• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I – O PORTUGUÊS LÍNGUA NÃO MATERNA EM ANGOLA

1.3. O Português enquanto língua não materna

1.3.2. Português Língua Segunda

Como já foi referenciado no ponto acima, a designação de LNM cobre todas as situações em que a mesma não é aprendida ou adquirida no contexto familiar, de uma forma inata e nos primeiros anos de vida, como é o caso da designação de L2 que, segundo Leiria (2004, p. 2), “é uma expressão aplicada para classificar a aprendizagem e o uso de uma língua não nativa ou materna dentro de fronteiras territoriais em que ela tem uma função reconhecida”. Nesta mesma perspetiva, Madeira (2017, p. 305) deixa claro que a expressão “língua segunda refere-se a um contexto de aprendizagem em que o falante não nativo se encontra no seio de uma comunidade em que a língua é utilizada num grande número de situações de comunicação”, tendo o falante, assim, grandes possibilidades de participar em interações comunicativas quer com falantes nativos da língua, quer com outros não nativos.

A L2, como o nome indica, é aquela que é aprendida após a LM. E recebe o nome de segunda para que se estabeleça uma diferença com a materna (língua primeira). Nesta há um aprendizado natural (aquisição), o que não implica esforço, diferentemente daquela em que se pressupõe uma ordem de aprendizagem.

Em que contexto estamos diante de uma L2? Para dar a resposta a esta pergunta há que ter em conta duas particularidades. Primeiro, o estatuto que é dado a uma língua num determinado território e, segundo, prestar atenção à situação linguística de cada país, pois, como é sabido, muitos destes são monolingues, bilingues ou plurilingues.

Nessa linha de argumentos, segundo o que se observa, é o estatuto político da LNM um dos elementos que permite a classificação entre uma língua segunda (L2) ou uma língua estrangeira (LE). “A língua é considerada L2 se tiver um estatuto sociopolítico dentro do território em que é usada, sendo, por exemplo uma das línguas oficiais” (Leiria, 2011 apud Flores, 2013, p. 43). Portanto, quando a língua aprendida não tem nenhum estatuto sociopolítico no país, ganha a denominação de LE.

Verifica-se o caso de alguns países como Portugal, França e outros, que embora tendo mais de uma língua oficial, predomina uma única, que é falada praticamente por toda a população (o Português3 e o Francês), em que todo o falante que aprende e fala uma outra língua nestes países é sempre tida como língua estrangeira por não possuir nenhum estatuto sociopolítico dentro desse território.

3 Desconhecemos até certo ponto a situação linguística de França, mas no território português encontram-se, duas línguas: é o Português e o Mirandês, embora esta seja falada por um número de falantes muito restrito. (Cf. Tito, 2018).

17

Diferente dessa realidade, temos alguns países africanos como Angola e Moçambique, considerados países plurilingues, que têm outras línguas nacionais além da língua oficial, o Português. Nestes contextos linguísticos, faz-se sentir bastante a posição de segunda língua em detrimento da língua primeira/materna, uma vez que nesses países se encontra a maior parte dos falantes de Português L2.

Geralmente, a língua segunda é a língua ou uma das línguas oficiais nos territórios em que é falada. É indispensável para a participação da vida política e económica do Estado e é ainda a língua, ou uma das línguas, utilizada no sistema educativo. Por ser a língua dos países em que ela é falada, oferece geralmente bastante input4 e, por isso, pode ser aprendida sem recurso à escola. Consegue notar-se a partir de várias características linguísticas, quando usada por um indivíduo ou falante não nativo (Leiria, 2004).

