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Preparada para morrer! “Abriram champagne no Doi-Codi”

3 NO ERGÁSTULO

3.1 Preparada para morrer! “Abriram champagne no Doi-Codi”

Lúcia foi presa no Rio aos 31 (trinta e um) dias de março de 1971, no momento em que a repressão militar cingia seu círculo de ferro, sob o governo do general linha dura Emílio Garrastazu Médici184. A entrada da prisioneira no interior do Destacamento de Operações de Informações (DOI) do I Exército e do Centro de Informações do Exército (CIE) que funcionava no Quartel do 1º Batalhão da Polícia do Exército do Rio de Janeiro, na rua Barão de Mesquita, n.º 425, Tijuca, alvoroçou o ergástulo185. “Eles comemoraram, abriram champanhe lá dentro do DOI-Codi.”186 Quem quis brindar foi a tropa do porão187. Por ironia, Lúcia caiu justamente no dia do sétimo aniversário da ditadura e os militares viam-na como um troféu, visto sua atuação como vice-presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Economia e Administração da UFRJ e uma das grandes lideranças femininas da Dissidência Estudantil da Guanabara, a DI-GB. “Eles fizeram uma boa comemoração por me prenderem, àquelas alturas eu era uma das poucas das antigas que ainda estava solta.” 188

Se a queda de João Goulart, em 31 de março de 1964, causou em Lúcia uma profunda decepção, aquele 31 de março de 1971 foi muito mais nefasto. Ela entrou no DOI-Codi do Rio abaixo de bordoadas. No entanto, a violência abrupta principiou já no caminho entre a zona norte do Rio e o xadrez. Naquele começo de 1971, escondia-se com Maria Luíza Garcia Rosa (Pupi), na Rua Lino Teixeira, bairro do Jacaré. “Estávamos nós duas no apartamento que havíamos alugado e que só nós

184 A propósito da repressão durante a ditadura, sobretudo no período do governo Médici, vejam-se as obras: GORENDER, Jacob. Combate nas trevas, op. cit.; REIS FILHO, Daniel Aarão. A revolução faltou ao encontro. Os comunistas no Brasil. CNPq: Brasiliense, 1990.

185 A etimologia aponta que a palavra ergástulo vem do latim ergastùlum, seus significados são muitos. Como substantivo masculino refere-se à Masmorra; local subterrâneo, escuro e úmido, onde os criminosos estão detidos. No sentido figurado pode ser qualquer tipo de prisão, de cativeiro, de cárcere. Quanto a historicidade do termo, era utilizado pela civilização romana na antiguidade para designar o Calabouço ou lugar destinado ao confinamento de escravos. Cf. GRANDE DICIONÁRIO LAROUSSE Cultural da Língua Portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1999.

186 Entrevista de Lúcia Murat in TELES, Intolerância e resistências, op. cit., p. 373.

187 A expressão tropa do porão ou porões da ditadura é utilizada pela historiografia para fazer referência àqueles setores que praticavam a tortura e o assassinato político, bastante cingidos aos DOIs (Destacamento de Operações e Informações) e aos DOPS (Departamentos de Ordem Política e Social). Ver FICO, Carlos. “Espionagem, polícia política, censura e propaganda: os pilares básicos da repressão”, op. cit., p. 169; FICO, Carlos. Como eles agiam – os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro: Record, 2001.

sabíamos onde ficava. Fomos seguidas... Eu me lembro de que eu estava dormindo e a única coisa que eu fiz foi levantar o rosto e já tinha uma metralhadora em cima de mim, eu tinha um revólver debaixo do travesseiro, mas não tive tempo de pegá- lo. Ou seja, a dona do imóvel abriu a porta para eles... de alguma maneira, ela abriu, ninguém tocou a campainha, ninguém fez estardalhaço nenhum. Bom, aí começou o horror, já saímos de lá apanhando. Botaram-me um capuz, jogaram-me dentro de um carro e começaram a me espancar. Era madrugada, rapidamente fiquei nua, a minha roupa foi tirada... não vi mais a Pupi.”189

No DOI-Codi, Lúcia ingressava no inferno. Entre os muitos horrores da tortura, alguns inomináveis, tal a sanha dos algozes, contabiliza choques pelo corpo e espancamentos generalizados, catorze horas seguidas no pau de arara, o que provocou uma flebite na sua perna direita. “Tentei resistir, mas logo percebi que a única saída era a morte. Resolvi abrir um ponto falso para cometer o suicídio. Então, a questão era segurar-me por um tempo, para alguém avisar a minha família. Falei que estava saindo do Brasil, que não queria mais continuar e que estava aguardando o passaporte para viajar... Essa foi à história... Contei que no próximo ponto eu tinha que ficar na sacada do prédio onde morava e que ia passar um carro logo abaixo. Com isso imaginei: eles me põem na sacada do prédio, eu me jogo e acabou a brincadeira. Logo depois das primeiras pancadas bolei essa história...”

