• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III – ASPETOS METODOLÓGICOS

3.3. Prolegómenos aos aspetos metodológicos para o ensino de línguas

3.3.2. Uma abordagem acional/coacional para a criação de Materiais Didáticos de PLNM

Esta abordagem corresponde à introdução de uma perspetiva plurilingue do currículo de línguas e de uma perspetiva acional (ou coacional, adotada por Puren, 2014 apud Melo-Pfeifer, 2013, p. 158), adotada também pelo QECR.

Não quer dizer que a mesma abordagem ou perspetiva esteja ausente das práticas do processo de E-A “anteriores ao QECR”. A metodologia acional tem uma postura não excludente das metodologias anteriores, assinalando a legitimidade que a mesma ganha com a entrada em vigor deste documento, que assume funções bastante reguladoras das práticas e das certificações na Europa atual.

A expressão coacional adotada por Puren (2014) orienta a capacidade de coagir em situações marcadas para a elaboração com e entre sujeitos de diferentes biografias sociolinguísticas e culturais.

57

Coloca o aprendente em posição privilegiada de controlo e domínio da palavra e de construção de saberes, ao nível da prática de comunicação eletrónica, quando integradas em contextos formais de E- A de línguas-culturas (Melo-Pfeifer, 2013, p. 158).

Esta visão está intimamente relacionada com a ideia de colaboração, no sentido em que a aprendizagem não resulta de uma inspiração que acontece, mas antes das relações, das interações e das coações que o indivíduo estabelece em múltiplos contextos, que não são somente a escola e a sala de aulas.

No ano de 2000, o surgimento do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas trouxe consigo dois conceitos muito importantes, que vão além da aprendizagem de uma língua estrangeira: “perspetiva ou metodologia acional e abordagem plurilingue e pluricultural”, conceitos discutidos nas metodologias atuais.

A nova situação social de referência levada em conta pelos autores do QECR são as sociedades plurilingues e pluriculturais da Europa atual, e a nova finalidade social que eles propõem para o ensino de línguas é a formação de um “ator social” em língua-cultura estrangeira (Puren, 2014, p. 10). Esta finalidade gera dois objetivos sociais principais, correspondentes aos dois grandes cenários da formação de um cidadão neste tipo de sociedade, a saber: (1) a capacidade de viver (conviver harmoniosamente) e (2) a capacidade de trabalhar (co-agir eficazmente) em permanência no exterior ou no seu próprio país, com pessoas de línguas e de culturas completa ou parcialmente diferentes.

Um quadro de referência para a aprendizagem, o ensino e a avaliação das línguas vivas, transparente, coerente e abrangente, deve estar relacionado com uma representação de conjunto muito geral do uso e da aprendizagem das línguas. A abordagem aqui adotada é, também de um modo muito geral, orientada para a ação, na medida em que considera antes de tudo o utilizador e o aprendente de uma língua como atores sociais, que têm de cumprir tarefas (que não estão apenas relacionadas com a língua) em circunstâncias e ambientes determinados, num domínio de atuação específico. Se os atos de fala se realizam nas atividades linguísticas, estas, por seu lado, inscrevem-se no interior de ações em contexto social, as quais lhes atribuem uma significação plena. (Conselho da Europa, 2001, p. 29).

A perspetiva ou abordagem acional é uma “perspetiva do agir social” em que o aprendente é considerado um “ator social”. Neste contexto, a sala de aula deve preparar o aprendente a agir em sociedade, geralmente, por meio de tarefas reais (efetivas) ou próximas da vida real (virtuais), com a ajuda da riqueza linguística de que dispõe, de forma a transmitir uma mensagem a partir de um determinado enunciado, até chegar “à realização de tarefas mais complexas, como a concretização de um projeto comum, em grupo colaborativo” (Puren, 2004 apud Martins, 2017, p. 82).

58

Definimos “tarefa” segundo a proposta de Ellis (2014 apud Castro, 2017, p. 30): “uma tarefa é, desde logo, um projeto de trabalho, ou seja, um plano de uma atividade, mas que não determina as estruturas linguísticas necessárias para atingir o resultado solicitado, embora crie um espaço semântico e promova a necessidade de certos processos cognitivos que se encontram ligados a determinadas opções linguísticas”.

A língua não é mais concebida como um instrumento de comunicação, com a finalidade de transmitir uma ideia, um saber ou uma opinião, mas serve como um instrumento de ação social, fruto de execução de várias tarefas que ajudam o aprendente a atingir essas competências.

Para o nosso estudo sobre a Criação de Materiais Didáticos, seguimos a perspetiva ou abordagem acional (a mesma adotada pelo QECR). Tivemos também em conta certos aspetos essenciais que fazem parte das metodologias anteriores, que ao longo dos tempos, serviram de base para o ensino de LE durante longos períodos. Esses aspetos positivos e relevantes de cada metodologia ajudaram a solidificar e fazer da teoria acional uma abordagem de grande impacto, capaz de abarcar todos os aspetos linguísticos e extralinguísticos necessários para se aprender uma LE e se tornar um verdadeiro falante plurilingue.

