• Nenhum resultado encontrado

4 ANÁLISE DE CORPUS

4.4 Análise qualitativa do corpus

4.4.1 Repetição

O primeiro mecanismo de coesão referencial a ser abordado em nosso estudo é aquele que apresenta os valores mais díspares na comparação entre as duas cadeias referenciais.

Conforme explicitado no item 4.2, entendemos como repetição o uso, para referência, da mesma expressão lingüística com que é feita a introdução do objeto-de-discurso no texto. É

importante salientar, contudo, que tratamos da repetição como um sinônimo do uso dos nomes próprios “Raquel” e “Juliana” para referenciação. Isso se justifica pela predominância das formas “Raquel e Juliana” e “Juliana e Raquel” para a introdução do objeto-de-discurso “Raquel + Juliana” (36 das 45 ocorrências, cf. Tabela 1), e da totalidade de introduções dos objetos-de- discurso “Raquel” e “Juliana” pelos nomes próprios.

A cadeia referencial de “Raquel + Juliana” apresenta uma quantidade visivelmente baixa de repetições de “Raquel e Juliana” ou “Juliana e Raquel” ao longo dos textos (apenas 7% dentre todos os mecanismos de coesão referencial, cf. Tabela 2). Isto pode ser explicado pela possibilidade do uso das outras formas referenciais sem nenhum tipo de interferência, como veremos nos próximos itens.

Podemos supor também que o uso de nomes próprios várias vezes causa um embotamento do texto, carregando-o e evidenciando uma possível ausência de recursos de coesão. De acordo com Basseto (2008, p.48), “o nome próprio não atribui a um referente uma característica relevante no contexto, mas apenas uma nomeação já instituída e concretizada”, o que adquire um caráter duplo: por um lado, a repetição de um nome próprio não faz progredir o texto, isto é, não amplia ou modifica o objeto-de-discurso referenciado; por outro, a repetição não diminui ou oculta a quantidade de informação disponível para identificação do referente, o que ocorre nos outros mecanismos de coesão referencial, especialmente com a retomada pronominal e a elipse (ou os casos de hiperonímia da substituição lexical). Segundo Neves (2006, p.84), o nome próprio é empregado sob a pressuposição de que o ouvinte será capaz de identificar o referente, uma situação bastante fomentada pela apresentação e manutenção dos mesmos personagens ao longo de uma narrativa, como é o caso em estudo.

Assim, somos levados a crer que a repetição dos nomes próprios é motivada pela necessidade de segurança plena na identificação de referentes, quando outros recursos coesivos não forem satisfatórios. O exemplo a seguir ilustra a situação:

(1) Juliana e Raquel foram passear no Parque Infantil na cidade de Araraquara com sua mãe. E então Juliana e Raquel foram brincar no parque enquanto a mãe delas conversava com algumas amigas no banco do parque. Juliana e Raquel encontraram alguns amigos e amigas e começaram a brincar, a mãe delas estava disperças e então foi dar uma volta, e as meninas ficaram desesperadas e então resolveram procura-la no parque. (Texto #22)

A repetição de “Juliana e Raquel”, no trecho acima, não se trata simplesmente de um uso pouco habilidoso das formas referenciais. Na segunda sentença “E então Juliana e Raquel foram brincar no parque”, uma substituição simples pela anáfora pronominal “elas” não seria tão eficiente, já que o pronome é capaz de retomar não apenas “Juliana + Raquel”, mas também “Juliana + Raquel + sua mãe”. A solução, aqui, seria o uso de substituição lexical, como “as meninas”, “as duas”, “as irmãs”, pois isso excluiria a personagem da mãe.

Na seqüência, há a segunda retomada por “Juliana e Raquel”: novamente, o uso de pronome “elas” encontraria problemas, já que a sentença anterior está repleta de possíveis referentes: “Juliana + Raquel”, “Juliana + Raquel + mãe”, “mãe + amigas” e “amigas”. Uma nova substituição lexical seria eficiente, ainda que não possamos garantir que as amigas com as quais a mãe conversa sejam adultas, isto é, uma expressão como “as meninas” ou “as garotas” também não descartaria “as amigas” como referente. Nem a retomada pronominal, nem a substituição lexical, são absolutamente impossíveis neste trecho, já que a predicação, especialmente a que diz respeito ao ato de brincar, consegue evidenciar quais são os personagens em foco; contudo, talvez pouco íntimo desta sutileza, o aluno autor da redação preferiu não arriscar mecanismos de identificação menos precisos, e optou pelos nomes próprios.

