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Musical practices in the context of rural schools

Josione Pereira da Silveira

Universidade Federal do Tocantins josionesilveira@hotmail.com Resumo: O objetivo deste artigo é trazer uma reflexão sobre as práticas artísticas musicais em

escolas do campo contribuindo para a discussão do tema uma vez que o ensino de música, depois de décadas esquecida pelos governantes, passa a ser um conteúdo obrigatório através da Lei nº 11.769 de 18 de agosto de 2008 a qual dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino de música em toda educação básica tanto em escolas urbanas como nas escolas do campo. Discute o ensino de música e suas práticas artísticas no contexto das escolas do campo trazendo algumas possíveis estratégias pedagógicas as quais podem ser trabalhadas com alunos desde a educação infantil até ao ensino médio de forma progressiva e coletiva. O presente trabalho busca ainda a compreensão da importância da contextualização e da interculturalidade quanto às práticas musicais nas escolas do campo dentro da perspectiva da realidade dos alunos respeitando seus gostos e costumes musicais e também o respeito em relação a outros tipos de manifestações musicais que porventura não fazem parte do seu cotidiano, mas que fazem parte da cultura musical da humanidade. Propõe o uso da forma canção como elemento de importância no contexto do aprendizado dos elementos técnicos musicais e também sociológicos, propõe o uso de flauta doce como instrumento democrático por ser acessível aos alunos por causa do baixo custo; propõe ainda a prática do canto coral como uma das estratégias de educação musical democratizador. As estratégias de algumas possíveis práticas artísticas dentro das escolas do campo que estão especificadas neste trabalho podem ser realizadas com poucos recursos financeiros, tendo em vista a real situação estrutural e financeira das nossas escolas do campo.

Palavras-chave: Prática musical. Escolas do campo. Ensino de música. Educação transformadora.

Ensino democrático.

Abstract: The purpose of this article is to bring a reflection on the musical artistic practices in the

field education contributing to the discussion of the theme once music teaching, after decades was forgotten by the government, now, it becomes a mandatory content through Law No 11.769 of August 18º 2008 which provides the obligatoriness music teaching throughout all basic education such in urban schools as schools in the field. It discusses the music teaching and artistic practices contextualized in the field education bringing some possible strategies teaching which can be worked with students from kindergarten up to high school progressively and collectively. This study, seeks to understand the importance of contextualization as the musical practices in schools field from the perspective of the students reality respecting their musical preference and also the respect to other kind of music which is not part of their daily lives but it is part of mankind music culture. It proposes the use of the song how important element in the context of learning musical technical elements and also sociological, it proposes the use of the recorder as a democratic instrument to be accessible to students because of the low cost; It proposes the practice of choral singing as one of democratizing music education strategies. The strategies of some possible artistic practices within field schools which are specified in this work, can be carried out with limited financial resources, in view of to actual structural and financial situation of our schools in the field.

Introdução

A Educação do campo a qual se encontra em construção também está nas garantias constitucionais do Brasil. É uma realidade que vem sendo construída através do

contexto das lutas dos movimentos sociais frente às forças hegemônicas do nosso país. Ela existe, portanto, graças às lutas dos movimentos sociais do próprio homem do campo insatisfeito com as demandas tradicionais de educação que sempre orientavam os processos educacionais do homem camponês dentro do modelo tradicional. Foi a partir dessa insatisfação dos camponeses em busca de melhores condições educacionais para suas comunidades, que nasceu o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária e o reconhecimento através de Lei ou especificamente a partir do parecer nº 1/2006 que passou a reconhecer o regime educacional de alternância que visa estabelecer no campo uma modalidade de ensino capaz de atender a realidade camponesa. Na própria LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira), em seu art. 28, está contida a garantia do acesso do homem do campo à educação. Garante também as adaptações necessárias às peculiaridades da vida do camponês e sua própria organização escolar e também o modelo de alternância que visa elucidar e oportunizar uma forma de educação sem prejuízos às suas realidades as quais se diferem e muito das realidades da vida urbana.

Apesar da educação do campo ser um direito garantido na LDB (Lei de Diretrizes e Bases), o próprio estado legislador é omisso na execução de sua própria legislação. Isto acontece a partir da ausência de políticas públicas que venham melhorar as condições das escolas do campo as quais muitas delas se encontram fechando suas portas por causa da pouca operacionalidade do governo.