Assim que foi retirada do pau de arara, Lúcia foi levada até o local do suposto “ponto marcado”, mas entrou em desespero quando os agentes da repressão decidiram não levá-la até a sacada do prédio. “Não quiseram subir, eu estava um farrapo humano... Minha perna direita estava enorme, tenho a impressão de que foi por isso que não subiram comigo para o apartamento, me deixaram na rua dentro de um carro e eu comecei a ficar histérica e pensei: ‘Agora, quando eu voltar acabou, os caras não vão pegar ninguém e eu não vou ter conseguido morrer, eu estava perdida e mal paga’.” Lúcia descreve aquela situação de impotência como a pior das

estupefações: “A sensação de não poder morrer... Eu fiquei histérica, chorava

loucamente dentro do carro. Então, comecei a inventar outra história: ‘A culpa é de vocês, os caras não vão passar aqui porque vão ver que não sou eu na sacada.’ Eles haviam colocado no meu lugar um homem fantasiado com uma peruca loira. Falava chorando: não vão acreditar.”190

189 Ibid.

Apesar de tudo, Lúcia manteve a história inventada. Quando voltou ao DOI- Codi a tortura foi ainda mais pesada. Os torturadores a submeteram a “hidráulica”, que consiste em jogar água pelo nariz, e foi torturada com blattarias, uma subordem

de insetos cujos representantes são popularmente conhecidos como baratas. “Havia um maluco no DOI-Codi que fazia coleção de baratas amarradas por um barbante. Era horrível, pavoroso... As baratas ficavam passeando no meu corpo. Eu fui muito torturada, fiquei um lixo total, já estava um lixo quando me levaram para o ponto inventado, já tinha passado mais 12 (doze) horas no pau de arara.” 191

Mesmo antes de levarem Lúcia ao encontro forjado, os agentes da repressão desconfiavam de sua história. “Eles sabiam que uma pessoa de comando não abriria tão rápido. Diziam: ‘Não é verdade!’ e continuava a porrada... mantive a história durante essas mais 12 horas de pau de arara, mantive o ponto falso.” Ao resistir a tortura, Lúcia ganhou o tempo necessário para Marilene Villas-Boas Pinto descobrir sua prisão. “Eu tinha dois pontos com a Índia. Quando faltei ao segundo ponto, ela avisou a minha mãe. Então, minha família começou a se mexer, no início pouco adiantou, mas em suma, adiantou mais tarde.” 192

Durante a tortura, pela formulação das perguntas dos carrascos, Lúcia intuiu que sua substituta na Bahia também havia sido presa. De fato, segundo documento difundido pelo Centro de Informações do Exército (CIE), Solange Lourenço Gomes – que também atendia pelos codinomes de “Clara”, “Aurora”, “Rute”, “Conceição”, “Jurema” e “Maria José Linhares” – foi presa e interrogada em Salvador/BA aos 08 (oito) dias de abril de 1971. No resumo de suas declarações registradas no boletim de informação n.º 37/71, consta detalhes do trabalho inicial de panfletagem da DI- GB e do trabalho interno do MR-8, sob comando de Lúcia, quando de sua estadia na Bahia.

Em jun. 69, houve treinamento de tiro em uma praia perto de Búzios. Tomaram parte: Solange (“Clara”), Daniel Aarão Reis Filho (“Plínio”), Lúcia Maria Murat Vasconcellos (“Margarida”, “Margot”, “Márcia”, “Cristina”), Mario de Souza Prata (“Joaquim”), José Sebastião de Moura (“Aníbal”) [...] Nesse treinamento, Solange começou a namorar Daniel Aarão reis Filho e combinaram de morar juntos.

