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Prática de linguagem: leitura e produção de texto

2.2 Coesão e ensino: livros didáticos

2.2.1 Prática de linguagem: leitura e produção de texto

O livro do professor Ernani Terra, publicado pela editora Scipione, em 2008, dedica todo um capítulo, intitulado “Coesão textual” ao tema. A primeira definição de coesão apresentada ao aluno é a seguinte: “Um texto é uma unidade de sentido; por isso, os elementos que o compõem (palavras, frases, orações) devem estar harmonicamente relacionados. Quando há perfeita conexão entre esses elementos do texto, dizemos que ocorreu coesão.” (TERRA, 2008: 93). O autor lança mão de citações de Maria Thereza Rocco e de Halliday e Hasan para abordar a coesão como a “amarração” de um texto.

Para Terra (2008), a coesão textual se dá de dois modos,

o gramatical e o semântico. O primeiro visa à articulação dos elementos lingüísticos, observando a estrutura e as regras das relações sintáticas possíveis e coerentes dentro de um texto; o segundo, a articulação de elementos lingüísticos que fazem referência a um determinado campo semântico. (p.98) [grifos do autor]

Abaixo, elaboramos um quadro esquemático, que resume a classificação dos mecanismos de coesão propostos pelo autor.

Coesão gramatical

Substituição Conexão Omissão

Pronomes Advérbios

Preposições

Conjunções Elipse

Coesão semântica

De forma breve, Terra propõe que o pronome “nunca tem autonomia e, por referir-se a outro termo, torna-se peça fundamental na arquitetura, na “amarração” de um texto.” (2008, p. 98). Sob este item, dentro da coesão gramatical, ele engloba toda a gama de pronomes da Língua Portuguesa (pessoais, possessivos, relativos, demonstrativos e indefinidos), enfatizando o caráter de substituição entre as formas, isto é, a troca de um sintagma nominal “cheio” por uma forma pronominal vazia, exemplificando com sentenças. Ainda no que diz respeito à substituição, Terra afirma que os advérbios “dão coordenadas sobre a localização no espaço e no tempo dos elementos a que se referem e que podem aparecer no contexto textual” (2008, p.99).

Sobre a conexão, o autor afirma que

os conectivos – conjunções e preposições – são responsáveis pela ligação de elementos lingüísticos (palavras, frases, orações e períodos), podendo carregar ou não significado para as relações que fazem. As conjunções, assim como as preposições, não desempenham função sintática, o que ressalta seu papel de elementos conectores. (p.100)

Por fim, encerrando a coesão gramatical, Terra (2008, p.100) afirma que a coesão por

omissão consiste “no ocultamento de um termo da oração facilmente identificável quer por

elementos gramaticais presentes na própria oração, que pelo contexto. Tal omissão deliberada é chamada de elipse”.

A outra modalidade de coesão, a semântica, tem seus itens delimitados da seguinte maneira: a repetição lexical “consiste na reiteração de um termo ou de termos pertencentes a uma mesma família lexical” (p.101). A sinonímia “baseia-se na substituição de um termo por outro ou por uma expressão que possua equivalência de significado”. (p.102). A hiperonímia e a

hiponímia são “dois pólos da mesma relação” (p.102): a hiperonímia designa toda uma classe ou

conjunto, ao passo que a hiponímia designa uma entidade da classe. Por fim, o campo semântico “baseia-se no emprego de termos pertencentes a um repertório associado a uma determinada realidade, a uma ciência, a um estudo. São termos que designam seres afins, relacionados”.

A partir do que foi, brevemente, exposto acima, podemos afirmar que o material de Terra se distancia da abordagem sugerida pelo PCN+ e também da divisão de coesão proposta por Koch (1989): ao invés de separar a coesão entre referencial e seqüencial, o autor prefere a

distinção gramatical x semântica, isto é, formas vazias de significado próprio, como os pronomes e as conjunções, e formas de significação plena, como os substantivos.