No caso do ensino de música, a qual se tornou disciplina obrigatória na educação básica com a criação da Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008, esse direito também é garantido aos alunos do campo. Mas, como sabemos, a realidade ainda é bem diferente, pois faltam professores de música nessas escolas as quais em muitos casos, a disciplina de música é apenas trabalhada de forma solta em algumas datas festivas. Não há um trabalho mais conciso que levam os alunos a consciência do fazer musical. Se tal realidade ainda não acontece nem nas escolas urbanas as quais recebem um tratamento um pouco melhor por parte dos governantes, o que diríamos das escolas do campo que em sua grande maioria se encontra esquecida pelo Estado?

Aspectos pedagógicos da educação do campo transformadora

A luta do homem do campo para obter oportunidades no âmbito educacional, está ligada a ideia da construção do conhecimento dentro do seu próprio espaço de vivência, ou

seja, o camponês não precisaria abandonar seu local de convívio para buscar conhecimento em cidades ou em lugares distantes de sua cultura ou realidade social. A respeito da importância da territoriedade dentro da importância educacional, assinala Molina (2006, p. 20).

A educação não existe fora do território, assim como a cultura, a economia e todas as outras dimensões. A análise separada das relações sociais e dos territórios é uma forma de construir dicotomias. E também é uma forma de dominação porque na dicotomia as relações sociais aparecem como totalidades e o território apenas como elemento secundário, como palco onde as relações sociais se realizam. Contudo, a relações não se desenvolvem no vácuo, mas sim nos territórios.

A partir do pressuposto do não abandono do homem do seu lugar de convívio para alcançar seus objetivos educacionais, tal pensamento nos remete à construção do conhecimento ou concepção pedagógica de Paulo Freire. Para Freire (1997), a educação ideal, a qual tem caráter problematizadora e também transformadora, só será possível quando levarmos em conta os processos históricos culturais. Nesse sentido, a proposta da educação do campo é o de levar o conhecimento ao camponês respeitando sua historicidade e costumes do campo. Ela é transformadora e libertadora, pois leva em conta às realidades locais as quais são problematizadas tendo como objetivo a transformação da realidade a partir da libertação das forças alienantes impostas pela concepção capitalista. Afirma ainda que o homem é um ser em constantes transformações e não se constitui em um ser pronto e acabado e que em muitos casos, o processo de transformação é prejudicado por causa da opressão causada pela sociedade de classes a qual leva o individuo a se acomodar com a realidade em que vive e o que é pior, passa a não acreditar na transformação da sua própria realidade aumentando dessa forma a subalternização e alienação e que tal transformação é algo utópico. Tais características dessa realidade sensibilizou Paulo Freire a desenvolver sua teoria baseada no que ele chamou de educação libertadora.

Outro ponto importante que devemos refletir com criticidade, diz respeito à aquisição de conhecimento o qual no ponto de vista positivista, ela se dá apenas nos aspectos formais e em muitos casos, ignora o fato da educação também se dá dentro dos aspectos informais como na convivência na comunidade, nos processos dialógicos dentro dos ambientes ou espaços sócios culturais, etc. A respeito da importância da aquisição de conhecimento dentro dos aspectos informais, assinala Meyer (1991, p.42):

Reconhecendo que a escola não é o único local de aprendizagem e que o processo educativo não se inicia nem se esgota no espaço escolar, torna-se fundamental dialogar com o conhecimento que as pessoas têm acerca do ambiente, aprendido

informalmente e empiricamente em sua vivência e prática social, respeitando-as, questionando-as, levando-as a repensarem o aprendido. Enfim, possibilitando que elas formulem e expressam suas ideias e descobertas, e elaborem os seus próprios enunciados e propostas.

No que diz respeito à educação musical tradicional positivista, ela é ensinada de forma mecânica, onde a técnica é a parte principal do aprendizado, isto sem falar das estruturas de ensino as quais não são democráticas, pois no geral, não praticam o ensino coletivo de música e sim, o ensino individual que na maioria dos casos, fica restrito a apenas ao contexto da música erudita onde o aluno é encarado como um mero reprodutor de incansáveis exercícios repetitivos e mecânicos param se tornar um virtuoso naquele instrumento musical que escolhera estudar, mas que ignoram de forma clara as possibilidades de uma educação musical que leva em conta o contexto e os aspectos sociais dos estudantes. Tal concepção tradicional de ensino musical tende a discriminar os conhecimentos prévios dos alunos. Em muitos casos, essa concepção discrimina abertamente as manifestações musicais populares, pois coloca a música erudita como sendo a única expressão musical válida em detrimento da música apreciada nas camadas mais pobres. Tal proposição não implica ou anula o uso da música erudita em ambientes não eruditos, pois o que propomos, é uma educação musical nas escolas do campo desprovida de preconceitos musicais. Devemos ressaltar que o ensino de música na educação básica não tem como objetivo formar músicos por excelência, mas sim, tornar nossos alunos mais conscientes da música que o cerca no seu cotidiano dentro de sua maneira de existir.