No período de jul. a ago./ set. 69, Solange tomou parte nas seguintes panfletagens: em Guadalupe (Fábricas Remington e

Eternit), na Penha (Cortume Carioca), no Jardim América (Fábrica

191 Ibid. 192 Ibid.

Metropolitana), no Caju (Estaleiro Kaneco e Ishikanajima) e em Ramos (Ciferal). Nessas ações, atuaram, além de Solange: Daniel Aarão Reis Filho, Lúcia Maria Murat Vasconcellos, Mario de Souza Prata, “Tião” (parece que seu sobrenome é Belair, era da Escola de Belas Artes; foi para o POC), Marcos Dantas Loureiro e Marcos Aarão Reis.

Em dez. 70, Solange veio para Bahia e seu ponto de entrada foi com Lúcia Maria Murat Vasconcellos (Cristina). A missão de Solange foi substituir Lúcia na chefia do Trabalho Interno. A função do Trabalho Interno compreendia a confecção e distribuição do jornal

Avante, nos bairros pobres (havia uma ideia de transformar esse

grupo do TI em um GPM); levantamento de algumas ações a serem feitas (para obtenção de fundos): um ex-gerente de banco e um comerciante; levantamento de locais para pichação em bairros pobres. Lúcia passou à Solange os seguintes elementos de TI: “Chico” (Denilson Pereira de Vasconcelos), “Tuca” (Diogo Assunção de Santana), “Dico” (Milton Mendes Filho), “Raimundo” e “Adriana”. Outros contactos passados por Lúcia: “Jorge Burguês” (simpatizante”, “Rocha” (morava com João Lopes Salgado, em Salvador), um elemento pertencente à organização Sem Nome (composta de padres e religiosos de esquerda) e “Correia” que rachara com a VAR-P. Havia também um planejamento de se instalar uma gráfica legal, a fim de dar fachada aos trabalhos de imprensa.

Em início de janeiro (talvez dia 2), “Dino” (João Lopes Salgado) chegou a Salvador, com cerca de CR$ 5.000,00; poucos dias depois, chegou Carlos Alberto Vieira Muniz (Pedro, Karl) com cerca de CR$ 22.000,00 (dessa importância, “Dino” levou CR$ 14.000,00 para o campo).

Basicamente, o MR-8 na Bahia está organizado em: trabalho de campo (Dino, Rocha, Merenda ou Ramos e Jorge); frente de camadas médias (André) e trabalho interno (Solange).193

Mesmo sem ter conhecimento das declarações de Solange, Lúcia percebeu que os militares haviam mapeado suas ações na Bahia. “Eles sabiam de quase tudo da Bahia, não sabiam do “Zequinha” (José Campos Barreto), não sabiam apenas de algumas pessoas que a Solange não conhecia pelo nome. Eles continuaram me torturando direto até eu sair do pau de arara, foi um caos, eu não sei quanto tempo durou a tortura, eu queria morrer e não conseguia. Mas nesse tempo já tinha liberado os pontos com a organização. A tortura desenfreada era porque eles queriam os pontos, eles sabiam que tinham apenas 48 (quarenta e oito) horas para conseguir essa informação, depois desse tempo perdia-se o contato com a organização que subentendia que havíamos caído. A tortura seguinte, então, era para entregar os nomes dos companheiros e companheiras, falar sobre detalhes de ações que eles não conheciam ou tinham dúvidas.”194

193 CIE/DOPS/CAM/PM-RJ. Prontuário RJ N.º 38968.

Depois de dois dias sendo brutalmente torturada, Lúcia foi jogada no corredor do CIE, num colchão sujo e delgado. Nesse momento lembra-se de um belo rapaz que passou e lhe perguntou: “Você é filha do doutor Miguel?”, ela respondeu: “Sou”. Ele, então, deu três tapas no seu rosto e disse: “Como é que você faz isso com seu pai”. Deu-lhe um chute, andou poucos metros, voltou e falou: “Vou arranjar para você ir para enfermaria senão você vai morrer”. Por que aquele moço se compadeceu com o seu sofrimento? Quiçá, lembra Lúcia, fosse um dos militares da Vila Militar que recebiam tratamento médico gratuito do Dr. Miguel Vasconcellos. O importante é que o tratamento recebido salvou sua vida, mais um dia a infecção da flebite poderia atingir seu coração e levá-la a morte. Na enfermaria, Lúcia foi tratada pelos mesmos médicos que a examinavam durante a tortura: Amílcar Lobo e Ricardo Fayal. Sobre os quais, ela conta: “O Fayal chorava, nos abraçava. O Lobo não, o Lobo era maluco, tive várias discussões com ele. Lembro-me de um momento em que os agentes invadiram a enfermaria e queriam me bater, o Fayal não permitiu. Eu estava muito debilitada, não conseguia comer por conta dos choques elétricos na língua, qualquer comida que colocava na boca vomitava imediatamente. Lembro-me de que alguém entrou na enfermaria e abriu que descobriram que meu pai tinha ficado de posse de uma arma minha, logo iriam prendê-lo, mesmo nesse estado falei: ‘Se pegar o meu pai, ninguém de vocês vai sair vivo daqui’.” 195