A segurança da identificação é justamente o que norteia a predominância da repetição dos nomes próprios “Raquel” e “Juliana” nas cadeias referenciais em que estes objetos-de-discurso são concorrentes. Os dados não deixam dúvidas: ao todo, 64% das retomadas são feitas pela repetição de “Raquel” ou “Juliana”, fato que prevalece em todas as funções sintáticas abordadas no estudo.

(2) A Raquel ficou brava e atravessou… mas ela não sabia que, naquele momento, havia um carro vindo em alta velocidade, então o carro veio com tudo e… desviou da Raquel e atropelou a Juliana, a cabeça de Juliana foi dessipada. A Juliana morreu na hora e a

Raquel nem percebeu o acidente, ela foi para a loja de doces e comprou um pirulito.

(3) Raquel comenta com Juliana sobre tentar voltar, ou continuar em frente até achar um policial, Juliana concorda c/achar o policial; mas não de voltar nem de continuar. (Texto #4)

(4) Porém, perdidas no meio do “lixão”, estão duas meninas, Raquel e Juliana decidindo em uma briga a decisão de atravessar a rua, com palavras não adequadas para os sete anos, cada uma decidio pegar seu caminho, porém Juliana cede o seu orgulho e pede perdão para Raquel, a convencendo para ficar com Juliana esperando no cruzamento. (Texto #8)

(5) Juliana, sem a compania dos pais, estava com medo de atravessar. Mas Raquel falava que não tinha problema e que era só atravessar juntas que não iria ter problema. Juliana não se convenceu, e ela não iria atravessar sem os pais. Então Raquel falou que se a

Juliana quisesse ficar lá iria ficar sozinha, pois ela iria atravessar. (Texto #11)

A análise dos exemplos (2) a (5) mostra como é comum a utilização dos nomes próprios em situações em que os dois objetos-de-discurso estão presentes no mesmo trecho. A discussão a ser levantada aqui é quando a repetição dos nomes próprios é um expediente necessário para a compreensão da cadeia referencial e quando ela meramente reflete a insegurança ou pouca habilidade do aluno em usar dos outros mecanismos de coesão referencial, especialmente a (re)categorização e anáfora.

Acreditamos que os exemplos listados acima são representativos do que ocorre ao longo dos textos e, abaixo, propomos glosas para fins de explicação:

(2a) A Raquel ficou brava e atravessou… mas ela não sabia que, naquele momento, havia um carro vindo em alta velocidade, então o carro veio com tudo e… desviou dela atropelou a Juliana, a cabeça dela foi dessipada. A menina morreu na hora e a Raquel nem percebeu o acidente, ela foi para a loja de doces e comprou um pirulito.

(3a) Raquel comenta com Juliana sobre tentar voltar, ou continuar em frente até achar um policial, ela concorda c/achar o policial; mas não de voltar nem de continuar. (Texto #4)

(4a) Porém, perdidas no meio do “lixão”, estão duas meninas, Raquel e Juliana decidindo em uma briga a decisão de atravessar a rua, com palavras não adequadas para os sete anos, cada uma decidiu pegar seu caminho, porém Juliana cede o seu orgulho e pede perdão para Raquel, a convencendo para ficar com ela esperando no cruzamento. (Texto #8)

(5a) Juliana, sem a companhia dos pais, estava com medo de atravessar. Mas Raquel falava que não tinha problema e que era só atravessarem juntas que não iria ter problema.

Ela não se convenceu, e ela não iria atravessar sem os pais. Então sua irmã falou que se a ela quisesse ficar lá iria ficar sozinha, pois iria atravessar. (Texto #11)

Através das glosas – que foram realizadas considerando o arcabouço de mecanismos de coesão referencial já apresentado nas seções anteriores – podemos perceber que a repetição é perfeitamente justificável em alguns momentos, como o caso do exemplo (2): as duas ocorrências de “Raquel” estão afastadas o bastante uma da outra no texto – e intermediadas pelas ocorrências de “Juliana” – para que a repetição não soe forçada ou cansativa. Por outro lado, a seqüência “atropelou a Juliana, a cabeça da Juliana foi dessipada. A Juliana morreu na hora”, claramente, apresenta problemas de construção, ao não encontrar uma solução para a relação de posse do substantivo “cabeça”, nem substituir “Juliana”, do período posterior, por uma retomada pronominal ou substituição lexical, que seriam plenamente esclarecidas pela predicação, mesmo com a concomitância do objeto-de-discurso “Raquel” no período anterior.

