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Durante o período colonial e até as intervenções saneadoras a fins do século XIX a legislação rejeitava a presença vegetal na cidade. Os conflitos ocorriam pelas oligarquias rurais terem uma noção barroca de cidade, mas dela eliminarem a concepção de natureza desnaturada presente nos modelos europeus. Não existiam árvores, arbustos ou canteiros com flores, nem mesmo as topiarias podadas em formas geométricas. Árvores privadas ou galhos que avançassem sobre ruas poderiam comprometer a esterilidade, tida como ideal para o meio urbano:

Nota-se que a legislação permaneceu durante muito tempo reforçando contradições entre espaço público x privado e espaços livres e edificados. As Posturas de 1877 continuavam reafirmando a poda de árvores privadas (grifo nosso) que invadissem o espaço público. Ao mesmo tempo surgiam as primeiras iniciativas para o planejamento e implantação de áreas verdes urbanas. Em fins do século XIX a morfologia urbana passou a ser questionada. Os conflitos relativos a arruamentos resultaram em problemas mais complexos. A existência de fiscais corruptos e diferenças entre projetos e execução constituíam apenas alguns desses detalhes.

Para Pereira & Santos (1993) e Pereira (1996) o conceito de espaço urbano passou a ser contestado inclusive nas esferas governamentais criando atritos administrativos pelas concepções diversas de cidade. As intenções equivocadas da Câmara em tornar ruas paralelas e praças

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retangulares pretendia eliminar ruas diagonais. A destruição da cidade colonial criava novo tecido de acordo com critérios de paralelismo e simetria.

As primeiras idéias para sistemas de áreas verdes surgiram em Curitiba no século XIX ao mesmo tempo dos contemporâneos europeus e norte-americanos que lhe serviram de modelo. Aos poucos a morfologia da cidade formal cidade foi sendo modificada. Foi incorporada vegetação devido aos efeitos benéficos e saneadores. A parte nova da cidade e os bairros “modernos” eram planejados em função de preocupações sobre a formação de espaço urbano mais saudável.

O mesmo autor descreve as intenções do Presidente da Província do Paraná, na época o visconde Alfredo d’Escragnolle Taunay, em contrapor saneamento, reservar áreas livres arborizadas para recreio. Era prioridade reincorporar a vegetação ao modo de vida dos citadinos e introduzir o hábito do passeio. Os governantes buscavam resgatar a atmosfera do meio ambiente natural, da presença de árvores e dos benefícios à saúde. Esta visão organicista e sanitarista opunha-se a ordem abstrata e geométrica vigente até então em prol da salubridade urbana. Desta forma, no século XIX, a cidade colonial começou a ser modificada. Ao traçado reticular e quadro estéril opondo-se ao espaço rural e entorno foi superposta uma arborização exótica.

O primeiro grande empreendimento relativo a áreas verdes foi a determinação legal de 1857 para construção do Jardim Botânico em área pantanosa e alagável do rio Belém. A área foi desapropriada da chácara da Glória e em fevereiro de 1886 foi implantado o Passeio Público, Lacerda, (2001).Este foi o primeiro parque de Curitiba e na época localizava-se em zona rural e próximo às chá caras dos barões ervateiros Fontana e Leão,conforme exprime a figura 40, 41 e 42.

Observe-se que a composição paisagística dessa área com plantas e árvores exóticas incidiu na degradação do meio previamente existente in situ. Houve desmatamento de matas ciliares nativas e de vegetação de várzea, aterro de pântano, desvio do curso e alteração do leito natural do rio Belém nas propriedade de Fontana e a jusante. Demais detalhes foram descritos na seção arquitetura da paisagem; subseção século XIX e seção caracterização da área de estudo; subseção hidrografia e flora. Recomenda-se ainda consulta fotos antigas e a Lacerda (2001).