Ainda na enfermaria, Lúcia foi interrogada por agentes da aeronáutica que vieram de Salvador. “Eles se compadeceram com o meu estado deplorável, um deles olhou para o outro e falou assim: ‘Não dá, vamos levá-la para a Bahia... Nós vamos cuidar de você’.” Levada para Salvador num avião da força aérea militar, puseram-na no quartel dos Barbardos, localizado na Ladeira dos Aflitos. Lá foi atendida pelo médico do quartel. A reação do esculápio ao ver o estado da paciente foi de esquivar-se de qualquer responsabilidade: “Você vai morrer nas minhas mãos e eu não tenho nada a ver com isso... vou fazer um relatório, ou eu vou preso ou você será cuidada”. Mesmo temendo represálias dos agentes do quartel, o então médico elaborou um laudo médico que depois fora usado numa das peças processuais de denúncia da tortura. O laudo em si tinha um caráter de prova da tortura, pois trazia uma descrição detalhada do estado da paciente. Doravante, Lúcia recebeu atendimento de um neurologista da aeronáutica. “Ele não tinha nada a ver

com a tortura, também ficou apavorado com o meu estado. Eu achei que tinha perdido a perna direita. Ele chegou e falou assim: ‘Põe o pé no chão e tenta mexer o dedo’, aí não mexi, mas finalmente mexeu um dedinho, quando então ele deu um sorriso, nunca me esqueço disso.”196

O suplício parecia ter chegado ao fim. Apesar dos interrogatórios, Lúcia conta que se sentia feliz naquele momento, pois estava sendo bem cuidada, recebendo antibióticos e a cada dia a perna direita desinchava mais. Achava-se muito afeiçoada a um tenente coronel do CIE, chamava-se “Cinelli” (Lúcia não tem certeza do nome), acreditou nele e lhe contou até detalhes de sua vida pessoal, contudo, na verdade o major queria informações relacionadas aos fatos militares, aos comandos da organização, Lúcia nunca contou. Então, foi transferida para a aeronáutica, já estava com a perna delgada, cintura moldada, porém ainda recebendo injeções de B-15 contra a infecção. Quando, sem mais tempo, recebeu a seguinte notícia: “Você vai voltar para o Rio”. Os agentes entraram na sua cela e colocaram-lhe um capuz preto. Quando Lúcia acordou já estava dentro de um avião sob a ameaça de ser jogada para fora da aeronave. “Alguém havia aberto tudo no Rio.”197 Para além disso, gozaram dos militares baianos: “Aqueles babacas dos baianos, você enganou os baianos, enrolou os baianos sua filha da puta...”.

O relato de ironia grifado por Lúcia dos “cariocas” contra os “baianos” na verdade se refere a disputa existente no seio das três esferas das forças armadas brasileiras pelo maior grau de eficiência no processo executor da repressão, uma marca registrada nos subterrâneos do governo do general Emílio Garrastazu Médici (1969–1974) – afirma Carlos Fico. “Costumava ser problemático o relacionamento entre os oficiais das Forças Armadas e os integrantes das policias civis e militares. Os primeiros acusavam os segundos de corruptos. Os policiais achavam os militares despreparados.”198

Dentre os comandantes com os ânimos mais alterados, Fico cita João Paulo Moreira Burnier, brigadeiro e anticomunista fanático, que comandava a III Zona Aérea e do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA). Cabe ressaltar ainda que dentre os diversos papéis e estratégias exercidos pelo aparelho militar, o que mais sobressaiu foi o aparelho repressivo, organizado e implementado

196 Ver entrevista de Lúcia Murat in TELES, Intolerância e resistências, op. cit., p. 378. 197 Ibid.

198 FICO, Como eles agiam – os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia política, op. cit., p. 186.

pelo Serviço Nacional de Informações, o SNI, com base no escopo teórico da Lei n.º 898, de 29/09/1969, Lei/ Doutrina de Segurança Nacional199. Tanto que, no governo