No exemplo (3), novamente, há a incerteza quanto à predicação; ainda que a forma pronominal “ela” possa se referir tanto a “Raquel” quanto a “Juliana”, parece natural que, se Raquel propõe encontrar o policial, é Juliana quem concorda com a idéia.

Os exemplos (4) e (5) trazem uma mesma situação, a relação do mecanismo de coesão referencial com o discurso indireto. Respectivamente, temos “Juliana cede o seu orgulho e pede perdão para Raquel, a convencendo para ficar com Juliana” e “Juliana não se convenceu, e ele

não iria atravessar sem os pais. Então Raquel falou que se a Juliana quisesse ficar lá iria ficar sozinha, pois ela iria atravessar”. Em ambos os casos, o uso dos nomes próprios depois dos verbos de locução “falar” e “convencer” soa estranho, já que a predicação, motivada pela circunstância do diálogo, é bastante clara, dispensando o uso de uma forma referencial tão precisa quanto a repetição do nome próprio.

A análise dos exemplos (2) a (5) nos direciona para a questão da proximidade da referenciação: quando a expressão lingüística está distante da última ocorrência do objeto-de- discurso, seja dentro do mesmo parágrafo ou em parágrafos diferentes, a repetição do nome próprio se mostra uma ferramenta válida e confortável para a construção do texto. Por outro lado, quando as referências estão próximas uma das outras, a predicação e a presença explícita do outro objeto-de-discurso concorrente tornam a repetição um recurso, de certa maneira, desnecessário, dado o peso que o uso do nome próprio carrega para o texto.

4.4.2 Substituição lexical

Conforme visto no item 5.1.3, a freqüência de uso de substituição lexical para a cadeia referencial de “Raquel + Juliana” foi de 34% do total, enquanto a utilização para as cadeias referenciais de “Raquel” e “Juliana” foi de apenas 6%. A substituição lexical dos objetos-de- discurso se deu, majoritariamente, pelo uso de sinônimos – “meninas”, “garotas”, “crianças” -, relações de parentesco – “irmãs” e “filhas”, - e atribuições – como “amigas”. Como é de se esperar, o arcabouço de léxico para substituição lexical está disponível para os dois tipos de cadeias referenciais, o que nos leva a perguntar o que restringe seu uso nas cadeias de “Raquel” e “Juliana”.

A explicação mais natural é a mesma que perpassará a questão da retomada pronominal como mecanismo de coesão referencial: a possível ambigüidade referencial do objeto-de- discurso. Abaixo, listamos alguns exemplos de substituições lexicais para a cadeia referencial de “Raquel + Juliana” (sublinhamos o objeto-de-discurso introduzido e colocamos em negrito as substituições lexicais):

(6) Raquel e Juliana eram melhores amigas. Faziam de tudo para sempre estarem juntas. Um dia, a mãe de Raquel perguntou se as meninas gostariam de acompanhá-la para ir comprar roupas e as meninas aceitaram. Enquanto estavam lá, Raquel, aventureira do jeito que é, viu um carrinho de pipoca e saiu atrás, sem ao menos avisar a mãe e Juliana foi atrás. (texto #7)

(7) Em um sábado ensolarado Raquel e Juliana, duas irmãs, foram ao supermercado com a mãe delas, estava tudo normal, como das outras vezes (…)

As duas irmãs começam uma discussão, Juliana tem medo de continuar, pois ela ao menos sabe para onde estão indo. Raquel quer correr e fugir para algum lugar que parecia estar chamando muita atenção da garota.

A mãe das duas garotas a este momento está desesperada atraz das duas, ela já havia falado para todos no supermercado e ninguém tinha visto as duas, a mãe ligou para a policia e se queixou do sumiço das meninas. (texto #28)

(8) Raquel e Juliana eram duas menininhas de 7 anos que foram com seus pais ao supermercado, a família ficou umas 3 horas no supermercado mas teve uma hora, que derrepente os pais perceberam que suas filhas tinham se perdido deles, então a mãe ficou desesperada, queria muito achar suas filhas. (texto #36)

(9) Raquel e Juliana eram duas irmãs inseparáveis. Nas apenas inseparáveis entre elas, pois acabaram se separando de seus pais.

Em um passeio pelo centro, alienígenas raptaram os pais das meninas. Com medo e apavoradas, logo procuraram ajuda aos policiais mais próximos (…)

As meninas, aliviadas, cruzam a rua e falaram com os policiais. Policiais foram em busca

dos pais das pobres crianças. Após uma longa busca, eles acharam o esconderijo dos grandes e maus aliens, mataram todos, e liberaram os pais das crianças antes que os aliens chupassem seus cérebros. (texto #18).