Em contraposição a essa realidade da educação tradicional e restrita do ensino de música, está o ensino democrático e participativo que a nosso ver, deve ser trabalhado de forma coletiva tais como o ensino coletivo de flauta doce, formação de grupos de canto coral e canto popular. O modelo de ensino individual de música faz com que nossos alunos tenham no professor de música a única possibilidade de aprender, e isto não é verdade. Já no ensino coletivo de música os alunos têm maiores possibilidades de aquisição de conhecimento pois além de aprender com o professor, os alunos aprendem uns com os outros de forma dinâmica e participativa onde aqueles alunos que têm maior facilidade, colaboraria com os outros colegas de sala que têm alguma dificuldade. Acreditamos que é através desse modelo de educação musical que poderemos alcançar um maior número de alunos com o objetivo de torná-los mais críticos e conscientes das músicas que eles ouvem.

A proposta da educação do/no campo é de uma educação que contraponha à educação tradicional e conteudista a qual não tem interesse na transformação social e sim, em uma educação alienante e “bancária” que preza os interesses das classes dominantes. A respeito disto, assinala Freire (1997, p.81):

Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão, a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.

Ainda sobre a crítica ao estilo conteudista da educação tradicional brasileira, assinala o pensador Freire (1997, p.79):

Não pode haver conhecimento, pois os educandos não são chamados a conhecer, mas a memorizar o conteúdo narrado pelo educador. Não realizam nenhum ato cognoscitivo, uma vez que o objetivo que deveria ser posto como incidência de seu ato cognoscente é posse do educador e não mediatizador da reflexão crítica de ambos.

Comenta ainda que:

Assim é que, enquanto a prática bancária, [...] implica uma espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da realidade. A primeira pretende manter a imersão; a segunda, pelo contrário, busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade. (FREIRE, 1997, p. 80).

Na concepção freiriana de educação, também está o aspecto da dialogicidade como sendo algo de muita relevância para o processo educativo. O próprio pensador dizia que ninguém se liberta sozinho. O sentido de libertar está relacionado à tomada de consciência do mundo ao redor por parte dos atores envolvidos no processo educacional dentro da visão problematizadora e libertadora. Para isso, a linguagem e interação dos estudantes, juntamente com o professor (o qual deve encarar a educação do campo com paixão), tem papel preponderante. O professor nesse processo, também se liberta aprendendo com os próprios alunos que não são interpretados como ignorantes ou vazios de qualquer tipo de saber tal qual acontece na concepção tradicional de ensino. Nesse processo, o professor dever ter a consciência da importância dos conhecimentos que seus alunos trazem consigo pela vivência na comunidade para a partir deste meio, promover reflexões a respeito de suas realidades e com isto, lutar para transformá-la.

O ensino de música nas escolas do campo deve ser pautado dentro da pedagogia não alienante, evitando os preconceitos, retendo aquilo que consideramos importante nas nossas práticas pedagógicas, as quais nos trazem a consciência dos acontecimentos dos processos sociais a nossa volta, que são fundamentais na luta pela transformação social.

O que propomos para esses alunos, que têm suas próprias particularidades, é um ensino musical ou práticas artísticas musicais contextualizadas para que possam se sentir mais próximos de sua realidade, aprendendo ou praticando o fazer musical de forma prazerosa e com responsabilidade e consciência. A respeito do ensino da disciplina de música na educação básica e sua contextualização, Loureiro (2003, p. 21) assinala que:

Atualmente, sabemos que poucas escolas incluem em seus currículos a disciplina de música. Quando há, o que encontramos é o uso excessivo da prática de cantar. Canta se demais, de modo inconsciente e mecânico, o que ainda é pior, sem levar em consideração a realidade do aluno, levando-o, cada vez mais, a distanciar-se do prazer do fazer musical.