É uma abordagem com o foco no aprendente e cujos objetivos estão voltados não somente para os aspetos comunicativos/funcionais da língua, mas também para os aspetos socioculturais da língua-alvo. Seria bastante interessante para este estudo, uma vez que o nosso foco está virado para o aprendente da LE, o que nos obriga a saber que mecanismos usar para elaborar um material à altura do aprendente, capaz de dinamizar o processo de aprendizagem de forma eficaz.

A mesma perspetiva é defensora do ensino com diversificação de tarefas, em que se usam não somente os conteúdos aprendidos dentro da sala de aulas, mas se é livre para recorrer a qualquer ferramenta que seja útil para o aprendente e que o possa ajudar na aprendizagem da LE, tornando-o assim um aprendente autónomo e dotado de competências necessárias para se tornar fluente na língua-alvo.

Essa autonomia do aprendente obrigar-nos-á a sermos mais criativos e diversificados na elaboração de materiais, de maneira a não o deixar preso num único modelo de aprendizagem, mas levá-lo, de uma forma guiada, a absorver os conhecimentos por si próprio (através de ferramentas disponíveis na internet e não só) de forma mais interativa.

Esta perspetiva não deixa de fora a multimodalidade, particularidade que implica “a pluralidade de recursos semióticos usados na comunicação humana. Isto é, a presença de diferentes modos semióticos, verbais e não verbais, em contextos reais de comunicação”. (Lebrun 2012, apud Leal,

59

2018, p. 43). Neste âmbito, a pluralidade dos recursos semióticos implica o sentido produzido, recebido, interpretado e (re)construído pela linguagem oral ou escrita, mas por vários modos de representações comunicativas. Esses modos são os vários recursos usados para produzir sentido como imagens, gestos, olhar, música, efeitos sonoros, movimentos, fala e outros. Esses recursos permitem o aumento da interação da língua com outros sistemas, o que permite, normalmente, a ampliação de significados, atendendo ao contexto linguístico a que, muitas vezes, são associadas as novas tecnologias.

As novas tecnologias, como é sabido, permitem a convivência de diferentes línguas num mesmo espaço discursivo. Contudo, numa rede social, é possível encontrar desenhos, diagramas, fotografias, áudio, animação, efeitos de som, diferentes tamanhos e cores de letras. Esses recursos são ilimitados e estão ao alcance de todos os usuários, sem se ter propriamente a necessidade de fazer uma formação para saber usar essas ferramentas. Estes elementos todos são usuais e indispensáveis na comunicação humana, e a teoria acional não os descarta como elementos preponderantes na aprendizagem de uma LE, visto que permite um aumento da interação da língua com outros sistemas que participam na criação dos significados dentro de contextos.

Um dos fatores levados em conta no processo de E-A de uma LE é o aprimoramento da literacia. Então não é aconselhável que se ensine a leitura e a escrita apenas sob uma visão comunicativa monomodal, pois essa visão preocupa-se apenas em apresentar os factos, usando um único procedimento (Dionísio, 2006 apud Leal, 2018, p. 44), pois, com a ampliação das novas tecnologias, inúmeros desafios são lançados às escolas e a outras instituições vocacionadas para o ensino do PLE. Como consequência, o ensino da escrita e da leitura dentro das práticas sociais não podem estar dissociados de uma prática de ensino em que o verbal se articula com o não verbal, uma vez que os aprendentes vivem situações em que a imagem e a palavra estão estritamente associadas.

A finalidade da multimodalidade consiste em fazer com que as pessoas adquiram a capacidade de entender ou compreender um texto nos seus múltiplos sentidos de modos de representação. Isto tem a finalidade de “formar (multi) leitores, participantes ativos na sociedade, que se recusam a receber passivamente os (multi) textos e que, em vez disso, os analisam, os questionem e até mesmo os discutam cada vez mais” (Leal, 2018, p. 53).

Essas teorias ditadas por diferentes teóricos ligados à inovação do ensino realçam a importância das atividades pedagógicas centradas nos alunos. A metodologia acional visa uma definição do papel do professor e consequentemente da postura dos aprendentes no processo de E-A. Ao invés de concentrar em si todo o processo, o professor assume um papel de mediador/facilitador

60

da aprendizagem e de curador de conteúdos, fomenta nos aprendentes o pensamento crítico, o trabalho colaborativo, a resolução de problemas, a tomada de decisão e a expressão de ideias. Ao mobilizar ferramentas digitais, os alunos tornam-se totalmente ativos, passam de consumidores a produtores de conteúdos, o que os leva a desenvolver as competências essenciais para uma aprendizagem de sucesso.

De certeza que esta metodologia servirá de impulso para nos guiarmos e sermos capazes de criar materiais que respondam às novas exigências no campo do ensino do Português como LNM/L2/LE.