Médici, a Agência Central organizou três seções de operação mútua: Seção de Informações Estratégicas, Seção de Segurança Interna e Seção de Operações Especiais. Além disso, contava com quase duas dezenas de órgãos especializados, que incluíam os serviços secretos de ministérios militares: O Centro de Informações do Exército, o CIE; o Centro de Informações da Marinha, o CENIMAR; o Centro de Informações da Aeronáutica, o CISA; as Delegacias Especializadas em Ordem Política e Social, DOPS; e os Destacamentos de Operações Internas e Centro de Operações e Defesa Interna, os DOI-CODIs.200 Assim, embora o AI-5 tenha sido aprovado e promulgado durante o governo de Costa e Silva, foi a partir do governo de Médici que o mesmo passou a ter maior grau de eficiência, quando então a repressão atinge seu maior nível de violência, os DOPS e os CODI-DOIs201, órgãos vinculados ao SNI, transformaram-se em sinônimos de pavor, de torturas e sevícias.

No Rio, Lúcia voltou para o DOI-Codi, a tortura foi reiniciada com choques generalizados pelo corpo, lembra-se com amargor de uma das frases proferidas por um dos seus verdugos: “eu não preciso dar um choque com alta voltagem em você, eu posso dar um choquinho que ele vai ter o mesmo efeito, você já virou a minha cachorrinha de Pavlov.”202 Todavia, o peso da tortura no regresso ao calabouço

199 Acerca da Lei n.º 898/1969, ver: BORGES, Nilson. “A Doutrina de Segurança Nacional e os governos militares”, op. cit., p. 13-42.

200 O DOI-Codi surgiu a partir da Operação Bandeirante (Oban), criada em 2 de julho de 1969 em São Paulo, como uma empresa extralegal, subsidiada com as contribuições de políticos, empresários locais e de corporações multinacionais, como a General Motors e a Ford. Com o objetivo de coordenar e integrar as ações contra os grupos de esquerda. Em setembro de 1970, foram criados dois órgãos diretamente ligados ao Exército: o Destacamento de Operações e de Informações (DOI), responsável pelas ações práticas de busca, apreensão e interrogatório de suspeitos, e o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), cujas funções abrangiam a análise de informações, a coordenação dos diversos órgãos militares e o planejamento estratégico do combate aos grupos de esquerda. Embora fossem dois órgãos distintos, eram frequentemente associados na sigla DOI-Codi, o que refletia o caráter complementar dos dois órgãos. A criação do DOI-Codi representou a “institucionalização” da Oban, embora baseada em diretrizes secretas, formuladas pelo Conselho de Segurança Nacional (CSN) e aprovada pelo presidente Médici, possuía mais prestígio e poder que os outros órgãos de segurança. Cf. WESHLER, Lawrense. Um milagre, um universo. O acerto de contas com os torturadores. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 44; GASPARI, Elio. A ditadura escancarada, op. cit., p. 62; FICO, Como eles agiam – os subterrâneos da ditadura: espionagem e polícia política, op. cit., p. 116; RAGO, A aventura de contar-se, op. cit., p. 69.

201 Hierarquicamente, os DOIs eram subordinados aos CODIs. Portanto, a conexão mais apropriada seria CODI-Doi. Os DOIs eram comandados por majores de infantaria do Exército e, além de militares das três Forças Armadas, reuniam integrantes das polícias militares estaduais e das polícias civis, as chamadas PM, PE e PC. Ver Como eles agiam – os subterrâneos da ditadura: espionagem e polícia política, op. cit., p. 118; BAFFA, Ayrton. Nos porões do SNI: retrato do mostro de cabeça oca. Rio de Janeiro: Objetiva, 1989.

carioca veio com os métodos de mortificação sexual, quando teve seu corpo violado na mais ínfima intimidade, uma técnica comumente aplicada contra as mulheres: “Deixavam-me nua e em pé, recebia um capuz preto e tinha as mãos atadas às costas com a corda passando pelo pescoço. Os caras tocavam e ejaculavam nos meus seios, o mesmo faziam na vagina. Não havia possibilidade de defesa porque se fizesse qualquer movimento me enforcava. O que era muito perverso porque na prática eles faziam o ato se fossemos conivente, para não se enforcar deixávamos..., e foi barra pesada. No fundo, naquele momento, sinceramente eu preferia a tortura sexual do que apanhar, isso é horrível de se falar, mas eu preferia, com certeza, era menos dolorido.”

Impossível olvidar as contribuições teóricas de Elizabeth Jelin nesse sentido,