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VIOLÊNCIA CONTESTADORA

4.5 Prática Autoritária

4.5.2 Prática punitiva

A prática punitiva foi identificada como a principal forma de intervenção dos professores nas situações de conflito e violência. Embora seus relatos priorizem o diálogo, percebeu-se no decorrer das aulas que os professores adotaram práticas punitivas, ao invés de intervenções pedagógicas reflexivas e conscientizadoras. O mesmo foi descrito pelos alunos, ao serem questionados sobre a atitude do professor diante das situações de violência.

Segundo Castro et al. (2013, p. 30):

[...] a adoção de formas punitivas sem a precedência do diálogo e das tentativas de entendimento de situações de violência correm o risco de contribuir para sedimentar e/ou naturalizar aquelas práticas, na medida em que se adota uma postura meramente reativa e não reflexiva.

Para os autores, os professores que punem os alunos, alimentam a violência e impedem a reflexão sobre a situação ocorrida, devido à ausência do diálogo entre os envolvidos. Segundo Freire (2014), infelizmente muitos professores de boa vontade comprometidos com uma educação libertadora, ainda não se percebem como executores de uma educação tradicional, por sofrer a influência contida nesse modelo de educação e fazer uso incorreto de um instrumento punitivo e alienador em busca do desenvolvimento da consciência crítica do aluno. Percebe-se esta perspectiva no relato do professor Bernardo ao citar que diante de situações de violência costumava:

“[...] colocar um sentado em cada canto da quadra. Mas, com o tempo de prática você vai pensando, observando e, hoje, por exemplo, se eu tenho dois meninos que se estranharam no jogo, imediatamente eu os retiro da aula e coloco os dois sentados perto, um do lado do outro, porque eu comecei a observar que eles mesmos começam a se entender.”

Embora a prática punitiva seja adotada pelos professores na esperança de conscientizar os alunos sobre suas ações, ao trocarem o diálogo e a orientação, pela punição, castigos e broncas desnecessárias que ridicularizam os alunos, acreditando que estão a educá- los e conscientizá-los, verifica-se que tais ações apenas despertam sentimentos de raiva e tristeza nos alunos, e que, por vezes, incitam revoltas geradas pelo sentimento de exclusão, não pertencimento ao grupo e injustiça, como foi observado na discussão entre dois alunos que trocaram xingamentos no jogo de futebol e o professor Antônio puniu os envolvidos, excluindo-os da atividade. Um dos alunos, chorando, tentou sem sucesso defender sua inocência ao explicar o motivo que o colocou na discussão, mas o professor se negou a ouvi- lo dizendo:

A prática punitiva também gera um clima de medo, desconfiança e insegurança na aula, e o aluno se distancia do professor. O medo de receber punições ou broncas ríspidas foi identificado numa situação peculiar, em que duas meninas se recusaram a pedir para beber água ao professor Bernardo durante a realização da atividade, e optaram por sentar e descansar. Demonstrando cansaço e sede, elas permaneceram conversando para decidir qual delas pediria a autorização do professor enquanto se encorajavam, pois ambas não queriam correr o risco de ter o pedido negado, e acompanhado de algum tipo de hostilidade. O medo de punição também foi identificado nos momentos em que os alunos demoravam a formar filas, grupos, escolher as equipes e colocar os coletes, em que diziam:

“Vai logo mano, o professor vai tirar nós.”

A forma de punição mais utilizada pelos professores foi à prática da exclusão e, conforme Castro et al. (2013), além de não resolver o problema, também implica duas dificuldades: a inexistência de postura formativa nos professores e a impossibilidade de professores e alunos refletirem sobre o ocorrido.

A prática da exclusão variou de acordo com as situações ocorridas e com os significados atribuídos pelos professores aos acontecimentos violentos. Verificou-se a exclusão do aluno apenas da atividade; a exclusão acompanhada do encaminhamento do aluno à sala de aula; a exclusão acompanhada do encaminhamento do aluno à diretoria; a interrupção da aula e o encaminhamento de toda a turma à sala; e a punição mais severa, em que dois alunos foram suspensos por um mês das aulas de Educação Física. Para Aquino (1998, p. 8), a exclusão por meio do encaminhamento, como prática punitiva realizada pelo professor, é uma forma de intervenção causada “por sobre determinações que muito lhes ultrapassam, restando-lhes um misto de resignação, desconforto e, inevitavelmente, desincumbência perante os efeitos da violência no cotidiano [...]”. Para o autor, a exclusão do aluno da aula é uma prática que deve urgentemente ser abolida das práticas escolares. Cabe aqui ressaltar que esta prática também posterga o direito do aluno conferido no Art. 53, Incisos I e II do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garantem a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, e o direito de ser respeitado pelos educadores (BRASIL, 1990).