Conforme podemos presenciar nos trechos de (6) a (9) – bem como nos dados estatísticos – o uso de substituição lexical para o objeto “Raquel + Juliana” é comum, apresentando uma quantidade razoável de expressões lingüísticas e ocupando diferentes funções sintáticas.

Há de se notar, porém, a preferência por duas expressões, “meninas” e “duas”, que correspondem, juntas, a pouco mais de 70% das substituições lexicais presentes no corpus (41 e 43 ocorrências, respectivamente, em um total de 118). Podemos entender o uso de “meninas” como um expediente comum na substituição lexical: a utilização de hiperônimos para se remeter ao objeto-de-discurso; mais do que “irmãs” ou “amigas” ou “filhas”, as personagens Raquel e Juliana são, em primeiro lugar, meninas. Além disso, não há nenhum outro objeto-de-discurso no texto com esta mesma propriedade, o que torna “meninas” uma forma de referência inconfundível, considerando que a substituição lexical se dá pela instrução de sentido envolvida na referenciação.

A primeira expressão mais recorrente – “as duas” – foi discriminada por apresentar um comportamento, do ponto de vista semântico, bastante curioso, o que nos levou a caracterizá-la como uma forma de substituição lexical única, ao invés de simplesmente apontar que “as duas” carregaria uma elipse de “as duas (meninas)”, por exemplo. A seguir, trazemos alguns dos trechos em que “as duas” é utilizado:

(10) Raquel não chegou a completar a frase. Não completou porque nesse instante passou um Audi A6 preto. O homem que estava no banco do passageiro abriu a porta e puxou as

duas para dentro. (Texto #1)

(11) O povo da rua para de andar e se volta para as meninas que estão brigando. Depois de um tempo a mãe das meninas aparece e dá um puxão na orelha das duas. (Texto #26)

(12) As duas rapidamente começaram a brigar, começaram a insultar uma a outra como duas loucas, e não conseguiam chegar em um acordo. Derrepente as duas partiram para a ignorância, começaram a trocar tapas, puchões de cabelo, uma verdadeira guerra (Texto #27)

(13) Juliana briga com Raquel, a mãe de Raquel chega separa as duas e conversa; Juliana perdoa Raquel e Raquel pede perdão. (Texto #4)

(14) Apartir disso que ocorreu a confusão, onde Juliana segurava Raquel para não atravessarem e Raquel puxa ela para atravessar. Apartir disso começaram a se catar, e então as duas foram atropeladas. (Texto #20)

(15) Todos preocupados com elas, passaram algum tempo as garotas ainda estavam discutindo se atravessavam ou não a rua, foi quando decidiram atravessar saíram correndo para o outro lado e em um piscar de olhos o carro da policia acertou as duas em cheio matando-as na hora. (Texto #28)

A opção pelo uso de “as duas”, ao invés de quaisquer uma das outras substituições lexicais, pode ser explicada pela intenção dos participantes de ressaltar o caráter extensivo da expressão, isto é, salientar que Raquel e Juliana estavam envolvidas de forma igual no evento descrito. Os exemplos (10), (14) e (15) nos parecem bastante chamativos: ao escrever que “abriu a porta e puxou as duas”, “as duas foram atropeladas” e “acertou as duas em cheio”, os alunos da pesquisa parecem querem salientar que as duas garotas sofreram as ações, o que talvez não ficasse tão claro se as sentenças fossem “abriu a porta e puxou as meninas”, “as meninas foram atropeladas” ou “acertou as meninas em cheio”, que poderiam deixar margem para que se pensasse que, talvez, uma delas tenha participado do evento com mais intensidade.

Quando a função de sujeito é ocupada por “as duas”, como no exemplo (12), parece haver a especificação de reciprocidade na ação: quando encontramos “as duas partiram para a ignorância”, logo imaginamos que Raquel e Juliana se irritaram com a discussão e decidiram pela agressão, ao passo que “as meninas partiram para a ignorância” pode nos levar a crer que uma das garotas tenha procurado agredir a outra primeiro.

