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2.2 Coesão e ensino: livros didáticos

2.2.3 Redação, palavra e arte

Publicado pela editora Atual, em 1999, o material didático concebido pela professora Tânia Pellegrini dedica um capítulo razoavelmente curto à questão da coesão, intitulado “A construção de sentidos: coesão textual”. Partindo da tarefa de identificação de referentes em um texto de Cecília Meirelles, a autora afirma que “essas retomadas de um termo e outros mecanismos que a língua dispõe para a clareza de uma comunicação constituem o que chamamos de coesão” (1999, p.230). Na mesma página, a coesão é melhor especificada, sendo tratada como “o conjunto de recursos lingüísticos responsáveis pelas ligações que se estabelecem entre os termos de uma frase, entre as orações de um período ou entre os parágrafos de um texto. É a costura necessária para que as partes componham harmoniosamente o todo”.

A coesão é dividida em dois tipos: referencial e seqüencial, como podemos ver no esquema abaixo. Coesão referencial Substituição Reiteração Formas pronominais Formas verbais Formas numerais

Repetição da mesma expressão Sinônimos

Expressões nominais definidas Nomes genéricos

Coesão seqüencial

Sequenciação temporal Sequenciação por conexão

Conjunções Preposições

Uma análise da proposta de Pellegrini permite afirmar que seu modelo apresentado de coesão está ancorado em Koch (1989), promovendo algumas simplificações. A substituição, dentro da coesão referencial, engloba os pronomes, os numerais e verbos vicários, como tradicionalmente ocorre com outros modelos, deixando de fora os advérbios de tempo e espaço.

A reiteração também lida de forma similar aos outros modelos, mas sem especificar itens como hiperonímia e hiponímia.

A coesão seqüencial é, nas palavras da autora (p.231), “a que permite fazer progredir o texto, sem a retomada de itens”. O primeiro tipo, a sequenciação temporal, se preocupa com o ordenamento das sentenças e a correlação temporal entre elas, obtidas através de advérbios de tempo. Por outro lado, a sequenciação por conexão trata das preposições e conjunções utilizadas para estabelecer relações entre as sentenças.

A influência da perspectiva de Ingedore Koch é vista não somente nos mecanismos de coesão, mas também na afirmação de que a coesão não é, via de regra, sinônimo de coerência. Se, por um lado, os modelos de Terra (2008) e Carneiro (2001) são, em alguma medida, excessivos e super-especificados, o modelo de Pellegrini é mais enxuto do que deveria em alguns momentos. Apesar da diferenciação bastante clara entre coesão referencial e coesão seqüencial, falta um tratamento mais aprimorado para a reiteração, que restringe a coesão lexical a um uso superficial de sinonímia e termos genéricos, além de apresentar as “expressões nominais definidas” de forma obscura, com o exemplo “Drummond, o ‘anjo-torto’, apresentou-se triste em muitos de seus poemas”, transmitindo a impressão de que se trata da adoção de epítetos para figuras conhecidas. Apesar de ser calcado nos estudos de Ingedore Koch, não há, neste livro, qualquer preocupação com a força argumentativa dos elementos coesivos, nem referenciais, nem gramaticais. É digno de nota também a ausência de menção à elipse como elemento coesivo.

Curiosamente, o exercício proposto, no final do capítulo, lida com a questão lexical como elemento coesivo, fazendo-se valer da potencialidade argumentativa de cada item. (PELLEGRINI, 1999, p.234-5).

Por outro lado

Quando Arquimedes notou que podia flutuar numa banheira e saiu nu gritando “eureka”, ele havia acabado de descobrir uma lei da física. Quando Newton recebeu a mação no nariz, ele deve ter sentido coisa parecida: acabava de descobrir a Lei da Gravidade.

A alegria que Arquimedes e Newton sentiram não se compara com a exaltação do primeiro redator que, no início da modernização dos textos de jornal, descobriu a fórmula para unir o lead ao sublead.

Para quem não está por dentro dessas murmunhas da redação, convém explicar. O jornalismo dito moderno, que chegou ao Brasil no final dos anos 40, estabelecia que a matéria deveria começar pelo mais importante e pela maior novidade. Era o lead, o

parágrafo que lidera o texto. Logo depois devia vir o sublead, ou seja, o assunto que em importância ou novidade merece vir logo depois do lead.

Até aqui, tudo bem. O diabo era unir os dois parágrafos, geralmente de quatro ou cinco linhas. No restante do texto, aqueles assuntos voltariam, o destaque era apenas para prender o leitor, interessá-lo com a importância ou a novidade da notícia. Até que o Arquimedes de plantão, o Newton do copidesque descobriu a fórmula “por outro lado”.

Nesse outro lado, cabiam as coisas mais disparatadas. Exemplo: “O ministro da Saúde proibiu a venda das vacinas compradas na Bolívia que estão matando as criancinhas do Nordeste. Por outro lado, o playboy Jorginho Guinle recebeu telegrama de Frank Sinatra cumprimentando-o pelo seu aniversário”.

Pronto. Estava feito o mais difícil da matéria. Desse momento em diante, o “por outro lado” saiu das redações e começou a ser usado por presidentes, economistas, técnicos em problemas afro-asiáticos, donas de casa que dão aulas de culinária. Quando fui editor de jornal e recebia textos com essa expressão, chamava o redator e dizia: “Olha, é por esse lado mesmo”.

CONY, Carlos Heitor. Folha de São Paulo. 28.1.1997

1. A expressão “coisa parecida” empregada no final do primeiro parágrafo retoma que idéia do início do texto? Experimente outra expressão que tenha sentido equivalente. 2. “O diabo era unir os dois parágrafos” (5º parágrafo). Encontre outra expressão, mais adiante no texto, que recupera “o diabo” dessa frase.

3. Que expressões nominais são empregadas para retomar a imagem daquele que descobriu o “por outro lado”? Qual seria a intenção do autor ao empregá-las?

4. Por que Cony critica o uso da expressão que se tornou tão comum para unir o lead ao

sublead?

5. Há vários termos no texto que estabelecem uma coesão temporal. Encontre-os.

O objetivo do exercício é instigar o aluno a reconhecer a manutenção temática, promovida pelo uso de expressões lingüísticas distintas para um mesmo assunto. Além disso, há também a preocupação com a razão das escolhas do autor (pergunta 3), isto é, de que maneira a argumentação intercede na coesão. Como mencionado antes, este exercício destoa da explicação simples sobre o uso do léxico na coesão referencial, e também se afasta da proposta mais comum nos livros didáticos, que é a de mera identificação de referentes a partir de formas pronominais.