Para o domínio de uma segunda língua é necessário que a comunicação seja diária e que a língua desempenhe um papel na interação em sociedade. A aquisição ou aprendizagem de uma segunda língua é desenvolvida por indivíduos ou falantes que já possuem habilidades linguísticas da fala, já trazem consigo outros pressupostos cognitivos e de organização do pensamento que são usados para a aquisição da primeira língua (L1). Por isso, Madeira (2017, p. 307) afirma que “enquanto o processo de aquisição de L1 começa nos primeiros meses de vida, a L2 é adquirida mais tarde. A primeira exposição à primeira língua, para que se considere um caso de aquisição de uma L2, nunca ocorre antes dos 4 anos de idade”. Frequentemente apenas na adolescência ou mesmo em idade adulta, fora do chamado “período crítico”5, como explica Lenneberg (1969).

Portanto, concluem diversos autores como Flores (2016), Muñoz (2011), Sim-Sim (1998), ligados ao estudo da aquisição de L1 e L2, que esses dois processos ocorrem de forma diferente e que culminam na construção de dois tipos de conhecimento linguístico. No que concerne à L1, Madeira (2017, p. 307) realça que se está perante um processo natural, através do qual o indivíduo constrói, a partir dos estímulos linguísticos a que está exposto, um sistema de conhecimento implícito das propriedades abstratas da gramática. Já na L2, estamos perante um processo ativo de aprendizagem, que advém da construção de representações gramaticais explícitas e conscientes.

Embora ainda existam autores, como Richards (1987 apud Leiria, 2004), que afirmam que o termo segunda língua tem sido cada vez mais usado em linguística aplicada para referir a

4 Esta expressão designa a quantidade de informações e exposições de uma língua estrangeira recebida por uma pessoa durante o aprendizado desse idioma (Xavier & Mateus, 2017, p.295).

5 Esta expressão indica a capacidade para adquirir a linguagem. É uma consequência da maturação neurológica, na medida em que os marcos de desenvolvimento linguístico ocorrem em simultâneo com os outros marcos de desenvolvimento físico e de coordenação motora e que parece haver um período ideal ou preferencial (período crítico ou crucial), entre o nascimento e a adolescência, para que a aquisição tenha lugar (Lenneberg, 1969).

18

aprendizagem de qualquer língua depois da primeira, independentemente do estatuto dessa língua em relação a quem a aprende, outros autores, como Ellis (1985 apud Leiria, 2004, p. 7), entendem que “a aquisição de segunda língua não pretende estabelecer um contraste com a aquisição de língua estrangeira. Ele é usado como um termo genérico”.

É importante ter em atenção que a designação de língua segunda está estritamente ligada ao fator sociopolítico. Desta forma, considera-se o Português como L2 se tiver um estatuto sociopolítico no país em que vive o falante, sendo, por exemplo, uma das suas línguas oficiais. Mas leva-se também em conta o período em que a língua ganha a oficialização, porque, com o tempo, ela pode ser considerada L2 para uns, mas para outros L1.

Os pressupostos analisados sobre a L2, abordados pelos autores acima mencionados, fazem- nos perceber que a posição do estatuto que a língua ocupa no país é que vai determinar a classificação da língua como segunda ou estrangeira. Há que realçar que essa realidade não se aplica a todos os contextos linguísticos, porque há países que têm mais do que uma língua oficial e outros que, apesar de terem uma única língua oficial, têm também outras com estatuto de nacionais e a L2 nessas realidades pode ser aprendida sem ser em um contexto formal, na sala de aula, porque é a língua utilizada no quotidiano. Além desses, existem também o caso de falantes que têm o contacto com a língua somente na sala de aula, porque, no seu dia-a-dia, usam simplesmente as suas línguas nativas. Perante essa realidade, a língua, devido ao prestígio político, continuará a ser considerada segunda, quando devia ser estrangeira para alguns falantes, se nos apegarmos à forma como ela é aprendida e utilizada.

É uma questão bastante delicada a expressão e o conceito de L2, porque existem critérios que divergem de realidade para realidade e que devem ser analisados com maior profundidade de modo a se ter uma maior transparência e melhor conceituarmos aquilo o que chamamos de L2, procurando mecanismos diferentes no processo de E-A atendendo à realidade linguística de cada país.