As intervenções punitivas dos professores foram proporcionais à percepção e a banalização (hierarquização) atribuída às circunstancias. Situações de maior gravidade, como a violência física, tenderam a práticas punitivas mais severas, e episódios de falta de atenção, descontrole da aula, atos corriqueiros de mau gosto e violência verbal, tenderam a práticas punitivas mais “leves”. Também vale lembrar que a punição praticada pelo professor, na forma de exclusão, contribui para a ociosidade dos alunos e, respectivamente, acarretam os atos corriqueiros de mau gosto e os outros tipos de violência descritos anteriormente na Prática Licenciosa.

Como exemplo de intervenção punitiva leve, tem-se o fato ocorrido no jogo de câmbio (voleibol adaptado), em que o aluno visivelmente alterado pela competitividade e pelos erros de sua equipe, proferiu xingamentos e se dirigiu aos demais colegas com desrespeito e incivilidade (violência verbal). O professor Antônio, aos gritos, o excluiu da atividade, deixando-o sem participar do restante da aula. Como exemplo de punição grave, no jogo de futebol (ocorrido em meio a Prática Licenciosa) houve uma disputa ríspida de bola e um aluno proferiu xingamentos ao outro. O aluno vítima revidou da mesma forma, e a violência verbal logo se transformou em violência física. O professor Antônio interviu com uma postura agressiva e, novamente aos gritos, pediu para que os alunos parassem com a briga. Devido à postura do professor em sua intervenção, um dos envolvidos na briga o violentou verbalmente (com xingamentos). De imediato, o professor interrompeu a aula e pôs- se a voltar com todos os alunos para a sala, encaminhando os alunos envolvidos na briga à diretoria. Os alunos que brigaram foram suspensos por um mês das aulas de Educação Física pela diretora. Neste caso específico, o professor Antônio, diante à violência verbal que sofria, ainda zombou do aluno dizendo:

“Você é um moleque. Eu estou morrendo de medo de você.”

A maior parte das punições foi realizada de maneira hostil e agressiva, e tais situações geraram constrangimentos e revoltas violentas, como no exemplo relatado. Conforme Peres (2005, p. 198), “atitudes severas de punição por parte do professor, dificilmente são a melhores formas de impedir a agressão”. No fato descrito percebe-se que a prática punitiva do professor se estendeu a atitude da diretora e, mesmo que em situações de

violência originadas pela Prática Licenciosa, os professores se dirigem aos alunos de forma agressiva e com a entonação da voz alta (gritando) para puni-los e excluí-los das atividades.

Também é notório que a violência dirigida ao professor foi considerada violência grave, visto que a punição se estendeu a toda turma e culminou na privação do direito à aula dos alunos “contestadores”. A hierarquização da violência implícita na intervenção pedagógica do professor também foi verificada no questionário, em que um aluno diz que o professor:

“B – 2: Coloca para sentar só quem bate, quem xinga não.”

Além da hierarquia da violência (gravidade) manifesta como critério que orienta a intervenção punitiva, a indiferença do professor diante de situações conflitivas e significativas para os alunos, faz com que suas intervenções se tornem obrigatórias. Forçados a realizá-las, talvez por isto a realizam sem planejamento e de maneira hostil e agressiva. Neste sentido, observou-se durante a Prática Licenciosa do professor Antônio uma manifestação de violência física no jogo de futebol, em que o professor interviu com a exclusão e o encaminhamento dos alunos envolvidos à sala de aula. No entanto, momentos depois, outro aluno reclama ser vítima de violência verbal ao professor que, irritado, diz:

“Para de encher o saco e volta a jogar.”

O professor se volta para o pesquisador (que estava perto observando a situação) e diz:

“Se a gente for ligar para qualquer coisinha, a gente está ferrado.”

Neste caso, o professor demonstra indiferença ao sentimento, e desprezo ao problema do aluno, negando intervenção e orientação pedagógica. No questionário dos alunos também foi possível identificar respostas que confirmam a indiferença relacionada às manifestações de violência observadas em aula:

“A – 16: Ele não faz nada, deixa bater e ainda xinga quem está apanhando.”

“B – 03: Porque uma vez uma aluna puxou o meu cabelo. Nem o professor e nem a professora fizeram nada.”

A indiferença do professor diante dos comportamentos violentos contribui para que muitos deles passem despercebidos ou desprezados no cotidiano das aulas de Educação Física. Isto vem alertar para o fato de que manifestações de violência leve são banalizadas pelos professores, podendo ocorrer livremente ou ser perpetuadas nas relações sociais, devido à ausência de intervenções pedagógicas. Automaticamente, também reforça o predomínio de intervenções pedagógicas orientadas pela hierarquização dos atos violentos.