(16) As duas saem sozinhas sem avisar e sem pedir permissão, achando que tinham maturidade suficiente para andarem pela cidade sem os pais. Após varias e varias ruas, vários e vários quarteirões, as duas começam a notar que estão perdidas, pois não sabem voltar e nem chegar a tal supermercado. (Texto #37)

No exemplo (16), ainda que as ações associadas a “as duas” não denotem reciprocidade, seu uso parece indicar que ambas as garotas participam do mesmo evento, isto é, ambas saem sozinhas e ambas chegam à conclusão de que estão perdidas, e não somente uma delas, não- especificada. A propriedade extensiva de “as duas”, então, nos levou a considerar que se tratava de um recurso distinto dentro da substituição lexical, com implicações para a construção da cadeia referencial.

Se a substituição lexical do objeto-de-discurso “Raquel + Juliana” é ampla e corrente, o mesmo não pode ser dito sobre o que acontece com os objetos “Raquel” e “Juliana”, que apresentam um volume bem baixo de substituições. Como já dito anteriormente, estes objetos possuem propriedades semânticas idênticas, sendo diferenciados, unicamente, por seus nomes próprios (nenhum dos participantes da pesquisa cogitou, por exemplo, conferir características físicas distintas as duas meninas). Ainda assim, o léxico disponível para a substituição de “Raquel” ou “Juliana” é o mesmo de “Raquel + Juliana”.

Parece claro que a diferença entre as substituições lexicais de “Raquel + Juliana” e “Raquel” e “Juliana” se dá pela possibilidade de má interpretação no segundo caso. Contudo, uma comparação entre a freqüência de uso das substituições, no que diz respeito a função sintática assumida por elas, fornece elementos interessantes para a análise.

No primeiro tipo de cadeia referencial, a substituição lexical é usada em função de sujeito em 66% dos casos (cf. Tabela 5), enquanto, no segundo tipo, o uso como sujeito corresponde a apenas 26% dos casos (cf. Tabela 15), sendo o restante, nas duas situações, referentes a objeto direto, objeto indireto e complemento nominal.

Se, por um lado, nas cadeias referenciais de “Raquel” e “Juliana”, há a preocupação de não se utilizar uma expressão passível de interpretação incorreta como sujeito, como mostram os dados sobre a utilização esmagadora dos nomes próprios nessa função (cf. Tabela 16), por outro, a substituição lexical encontra espaço nas funções de objeto e complemento, justamente porque a função de sujeito já está preenchida por um elemento plenamente identificável e, na maioria dos casos, as sentenças formadas com verbos transitivos envolvem as duas irmãs, uma em posição de sujeito e a outra em posição de objeto, como é possível ver nos exemplos a seguir:

(17) As duas olham ao redor da agitada rua e não avistam a mãe. Juliana se desespera e não agüenta,cai no choro. Raquel se estressa com a atitude da irmã e ordena que ela pare de chorar, mesmo estando com muito medo também. (Texto #26)

(18) Juliana via a irmã atravessando, andando tranquilamente, cada vez mais longe ela então saiu correndo em direção a sua irmã mas não olhou para nenhum lado de repente… (Texto #30)

(19) No final das contas Raquel fez a vontade da irmã e esperaram seus pais na calçada. (Texto #31)

Nota-se, desta forma, que a substituição lexical presente nas cadeias referenciais de “Raquel” e “Juliana” é motivada pela presença explícita do outro objeto-de-discurso concorrente, isto é, se uma das irmãs já foi mencionada, a expressão lingüística só pode estar se referindo a outra.

Neste sentido, o uso majoritário de “irmã” (19 ocorrências, em oposição às quatro ocorrências de “menina”) é explicado pela proximidade da narração do texto. Aparentemente, quando as narrativas estão centradas no modo como as duas garotas se perdem, se mostram mais distantes das personagens, possibilitando o uso de “meninas”, “garotas” etc. Por outro lado, ao descrever o conflito que envolve somente as duas irmãs quanto a atravessar ou não a rua, a relação entre as meninas se sobressai. Se substituíssemos “irmã” por “menina” nos trechos anteriores, teríamos uma sutil quebra da capacidade de identificabilidade da expressão, já que, mesmo sem outros objetos-de-discurso passíveis de serem referenciados pela expressão, “menina” é bem menos específico do que “irmã”, especialmente quando há uma entidade de nome próprio na sentença.

A menor especificidade de “menina” também pode ser evidenciada através de seus usos nas cadeias referenciais de “Juliana” e “Raquel”. Abaixo, trazemos dois exemplos:

(20) Juliana chorava desesperadamente. Pensava em sua casa, sua família, seu cachorro, sua irmã, mas seu pensamento estava fixado principalmente no homem do saco.