Breve reflexão sobre cultura

A palavra cultura tem sua origem no latim a qual está ligada às atividades agrícolas e vem do verbo colere que significa cultivar. O termo cultura é algo relativo, pois a diversidade dos povos é imensa. Com o passar dos séculos a palavra cultura ganha outras conotações com significados cada vez mais relacionados aos costumes de cada sociedade caracterizando suas peculiaridades tais como a maneira de se vestir de um povo, sua música, suas crenças, suas maneiras de interpretar a realidade, e a maneira pela qual uma sociedade qualquer utiliza os recursos da natureza para produzir riquezas, etc. Santos (2006) afirma que o desenvolvimento humano é marcado por contatos conflitantes entre tipos diferentes de organizar a vida social e a forma de apropriação dos recursos naturais transformando o meio em que vive. Como observamos o choque entre as culturas é marcada de interesses desiguais.

Outra dimensão do termo cultura também está associada às particularidades de cada indivíduo o qual está inserido dentro de um contexto cultural padrão e que dentro de uma determinada cultura, há sujeitos que tem seus próprios costumes tais como corte de cabelo, o modo de se vestir, etc..

A partir dessa ideia de que tudo ao nosso redor está sujeito às transformações, seja físicas ou ideológicas, podemos afirmar que a cultural não é algo estático. Outro ponto importante o qual nos auxiliará na compreensão do complexo significado do termo cultura, diz respeito a não dissociação dos processos culturais das relações de poder que há dentro dos

costumes de uma sociedade em especial àquelas imbuídas dentro do contexto capitalista. Tal relação de poder e os processos de controle por parte daqueles que estão no topo da pirâmide social, foi observado na história da formação do samba o qual era tido como música subalterna e que a partir da aproximação e apreciação desta música por parte de uma elite, o samba começa a ter reconhecimento, aceitação e respeito.

O modo de compreendermos a cultura se transforma na medida em que o tempo passa. O exemplo disto está à maneira de como os colonizadores do século XVI interpretavam a cultura dos ditos povos diferentes. Para eles, o entendimento de uma cultura distinta era apenas relacionado ao entendimento superficial daquele povo o qual se pretendia dominar. Não havia preocupação a respeito do estudo da diversidade local para a melhor compreensão da história do homem ou da humanidade. Para os dominadores navegantes, havia uma espécie de lei natural que justificava a superioridade Ocidental sobre quaisquer culturas espalhada pelo mundo. Como observamos, a cada dia que passa no mundo atual, o conceito de culturas isoladas vai perdendo o sentido.

O conceito ou ideia da chamada cultura popular surge a partir do século XIX o qual nos remete a ideia de uma cultura diferente da ideia de cultura erudita. Para Santos (2006), é a própria cultura das elites da sociedade as quais fazem parte das instituições dominantes que desenvolve o conceito do que seja cultura popular. Como analisaremos nas linhas que se seguem neste artigo, o samba que outrora era sobrepujado pelas elites dominantes, passa a ser, por influência dessas elites, o símbolo musical brasileiro com reconhecimento nacional e internacional. Nesse sentido, nos reforça a ideia de que os processos culturais são imbuídos de relação de poder onde as convenções que são tomadas a partir em muitos casos de maneira conflitantes. Isso se dá pelo fato das elites terem a vantagem de transitar tanto no seu próprio mundo cultural restrito a somente a elas, quanto na vantagem de transitar dentro das culturas denominadas populares. Desta forma, ao pensar o conceito cultura, não podemos deixar de lado a reflexão sobre as relações de poder ali inseridas. A respeito deste antagonismo entre o erudito e o popular, afirma Santos (2006, p. 56):

[...] o que se busca na cultura popular é seu caráter de resistência à dominação, ou seu caráter revolucionário em relação a esta, [...] a cultura popular tem de ser encarada não como a criação das instituições dominantes, mas comum universo de saber em si mesmo constituído, uma realidade que não depende de formas externas, ainda que se opondo a ela.

Há muito se tem discutido sobre o papel da arte na educação. Muitos até afirmam ser ela desnecessária, no entanto, sabemos que a arte é algo inseparável do ser humano e que o papel ou o objetivo do seu ensino é fazer o sujeito adentrar neste universo de forma reflexiva e consciente dos processos artísticos através dos elementos educacionais tanto formais como os nãos formais. Mas qual é o real objetivo do ensino das artes na educação básica? Tal questionamento nos faz refletir sobre as práticas dos artistas educadores, pois entender os processos e os reais objetivos das práticas artísticas nas escolas os farão melhores naquilo que se propõe ensinar.

O ensino de arte na educação básica é aquele ensino que deve estar pautado na educação do sensível, melhoramento das percepções da estética artística dentre outros. No caso da música, o seu ensino é de suma importância por ela ser a manifestação artística mais presente na humanidade. Não existe uma sociedade que não tenha a música como elemento de

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