Considerando todo o traçado histórico suscitado por este trabalho, acreditamos ser pertinente uma crítica ao modelo. A união entre coesão por substituição e conexão, no mesmo grupo – a coesão gramatical – é, a nosso ver, problemática, por dois motivos: o primeiro diz respeito à questão da referenciação: preposições e conjunções não compartilham da propriedade referencial de pronomes, advérbios e itens lexicais, o que é perceptível no modelo dos outros autores, que agrupam estes elementos. A natureza da coesão por conexão é distinta, e isso fica mais claro no próprio texto, que acaba, involuntariamente, se traindo, ao afirmar que preposições e conjunções podem “carregar ou não significado para as relações que fazem.”. Desta forma, cria- se um impasse: uma conjunção seria um item que não pode ser utilizado referencialmente, mas que possui algum sentido ao estabelecer relações entre outros elementos. Neste sentido, preposições e conjunções não se assemelham nem a pronomes, nem a itens lexicais, o que justificaria seu tratamento sob outras circunstâncias, como fazem os autores mencionados.

Apesar da gama de exemplos sobre cada tipo de coesão, os exercícios propostos no final do capítulo versam, basicamente, sobre dois tópicos: a identificação da coesão por substituição e a explicitação das relações estabelecidas pela coesão por conexão. Abaixo, trazemos um dos exercícios (TERRA, 2008, p.104-105):

É verdade que só usamos 10% da capacidade do nosso cérebro?

Não há razão científica para acreditar nisso. Se usássemos só 10% da massa cerebral, 90% do que temos dentro da cabeça deveria então ser dispensável. No entanto, lesões no cérebro, mesmo pequenas, podem prejudicar gravemente o intelecto e o comportamento. Se, por exemplo, usássemos só 10% dos neurônios, os outros 90% deveriam servir como espécie de “reserva”. Mas sabemos que em sua grande maioria eles estão ativos.

Essa dúvida pode partir do pressuposto de que, se nosso cérebro estivesse trabalhando com sua carga máxima, não teríamos como desenvolver novas habilidades. A resposta está na capacidade de fazer novas sinapses (conexões entre os neurônios) e fortalecer as já existentes. (Galileu, n. 139, fev. 2003, p. 7. Fonte: Suzana Herculano Houzel,

neurocientista autora de O cérebro nosso de cada dia)

8. Ao responder ao leitor, no primeiro período afirma-se que “não há razão científica para

acreditar nisso”. O pronome demonstrativo funciona como um elemento de coesão textual para retomar uma idéia anteriormente apresentada. Que idéia é retomada pelo pronome isso?

destaque funcionam como elementos de coesão textual. Explique por quê.

10. Que relações de sentido são estabelecidas pelos elementos coesivos destacados no trecho

abaixo?

“Se usássemos só 10% da massa cerebral, 90% do que temos dentro da cabeça deveria então ser dispensável. No entanto, lesões no cérebro, mesmo pequenas, podem prejudicar gravemente o intelecto e o comportamento.”

11. No último parágrafo, os pronomes essa e as tem caráter anafórico por retomarem

segmentos textuais anteriormente expressos. Que elementos do texto são retomados por esses pronomes?

Por fim, há uma proposta de redação na última página do capítulo, com a seguinte instrução: “Apresentamos a seguir proposta de redação do vestibular da UFPR. Elabore o texto solicitado usando de forma consciente e destacada os mecanismos de coesão gramatical e coesão semântica que você estudou neste capítulo”.

No que tange à coesão referencial, acreditamos que os exercícios propostos deixem a desejar, já que se concentram na mera identificação de referentes a partir de pronomes, sem abordar a questão da coesão referencial via item lexical, nem questões argumentativas quanto às escolhas da coesão. A proposta de redação, ao final do capítulo, também é frágil, já que propõe uma tarefa genérica: utilizar de forma consciente os mecanismos de coesão gramatical e semântica. Isto não apenas acrescenta pouco ao estudo, por não especificar melhor como trabalhar o conceito do capítulo, como sugere que mecanismos de coesão devam ser utilizados em casos específicos, sob orientação, e não em toda produção textual.