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figura 40- vista do Passeio Público e norte de Curitiba. A rua a esquerda da foto é a antiga estrada da Graciosa ou Boulevard da Graciosa. A rua a direita da foto era o Boulevard 2 de Julho. FONTE: foto in Casa da Memória (2004)

O Passeio Público estruturava em seu projeto original desenho sinuoso e vegetação formada por grande variedade de espécies na maioria exóticas. A obra obedeceu critérios de médicos e engenheiros e ideais sanitaristas vigentes na época.

Observamos que o contraste entre cidade e campo e entre as classes abastadas e menos favorecidas foi acentuado, julgavam na época ser reduzido através das obras “saneadoras”. A arborização dos Boulevards, do Passeio Público e demais squares, praças da cidade passou a coexistir com a ordem abstrata da geometria urbana existente. Por outro lado, esta reconciliação cosmopolita com a natureza desprezava as matas nativas concebidas como mato caótico. Ao mesmo tempo em que se propunha a adoção de hábitos europeus em Curitiba como freqüentar o Passeio Púbico o passeio nos Boulevards em analogia ao que ocorria no Velho Mundo, as condições sócio-econõmicas permaneciam diferenciadas. É conhecido que nessa época a atividade do passeio; flaneur,era restrita as elites. Dessa forma nessa época muitas ruas de Curitiba permaneciam enlameadas e sem calçamento.

A viabilização das obras do Passeio Público e do Boulevard 2 de Julho ou atual Av. João Gualberto, uma das vias estruturais para o norte da cidade, foi possível mediante parceria entre capital público e privado. Esse período, na verdade, favoreceu muitas obras de engenharia por ter constituido o auge econômico paranaense e curitibano advindo da madeira e do mate. Os custos das obras foram pagos e administrados em parte principalmente pelos magnatas do mate, ou seja, pelo Comendador Fontana e Barão do Serro Azul. Na face Noroeste do Passeio ocorreu o início das obras para a construção do Boulevard 2 de Julho arborizado com palmeiras. Nele foram localizadas as casas-monumento da burguesia industrial e ervateira. Entre elas as residências dos Fontana; a Mansão das Rosas e o palacete e o castelinho com amplas áreas vegetadas dos Leão. Essas propriedades localizavam-se afastados do Centro que na época estava na rua da Liberdade ou atual Barão do Rio Branco, (Pereira,1996, Lacerda, 2001).

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Figura 41– Aspecto do Boulevard 2 de Julho em 1890, palmeiras imperiais e outras plantas exóticas em frente à Mansão d as Rosas do Comendador Fontana. A residência foi demolida por volta de 1980. fonte: foto acervo Fontana in Fenianos (1996)

Figura 42 – Solar e Castelinho Leão na Avenida João Gualberto, antigo Boulevard 2 de Julho em 1943. Nessas propriedades haviam usos mistos, urbanos e rurais, jardins, quintais, pomares e bosques nas propriedades. Ao fundo as chaminés indicando grande

quantidade de fábricas no local. Fonte: foto acervo Odete Leão Camargo in Fenianos (1996)

Este novo momento do século XIX possibilitou o crescimento de assentamentos humanos nas zonas declaradas rurais. Em paralelo, começaram as obras infra-estruturais de pavimentação, pontes, abastecimento de água potável encanada, correção de ruas antigas, iluminação e transporte por bonds públicos, controle das edificações privadas pela disponibilização de engenheiros à municipalidade, obras de san eamento, lazer urbano, entre outras.

Por outro lado, havia o antigo traçado quadriculado colonial que ainda influenciava a forma urbana com as caixas de rua com menos de 12.6 a 14.4m e regularidade de quadras e de edificações. As modificações substanciais no meio urbano eram dificultadas pela legislação.

Na década de 30 com o declínio econômico as grandes obras saneadoras cessaram e o Planejamento Urbano voltou-se para experiências de menor porte, contemporâneas as suas européias. A partir daí as obras em Curitiba foram atribuídas à Diretoria de Serviço e Praças, Jardins e Arborização da cidade. Este serviço encontra-se atualmente na SMMA.

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