já referido nos pontos acima, certos autores, para distinguirem esse processo, usam a expressão “aquisição”, para a língua adquirida em contexto naturalístico, e “aprendizagem” para o contexto de instrução formal. Mas é o estatuto político da LNM que define a classificação da língua como L2 ou LE, porque, em muitos casos, a LE pode passar a L2, como podemos ver o caso recente de Timor, onde o Português era LE, mas desde o momento em que ganhou o estatuto de língua oficial passou a ser entendida como L2 dos falantes timorenses.

A LE, ao contrário da L2, pode ser aprendida em espaços fisicamente muito distantes daqueles em que é falada e, consequentemente, com recurso, sobretudo, ao ensino formal. O seu ensino é, em muitos casos, ministrado por professores que não são falantes nativos. Muitas vezes aprende-se simplesmente com o objetivo de ler textos literários ou científicos, para visitar um determinado país e poder contactar à vontade com os seus habitantes. Outras, aparece como matéria no currículo escolar ou como uma ocupação de tempos livres, e o alvo de aprendizagem desta mesma língua também pode ser por uma questão de prestígio a nível nacional e internacional (Leiria, 2004).

É importante realçar que a aprendizagem de uma língua estrangeira é, muitas vezes, complexa, tendo em conta que a mesma integra um processo comunicativo não habitual à realidade do aprendente, embora seja nesse processo em que o aluno se movimente. Neste processo, o docente tem um papel fundamental, e é importante sublinhar a relevância dos aspetos didáticos e do desempenho individual e intelectual do aluno. Por isso, no ensino de línguas estrangeiras, é necessário centrar o processo linguístico no aluno, nas necessidades que o mesmo apresenta, no estilo de aprendizagem, nas expetativas do mesmo, nos seus interesses e motivação, como argumentam Gaspar et alii (2017, p. 112).

Relativamente à aprendizagem, pode dizer-se que, o processo de E-A tanto da L2 como da LE assemelha-se quanto ao processo de aquisição dos conhecimentos ou da língua e apesar de uma se aprender num contexto de imersão e outra somente em contexto formal (dentro de uma sala de aulas), muitas são as semelhanças entre os aprendentes tanto de uma como de outra. É assim que Madeira (2017, p. 308) explica:

tanto o aprendente de L2 como o de LE nunca atingem um nível de competência (quase) nativa, mesmo após uma exposição prolongada à língua-alvo. Trata-se de processos de

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natureza diferente, que culminam na construção de tipos distintos de conhecimento linguístico em relação à aquisição da primeira língua (língua materna).

Por sua vez, Leiria (2004) salienta que a designação de L2 e LE são conceitos ainda muito discutidos tanto na anglofonia como na francofonia e, na lusofonia, o problema não fica de fora. A mesma autora defende que as duas expressões deviam equivaler somente a uma (língua não materna), independentemente do local, momento ou contexto em que a mesma é aprendida, cobrindo todas as situações em que a língua não é aprendida ou adquirida no contexto familiar.

Embora as expressões L2 e LE já tenham um conceito e um reconhecimento formal, pode verificar-se que o seu estudo ainda exigirá muito dos pesquisadores até que se consuma realmente que direção seguir.

Segundo Ançã (1999), o termo L2 pode ser usado para designar a língua oficial de um país bilingue ou plurilingue onde as línguas maternas ainda não se encontram suficientemente descritas ou ainda uma das línguas privilegiadas numa comunidade multilingue. Esta realidade não se aplica à LE, na medida em que a mesma pertence a um contexto letivo específico. Em conformidade com esta autora, fica evidente que essa realidade é vivida em muitos países africanos (de uma maneira geral) e particularmente em Angola.

Neste país, são faladas mais de 10 línguas (africanas), sendo algumas delas reconhecidas como línguas nacionais. Cerca de 90% da população angolana é de origem bantu. Estas línguas servem, para a grande maioria dos angolanos, de veículo de comunicação no quotidiano, da vivência da tradição cultural e de muitos outros aspetos da vida, conforme explana Vilela (1995, p. 48). Nesta realidade, o Português é a língua em que os falantes das várias línguas se entendem, logo funciona como língua de unidade nacional.

O Português é falado por 71% da população angolana, embora ocupe a posição de L2 para a maioria dos falantes, isso devido ao estatuto social e ao prestígio que o mesmo possui dentro dessa comunidade, fazendo com que ela seja tida como L2, porque, se verificarmos aquilo que é o contexto de aprendizagem e a forma como ela é usada, seria, para muitos falantes, “língua estrangeira”, na medida que se vê que somente 71% usa a língua portuguesa diariamente o que significa que, provavelmente, 39% nunca faz o uso da mesma, embora se admita que os mesmos, até certo ponto, não desconheçam totalmente a língua, porque têm algum tipo de contacto com a língua e muitos deles percebem a língua, apesar de não a falarem.

São realidades do género que exigem dos pesquisadores uma melhor reflexão, de modo a aprofundar-se maiormente o conceito de L2 e LE, porque podem enquadrar-se em certos contextos

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linguísticos, mas não em outros. E, em função disso, é preciso criarem-se mecanismos mais viáveis para que se tenha um foco mais específico de cada elemento, bem como mecanismos mais eficientes e harmoniosos para se ensinar o Português enquanto LNM. Daí, a seguinte preocupação: os falantes angolanos que, embora tendo algum contato com a língua portuguesa, somente fazem o uso das línguas nacionais tanto no seu quotidiano como em outras realidades sociais, desconhecendo deste modo as regras do Português; será (para estes angolanos) o Português uma língua segunda ou uma língua estrangeira?

Questão essa que nos obriga a ter uma maior atenção e analisar com maior profundidade aquilo que é a posição do Português enquanto língua não materna (segunda ou estrangeira), pois estes são conceitos que devem ser flexíveis tendo em conta certos grupos ou realidades linguísticas.

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